Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5293756-47.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 30/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA.
INCAPACIDADE LABORAL PREEXISTENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIOS INDEVIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- São exigidos à concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao
Regime Geral da Previdência Social.
- Não faz jus à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença o segurado que ingressar ao
sistema previdenciário com incapacidade laboral preexistente. Inteligência dos artigos 42, § 2º,
primeira parte e 59, § 1º, ambos da Lei n. 8.213/1991.
- Inversão da sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa,
majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do
CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma
processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Tutela jurídica provisória revogada.
- Apelação da autarquia provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5293756-47.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA FONSECA
Advogado do(a) APELADO: CINTIA RIBEIRO ALBANO DEL BEM - SP289677-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5293756-47.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA FONSECA
Advogado do(a) APELADO: CINTIA RIBEIRO ALBANO DEL BEM - SP289677-N
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença, integrada por embargos declaratórios, que
julgou procedente o pedido de aposentadoria por invalidez, desde a cessação administrativa em
1/6/2017, discriminados os consectários legais, antecipados os efeitos da tutela.
Decisão não submetida ao reexame necessário.
Nas razões de recurso, a autarquia sustenta a preexistência da doença da autora em relação ao
seu ingresso ao sistema previdenciário, a impor a reforma integral do julgado. Subsidiariamente,
impugna o termo inicial, o valor do benefício, a correção monetária, os juros de mora e os
honorários de advogado.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5293756-47.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AUREA FONSECA
Advogado do(a) APELADO: CINTIA RIBEIRO ALBANO DEL BEM - SP289677-N
V O T O
Conheço da apelação, em razão da satisfação de seus requisitos.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade.
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da CF/1988, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n. 20/1998, que tem o seguinte teor:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada (...)”
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da
CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, é devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o
trabalho, de forma omniprofissional, e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade
que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
p. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o
trabalho.
São requisitos para a concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais, quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de
auxílio-doença. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n.
8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza,
ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade, total ou parcial, depende da realização de perícia médica,
por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil. Contudo, o juiz não está
adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais,
profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização são pertinentes a esse tema:
Súmula 33 da TNU: Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a concessão
da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o
termo inicial da concessão do benefício.
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve
analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a
incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de
Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando
não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
No caso dos autos, a perícia médica judicial, realizada no dia 10/6/2019, constatou a
incapacidade laboral total e permanente da autora (nascida em 1953, qualificada no laudo como
faxineira), por ser portadora de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellittus insulino
dependente com complicações neurológicas, síndrome do manguito rotador, gonartrose e
artroses secundárias.
Fixou a data de início da incapacidade em 3/3/2015, de acordo com os documentos que lhe foram
apresentados.
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.
Contudo, a parte autora não faz jus ao benefício por um motivo bastante preciso.
A autora exerceu seu ofício ou suas atividades domésticas na informalidade, sem recolher
contribuições.
Os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) demonstram recolhimentos
somente a partir de julho de 2012, como contribuinte individual, aos 59 (cinquenta e nove) anos e
já sem condições de trabalho.
Ocorre que, não obstante o perito ter fixado a DII em 3/3/2015, apontou doenças degenerativas,
de caráter insidioso, e que permitem concluir que são anteriores à sua filiação ao Sistema
Previdenciário.
Ademais, é evidente que os documentos mais antigos não foram fornecidos ao perito, como
costuma ocorrer em casos como tais.
Por ocasião da perícia médica, a autora declarou:
"Submeteu-se a cirurgia do joelho esquerdo devido a fratura da tíbia há 7 anos, colecistectomia
há 15 anos e cirurgias das mãos e pé esquerdo. Portadora de diabetes há 26 anos."
Observa-se, ainda, o recebimento de auxílio-doença no período de 3/3/2015 a 1/6/2017. Contudo,
a própria autarquia, em posterior avaliação, considerou indevido o benefício, tendo em vista a
constatação de incapacidade laboral em 12/2/2012, ou seja, em momento anterior ao ingresso ao
Sistema Previdenciário (Id. 138260395).
Entendo que se afigura indevida a concessão de benefício nestas circunstâncias, por ter sido
constatada a presença de incapacidade preexistente à filiação.
Não é possível conceder benefício previdenciário a quem se filia à previdência social quando não
mais consegue trabalhar ou mesmo em vias de se tornar inválido.
