Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000739-09.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/06/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO DOENÇA. FALTA DE
CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO
NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. ASSISTÊNCIA ESTATAL NÃO SE
DESTINA A COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA.
I- Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem: a) o
cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da Lei n° 8.213/91; b) a
qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) incapacidade definitiva
para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à
incapacidade, a qual deve ser temporária.
II- In casu, o extrato de consulta realizada no "CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais"
da demandante, acostado aos autos a fls. 82 (doc. 1665307 – pág. 76), revela a ausência de
vínculos de trabalho e de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social, motivo pelo qual
não cumpriu a carência e não comprovou o requisito da qualidade de segurada.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- O impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho ficou comprovado
pela perícia judicial.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
V- Pela análise de todo o conjunto probatório constante dos autos, não ficou demonstrada a
alegada miserabilidade do núcleo familiar da parte autora. Conforme conclusão da assistente
social "a unidade doméstica da periciada, neste momento, possui uma renda familiar modesta,
porém observou-se que a requerente tem conseguido preservar um estilo de vida adequado,
descortinando a inexistência de vulnerabilidade social. Ademais, no curso de nossa intervenção
também pudemos identificar que a unidade doméstica da proponente não apresentou prejuízos
quanto a satisfação de suas necessidades básicas, cuja estratégia de sobrevivência não impôs
arranjos que envolvem sua rede de parentesco a fim de viabilizar a sua existência e a sua
reprodução social em um patamar digno e cidadão."
VI- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
VII- Não preenchidos os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por invalidez,
auxílio doença e do benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei
n.º 8.742/93, impõe-se o indeferimento dos pedidos.
VIII- Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000739-09.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SOLENY APARECIDA DA SILVA QUEIROZ
Advogado do(a) APELANTE: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000739-09.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SOLENY APARECIDA DA SILVA QUEIROZ
Advogado do(a) APELANTE: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão de
aposentadoria por invalidez, auxílio doença ou o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia que o
termo inicial seja fixado na data do indeferimento administrativo, bem como a concessão da tutela
antecipada.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e a antecipação
dos efeitos da tutela.
O Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, sob o fundamento da constatação na perícia
judicial da incapacidade parcial e permanente, e pela ausência de comprovação do requisito da
hipossuficiência. Condenou a parte autora ao pagamento de custas processuais, e honorários
advocatícios, fixados estes em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 3º, inc. I, do
CPC/15, ficando a exigibilidade suspensa consoante o disposto no art. 98, § 3º, do mesmo
estatuto.
Inconformada, apelou a parte autora, sustentando em síntese:
- a existência de incapacidade, consoante a documentação médica acostada aos autos;
- não possuir renda, vez que não consegue desempenhar qualquer atividade laborativa, sendo
que a remuneração auferida pelo companheiro não é suficiente para a manutenção do núcleo
familiar, bem como custear os medicamentos necessários para tratamento de seu problema de
saúde e
- haver o estudo social constatado residir em moradia simples.
- Requer a reforma da R. sentença, para julgar procedente o pedido.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 2/4 (doc. 4977070 – págs. 1/3), opinando pelo
desprovimento do recurso, e manutenção da R. sentença.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000739-09.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: SOLENY APARECIDA DA SILVA QUEIROZ
Advogado do(a) APELANTE: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
examino os requisitos ensejadores à concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio
doença.
Nos exatos termos do art. 42 da Lei n.º 8.213/91, in verbis:
"Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida,
será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado
incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de
incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o
segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de
Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a
incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão."
Com relação ao auxílio doença, dispõe o art. 59, caput, da referida Lei:
"O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período
de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos."
Dessa forma, depreende-se que os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez
compreendem: a) o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da
Lei n° 8.213/91; b) a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c)
incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no
que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária.
No que tange ao recolhimento de contribuições previdenciárias, devo ressaltar que, em se
tratando de segurado empregado, tal obrigação compete ao empregador, sendo do Instituto o
dever de fiscalização do exato cumprimento da norma. Essas omissões não podem ser alegadas
em detrimento do trabalhador que não deve - posto tocar às raias do disparate - ser penalizado
pela inércia alheia.
Importante deixar consignado, outrossim, que a jurisprudência de nossos tribunais é pacífica no
sentido de que não perde a qualidade de segurado aquele que está impossibilitado de trabalhar,
por motivo de doença incapacitante.
Feitas essas breves considerações, passo à análise do caso concreto.
In casu, o extrato de consulta realizada no "CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais" da
demandante, acostado aos autos a fls. 82 (doc. 1665307 – pág. 76), revela a ausência de
vínculos de trabalho e de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social, motivo pelo qual
não cumpriu a carência e não comprovou o requisito da qualidade de segurada.
