
| D.E. Publicado em 19/07/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em consonância com o art. 1.013, § 1°, do CPC/2015, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009162-77.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Trata-se de Apelação interposta pela autora Otília Vanceto Cunha Claro (fls. 140-163) em face da r. Sentença (fls. 131-134) que julgou improcedente o pedido de concessão de auxílio doença e/ou aposentadoria por invalidez. Revogou a decisão que antecipou os efeitos da tutela. Condenou a parte autora ao pagamento de multa de 10% sobre o valor atualizado da causa por ter litigado com má fé, nos termos do art. 80, III, do CPC/2015. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios arbitrados em R$ 500,00, nos termos do art. 85, § 8° do CPC/2015, observando que ficará suspensa a exigibilidade, excetuando, porém, a multa pela litigância de má fé.
Em seu recurso, a parte autora pugna, preliminarmente, pelo recebimento da apelação no efeito suspensivo, para fins de manutenção da tutela antecipada. No mérito, requer a reforma da r. sentença, sob fundamento de que os documentos juntados aos autos, a análise da assistente técnica da requerente, bem como a conclusão do perito judicial, comprovam os requisitos legais para fazer jus a concessão da aposentadoria por invalidez. Sucessivamente, pleiteia que seja afastada a litigância de má fé, e a necessidade de devolução dos valores recebidos, por se tratar de verba alimentar.
Subiram os autos a esta E. Corte, sem as contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Inicialmente, observo que a matéria veiculada em preliminar confunde-se com o próprio mérito, pelo que passo à análise da controvérsia.
Cumpre, primeiramente, apresentar o embasamento legal relativo aos benefícios previdenciários concedidos em decorrência de incapacidade para o trabalho.
Nos casos em que está configurada uma incapacidade laboral de índole total e permanente, o segurado faz jus à percepção da aposentadoria por invalidez. Trata-se de benefício previsto nos artigos 42 a 47, todos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Além da incapacidade plena e definitiva, os dispositivos em questão exigem o cumprimento de outros requisitos, quais sejam: a) cumprimento da carência mínima de doze meses para obtenção do benefício, à exceção das hipóteses previstas no artigo 151 da lei em epígrafe; b) qualidade de segurado da Previdência Social à época do início da incapacidade ou, então, a demonstração de que deixou de contribuir ao RGPS em decorrência dos problemas de saúde que o incapacitaram.
É possível, outrossim, que a incapacidade verificada seja de índole temporária e/ou parcial, hipóteses em que descabe a concessão da aposentadoria por invalidez, mas permite seja o autor beneficiado com o auxílio-doença (artigos 59 a 62, todos da Lei nº 8.213/1991). A fruição do benefício em questão perdurará enquanto se mantiver referido quadro incapacitante ou até que o segurado seja reabilitado para exercer outra atividade profissional.
Destacados os artigos que disciplinam os benefícios em epígrafe, passo a analisar a questão dos requisitos mencionados, no caso concreto.
No presente caso, a parte autora comprova a carência de 12 (doze) contribuições mensais, nos termos do disposto no art. 25, inciso I, da Lei nº 8.213, de 24.07.1991.
Evidenciada a carência, o deslinde da controvérsia resume-se no exame da preexistência, ou não, da incapacidade para o trabalho, em relação à sua filiação ao Regime Geral da Previdência Social.
Cabe destacar que apesar de alegado o exercício de trabalho rural, com qualidade de segurada especial, tais alegações restaram não comprovadas, nos moldes da legislação previdenciária.
Neste ponto, cabe ressaltar que o trabalhador rural está dispensado do cumprimento da carência, mas deve comprovar o exercício de atividade rural:
O Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a comprovação da atividade rural requer a existência de início de prova material, a qual poderá ser corroborada com a prova testemunhal, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário."
Vale observar que a requerente é moradora de zona urbana (fls. 02 e 15) e não demonstrou residência em área rural, em nenhum período, fazendo parte da força de trabalho, indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/1991).
Ademais, observo que a requerente não comprovou também atividade rural como boia fria, cuja comprovação é realizada de forma similar à trabalhadora rural em regime de economia familiar, em razão da informalidade da prestação laboral, e em consonância com o entendimento das Cortes Superiores.
Desse modo, seria necessário a apresentação de início de prova material correspondente a pelo menos parte do período controverso, nos termos do REsp n° 1.321.493-PR, recebido pela C. Corte STJ, como recurso representativo de controvérsia, que permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material em relação ao trabalhador rural, na modalidade boia fria, e a produção de prova testemunhal hábil a demonstrar o efetivo labor rural no período controverso, não sendo afastada a aplicação da Súmula 149 do STJ ao trabalhadores rurais na qualidade de boia fria/diarista, nos termos do referido representativo de controvérsia. Portanto, não havendo início de prova material tendente à comprovação do alegado labor rural, não há que se falar em qualidade de segurada especial.