Infelizmente, esse tipo de artifício - filiar-se o segurado à previdência social quando já
incapacitado - está se tornando comum.
Seja como for, independentemente das conclusões do perito, esse tipo de proceder não pode
contar com a complacência do Poder Judiciário porque implica burla às regras previdenciárias.
In casu, não há dúvidas de que se aplica a esta demanda o disposto no artigo 42, § 2º, da Lei n.
8.213/1991, por tratar-se de incapacidade preexistente.
Nesse sentido estão os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, §
2º, DA LEI Nº 8.213/1991. DOENÇA PREEXISTENTE À FILIAÇÃO AO REGIME GERAL DE
PREVIDÊNCIA SOCIAL. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. Demonstrado nos autos, que a incapacidade laboral é anterior à filiação ao Regime Geral de
Previdência Social, não faz jus o segurado à aposentadoria por invalidez, conforme o artigo 42, §
2º da Lei 8.213/1991.
2. Rever o entendimento do Tribunal de origem quanto a existência da incapacidade laborativa do
autor, antes mesmo de sua filiação junto ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS,
demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência sabidamente incompatível com
a via estreita do recurso especial. (Súmula nº 7/STJ).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no Ag 1329970 / SP AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2010/0132461-4 Relator(a) Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE (1150) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento
17/04/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 31/05/2012)
"PREVIDENCIÁRIO - AGRAVO LEGAL - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - AUXÍLIO
DOENÇA - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADA - OCORRÊNCIA - DOENÇA PRÉ-
EXISTENTE I. Para concessão de aposentadoria por invalidez é necessário comprovar a
condição de segurado, o cumprimento da carência, salvo quando dispensada, e a incapacidade
total e permanente para o trabalho. O auxílio-doença tem os mesmos requisitos, ressalvando-se a
incapacidade, que deve ser total e temporária. II. Considerando que as patologias diagnosticadas
são de caráter crônico e degenerativo, restou evidenciado que, ao ingressar ao Regime Geral da
Previdência Social, na qualidade de contribuinte facultativo, no período de 01/07/2003 a 06/2004,
a autora já estava incapacitada. III. Considerando a data da incapacidade fixada nos autos
(meados de 08/2008), e a última contribuição vertida pela autora (09/06/2004 - 06/2004), teria
sido consumada a perda da qualidade de segurada, conforme disposto no art. 15, II, e §4°, da Lei
8.213/91, uma vez que também não houve o recolhimento das quatro contribuições necessárias,
após tal perda, nos termos do art. 24, par. único, da LBPS. IV. Agravo legal improvido.” (AC -
APELAÇÃO CÍVEL - 1056095 Processo: 0039855-64.2005.4.03.9999 UF: SP Órgão Julgador:
NONA TURMA Data do Julgamento: 03/10/2011 Fonte: DJF3 CJ1 DATA:17/10/2011 Relator:
DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS)
Manifestada a incapacidade prévia à filiação, irrelevante será eventual agravamento do quadro
clínico.
A solidariedade legal tem via dupla: todos devem contribuir para a previdência social, quando
exercem atividade de filiação obrigatória, para que todos os necessitados filiados obtenham a
proteção previdenciária.
Ademais, é importante destacar, quando a parte autora voltou a efetuar recolhimentos à
previdência social, já tinha idade avançada, esta constituindo um dos eventos geradores de
benefício previdenciário, à luz da Constituição Federal (artigo 201, I) e da Lei n. 8.213/1991.
Ocorre que, para perceber aposentadoria por idade, é preciso recolher 180 (cento e oitenta)
contribuições, a teor do disposto no artigo 25, II, da Lei n. 8.213/1991.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na
sentença, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo
estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelação da autarquia para julgar improcedente o pedido.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência
concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA.
INCAPACIDADE LABORAL PREEXISTENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
BENEFÍCIOS INDEVIDOS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- São exigidos à concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não era portador da alegada enfermidade ao filiar-se ao
Regime Geral da Previdência Social.
- Não faz jus à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença o segurado que ingressar ao
sistema previdenciário com incapacidade laboral preexistente. Inteligência dos artigos 42, § 2º,
primeira parte e 59, § 1º, ambos da Lei n. 8.213/1991.
- Inversão da sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e
honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa,
majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do
CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma
processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Tutela jurídica provisória revogada.
- Apelação da autarquia provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