Passo, então, à análise dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, no tocante ao requisito da deficiência, conforme parecer técnico elaborado pelo Perito a
fls. 114/119 (doc. 1665307 – págs. 108/113), cuja perícia judicial foi realizada em 21/2/17, afirmou
o esculápio encarregado do exame, com base no exame físico e análise da documentação
médica apresentada, que a autora de 40 anos, 2º grau completo, tendo desempenhado a função
de serviços gerais e estando afastada há vinte anos, é portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico
– CID10 M32.1, patologia esta de causa auto imune, concluindo pela incapacidade parcial e
permanente desde novembro/09, impossibilitando o exercício de atividades que exijam esforço
físico. Esclareceu o expert que apresenta dores generalizadas pelo corpo, a moléstia não tem
cura com prognóstico de progressão e agravamento, sendo o tratamento realizado de forma
contínua, com imunossupressores, não oferecido pelo SUS, acarretando inúmeros efeitos
colaterais, prejudicando o exercício de suas funções. Assim, encontra-se comprovado o
impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 24/2/17, data em que o
salário mínimo era de R$ 937,00) demonstra que a autora, sem renda, reside com o companheiro
de 18 anos José Valdecy Gonçalves, de 52 anos, e os dois filhos de relacionamento anterior
Gabriel Rodrigo Queiroz Xavier de 19 anos e Pedro Wilson Queiroz Xavier, de 18 anos, em
imóvel próprio, edificado em alvenaria, com piso cerâmico, reboco, pintura e muro, composto por
cinco cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro, lar este em condições adequadas
de habitabilidade e organizado, guarnecido por mobiliários e eletrodomésticos básicos em bom
estado de conservação. A família não está inscrita em quaisquer programas de transferência de
renda. A renda mensal é proveniente do labor do companheiro, como pedreiro autônomo, no valor
de R$ 120,00 a diária. As despesas mensais totalizam R$ 2.030,00, sendo R$ 800,00 em
alimentação, R$ 180,00 em energia elétrica, R$ 50,00 em água/esgoto e R$ 1.000,00 em
medicamentos. Conforme conclusão da assistente social "a unidade doméstica da periciada,
neste momento, possui uma renda familiar modesta, porém observou-se que a requerente tem
conseguido preservar um estilo de vida adequado, descortinando a inexistência de
vulnerabilidade social. Ademais, no curso de nossa intervenção também pudemos identificar que
a unidade doméstica da proponente não apresentou prejuízos quanto a satisfação de suas
necessidades básicas, cuja estratégia de sobrevivência não impôs arranjos que envolvem sua
rede de parentesco a fim de viabilizar a sua existência e a sua reprodução social em um patamar
digno e cidadão."
Dessa forma, não ficou demonstrada a alegada hipossuficiência do núcleo familiar da parte
autora. Quadra ressaltar que, no presente caso, foi levado em consideração todo o conjunto
probatório apresentado nos autos, não se restringindo ao critério da renda mensal per capita.
Há que se observar, ainda, que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui
caráter subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por
meio da família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação
de renda.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO DOENÇA. FALTA DE
CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO
NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. ASSISTÊNCIA ESTATAL NÃO SE
DESTINA A COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA.
I- Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem: a) o
cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista no art. 25 da Lei n° 8.213/91; b) a
qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e c) incapacidade definitiva
para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à
incapacidade, a qual deve ser temporária.
II- In casu, o extrato de consulta realizada no "CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais"
da demandante, acostado aos autos a fls. 82 (doc. 1665307 – pág. 76), revela a ausência de
vínculos de trabalho e de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social, motivo pelo qual
não cumpriu a carência e não comprovou o requisito da qualidade de segurada.
III- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
IV- O impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho ficou comprovado
pela perícia judicial.
V- Pela análise de todo o conjunto probatório constante dos autos, não ficou demonstrada a
alegada miserabilidade do núcleo familiar da parte autora. Conforme conclusão da assistente
social "a unidade doméstica da periciada, neste momento, possui uma renda familiar modesta,
porém observou-se que a requerente tem conseguido preservar um estilo de vida adequado,
descortinando a inexistência de vulnerabilidade social. Ademais, no curso de nossa intervenção
também pudemos identificar que a unidade doméstica da proponente não apresentou prejuízos
quanto a satisfação de suas necessidades básicas, cuja estratégia de sobrevivência não impôs
arranjos que envolvem sua rede de parentesco a fim de viabilizar a sua existência e a sua
reprodução social em um patamar digno e cidadão."
VI- Há que se observar que a assistência social a ser prestada pelo Poder Público possui caráter
subsidiário, restrita às situações de total impossibilidade de manutenção própria ou por meio da
família, não sendo possível ser utilizado o benefício assistencial como complementação de renda.
VII- Não preenchidos os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por invalidez,
auxílio doença e do benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei
n.º 8.742/93, impõe-se o indeferimento dos pedidos.
VIII- Apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
