Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5006496-15.2020.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
12/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 17/08/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE
SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA. CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. AFASTAMENTO DO ÓBICE DA COISA JULGADA.
- Reconhecimento da possibilidade de alteração no estado de fato, bem como existência de
requerimentos administrativos posteriores, em face do que não há que se falar na ocorrência de
coisa julgada.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 42 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade
de segurado, incapacidade total e permanente e cumprimento do período de carência (12 meses)
- é de rigor a concessão de aposentadoria por invalidez.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa.
Impossibilidade de exigir a reabilitação de trabalhador com baixo grau de instrução, para atividade
diversa de sua habitual. Incapacidade total e permanente configurada. Precedentes do STJ.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006496-15.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELLO DOS SANTOS GERALDO
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ALBERICO - SP51081-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006496-15.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELLO DOS SANTOS GERALDO
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ALBERICO - SP51081-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença,
desde a data do requerimento administrativo (23/7/2019).
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora
o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez, desde 15/2/2018. Deferida a antecipação
dos efeitos da tutela.
O INSS apela, pleiteando, preliminarmente, o reconhecimento da coisa julgada, e, no mérito, a
reforma da sentença, requerendo a fixação do termo inicial do benefício na data do
requerimento administrativo.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006496-15.2020.4.03.6183
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCELLO DOS SANTOS GERALDO
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO ALBERICO - SP51081-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Imprescindível, ainda, o preenchimento do requisito da qualidade de segurado, nos termos dos
arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios.
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem
remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de
segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para
prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já
tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a
perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado
desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do
Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a
Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado
no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês
imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A perda da qualidade de segurado, portanto, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao
término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102
da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de
continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Registre-se que, perdida a qualidade de segurado, imprescindível a existência de, pelo menos,
seis meses de recolhimento, para que seja considerado novamente filiado ao regime, nos
exatos termos do art. 27-A da Lei de Benefícios.
Por fim, necessário o cumprimento do período de carência, nos termos do art. 25 dessa mesma
lei, a saber:
“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social
depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
DO CASO DOS AUTOS
Não procede a alegação da autarquia federal sobre a ocorrência da coisa julgada.
Segundo os parágrafos 1.º, 2.º e 3.º do artigo 337 do Código de Processo Civil, uma ação é
idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Ocorre a litispendência quando se repete ação que está em curso. Há coisa julgada, por sua
vez, quando se repete ação que já foi decidida por sentença de que não caiba recurso.
José Joaquim Calmon de Passos, em “Comentários ao Código de Processo Civil”, Volume III,
6ª edição, Editora Forense, afirma que a coisa julgada configura pressuposto processual de
desenvolvimento negativo, o que implica em dizer que a validade da relação processual
depende de sua inexistência.
Sobrevindo a coisa julgada material, qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que
emerge da sentença (ou acórdão) de mérito, a norma concreta contida na sentença recebe o
selo da imutabilidade e da incontestabilidade.
A propósito, cite-se nota do artigo 467 do CPC, Theotonio Negrão, 28ª edição, verbis:
“A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir no processo o que se decidiu. A
coisa julgada material é a que impede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu (Pontes de
Miranda) (RT 123/569)”.
Para reconhecimento do instituto da coisa julgada, deve-se verificar a tríplice identidade dos
sujeitos, pedido e causa de pedir.
Para os fins indicados, deve imperar a identidade jurídica, ou seja, que os sujeitos se
apresentem na mesma qualidade. A identidade do objeto deve apresentar-se com relação aos
pedidos mediato e imediato e, por sua vez, a identidade da causa de pedir deve resultar do
mesmo fato jurídico nas demandas, incluindo-se o fato constitutivo do direito do autor e da
obrigação do réu.
In casu, anote-se que a autora ajuizou demanda no ano de 2017, objetivando a concessão do
benefício por incapacidade de natureza previdenciária, diante da negativa do requerimento
administrativo protocolado em 9/8/2017 (n.º 0046089-78.2017.4.03.6301).
À época, o perito atestou a ausência de incapacidade para o exercício de atividades laborativas
habituais, esclarecendo que o autor é portador de “cegueira do olho esquerdo; sequela de
descolamento de retina em ambos os olhos; opacidade capsular no olho esquerdo.” (Id.
143300364).
O pedido fora julgado improcedente em razão da ausência da incapacidade laborativa. Ocorrido
o trânsito em julgado em 4/7/2018 (Id. 143300361).
Em 21/5/2020, foi distribuída a presente demanda, pleiteando “a concessão, em favor do Autor,
do benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, a partir do requerimento
administrativo, protocolado em 23/7/2019 (Id. 143300344).
A perícia judicial, nesse processo considerou ser, o autor, portador de “cegueira em olho
esquerdo e visão subnormal em olho direito, sendo incapaz total e permanente, para funções
que demandem visão. Visto que a causa da perda visual é permanente e não há tratamento
para tal” (Id. 101 a 103, Id. 143300344). Consignou a data de início da incapacidade em
22/8/2014.
O juízo a quo proferiu sentença de mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, e julgou
parcialmente procedente a demanda para conceder o benefício de aposentadoria por invalidez
desde 15/02/2018 (Id. 143300375).
Conforme se depreende dos autos, considerando as datas dos requerimentos administrativos
protocolados, não há identidade da causa de pedir, uma vez que as demandas advêm de fatos
jurídicos distintos.
Em relação à data de início do benefício, trata-se de sentença ultra petita, tendo em vista que o
juízo a quo excedeu os limites da lide, julgando além do pedido da parte autora.
Não obstante tenha o requerente pedido em sua peça exordial a concessão de aposentadoria
por invalidez ou auxílio-doença, desde a data do requerimento administrativo (23/7/2019), o
juízo a quo concedeu a aposentadoria por invalidez desde o dia imediatamente posterior ao da
data do laudo pericial do processo anterior (14/2/2018).
Tal decisão apreciou situação fática superior à proposta na inicial, e se constituiu em ultra
petita, violando os dispositivos legais constantes dos artigos 2º, 141 e 492 do Código de
Processo Civil, sendo caso, pois, de reduzi-la aos limites da discussão.
A propósito, averbam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, ao comentar o artigo 128
do Código de Processo Civil:
“2. Pedido e sentença. Princípio da congruência.Deve haver correlação entre pedido e sentença
(CPC 460), sendo defeso ao juiz decidir aquém (citra ou infra petita), fora (extra petita) ou além
(ultra petita) do que foi pedido, se para isto a lei exigir a iniciativa da parte. Caso decida com
alguns dos vícios apontados, a sentença poderá ser corrigida por embargos de declaração, se
citra ou infra petita, ou por recurso de apelação, se tiver sido proferida extra ou ultra petita. Por
pedido deve ser entendido o conjunto formado pela causa (ou causae petendi) e o pedido em
sentido estrito. A decisão do juiz fica vinculada à causa de pedir e ao pedido (...).”
Ainda no concernente ao tema em epígrafe, preceitua o ilustre professor Humberto Theodoro
Júnior, verbis:
“O defeito da sentença ultra petita, por seu turno, não é totalmente igual ao da extra petita. Aqui,
o juiz decide o pedido, mas vai além dele, dando ao autor mais do que fora pleiteado (art. 460).
A nulidade, então, é parcial, não indo além do excesso praticado, de sorte que, ao julgar o
recurso da parte prejudicada, o tribunal não anulará todo o decisório, mas apenas decotará
aquilo que ultrapassou o pedido.
A sentença, enfim, é citra petita quando não examina todas as questões propostas pelas partes
(...) A nulidade da sentença citra petita, portanto, pressupõe questão debatida e não
solucionada pelo magistrado, entendida por questão o ponto de fato ou de direito sobre que
dissentem os litigantes, e que, por seu conteúdo, seria capaz de, fora do contexto do processo,
formar, por si só, uma lide autônoma.
Só se anula, destarte, uma sentença em grau de recurso, pelo vício do julgamento citra petita,
quando a matéria omitida pelo decisório de origem não esteja compreendida na devolução que
o recurso de apelação faz operar para o conhecimento do Tribunal.”
Diante do exposto, a sentença merece reparo quanto à parte excedente, conformando-a à lide,
mas sem expurgo da ordem jurídica, reduzindo-seaos limites do pedido.
Posto isso, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento à apelação, para fixar a data de
início do benefício na data do requerimento administrativo.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE
SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA. CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. AFASTAMENTO DO ÓBICE DA COISA JULGADA.
- Reconhecimento da possibilidade de alteração no estado de fato, bem como existência de
requerimentos administrativos posteriores, em face do que não há que se falar na ocorrência de
coisa julgada.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 42 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade
de segurado, incapacidade total e permanente e cumprimento do período de carência (12
meses) - é de rigor a concessão de aposentadoria por invalidez.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa.
Impossibilidade de exigir a reabilitação de trabalhador com baixo grau de instrução, para
atividade diversa de sua habitual. Incapacidade total e permanente configurada. Precedentes do
STJ.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento à apelação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