Quanto à incapacidade profissional, o laudo pericial (fls. 49-54) afirma que a parte autora, com 78 anos de idade, é portadora de doença degenerativa e evolutiva que, além da idade da requerente, torna sua patologia limitante. Assim, após exame clínico criterioso e análise da documentação juntada aos autos, o perito judicial concluiu que seu quadro clínico a torna inapta de forma total e definitiva aos afazeres, fixando a data de início da incapacidade em 07.2011.
No presente caso, contudo, embora haja a constatação do perito judicial quanto à incapacidade laborativa da autora, não julgo ser este o melhor entendimento, ao analisar o quadro clínico da autora (doenças degenerativas, evolutivas, de longa evolução e idade avançada), e seu comportamento perante a Previdência Social.
Nesse sentido, verifico que, sem jamais ter contribuído para a Previdência, ingressou no RGPS somente em 05.2010, aos 76 anos (data de nascimento: 23.08.1933 - fl. 14), recolhendo um pouco mais do que as doze contribuições previdenciárias necessárias para a concessão dos benefícios por incapacidade, como facultativa, no período de 05.2010 a 06.2011. Observo de tal comportamento, o nítido intuito de adquirir a condição de segurada e cumprir a carência, para o fim de requerer o benefício por incapacidade laborativa junto à Autarquia, ressaltando-se que o requerimento foi protocolado em 19.07.2011 (fl. 32).
Ademais, conforme já apontado, não se torna crível que suas doenças, que possuem caráter evolutivo, insidioso e degenerativo, tenham evoluído para um quadro incapacitante, exatamente no momento em que ingressou no RGPS, pela primeira vez em toda sua vida, provocando-lhe incapacidade para o trabalho.
O comportamento da parte autora evidencia, portanto, que permaneceu distante da Previdência Social, que possui caráter contributivo, ao longo de toda sua vida produtiva, visto que ingressou ao sistema previdenciário somente aos 76 anos de idade, contribuindo por pouco mais de doze meses, para poder pleitear benefício por incapacidade laborativa, mas já sendo portadora de graves enfermidades, não sendo crível que pudesse realizar esforços físicos, sempre exigidos nas atividades que declarou exercer, diante do quadro clínico que apresenta.
Na verdade, o que se observa é que a petição inicial não descreve exatamente a origem das doenças, e houve juntada de exames e relatórios médicos atrelados à época de contribuição previdenciária, havendo omissão proposital, com o fim de ludibriar o juízo.
Contudo, analisando-se os documentos juntados aos autos, constata-se a evidência de que a incapacidade laborativa, decorrente de sua patologia, advém de momento anterior ao ingresso ao RGPS.
Neste ponto, cabe destacar o relatório médico da própria assistente técnica da requerente, Dra. Maria Carolina M. A. Gouveia, com data de 30.01.2012 (fls. 20-22) que informa que a patologia "lombalgia bilateral, pior à esquerda, irradia para face posterior do membro inferior esquerdo, de longa data, mais intensa há um ano; nega paresia ou parestesia", ou seja, mais intensa em pelo menos 01.2011, quando não havia ainda cumprido a carência necessária para a concessão dos benefícios pleiteados.
Acrescente-se que a própria assistente técnica da requerente constata que a incapacidade laborativa da parte autora decorre da condição bioergonômica inerente à sua profissão, sua faixa etária e a natureza de suas patologias (fl. 22), restando demonstrado que tal incapacidade não foi originada apenas pela patologia do ombro, como alega a parte autora. Frise- se, ainda, que a perita assistente técnica da requerente fixa a data da incapacidade em relação à patologia no ombro direito em 10.2011, embasada no resultado do exame de ultrassonografia apresentado pela autora, contudo, destaca que "a mesma constatação não pode ser aplicada à patologia em coluna vertebral" (fl. 22).
Ademais, cabe observar que a parte autora anexou aos autos relatórios médicos que não indicam o histórico e/ou evolução, tampouco a gravidade das doenças.
Nesse sentido, cabe destacar que na perícia judicial não foram apresentados exames complementares pela parte autora, anteriores à data atrelada à contribuição previdenciária, de forma a possibilitar a efetiva análise da evolução da patologia pelo perito judicial. Portanto, reputo que não houve embasamento para o perito judicial, a despeito dos especiais conhecimentos, ter fixado a data de início da incapacidade em 07.2011.
Importante frisar que, nos termos do art. 479 do CPC/2015 (art. 436 do CPC/1973), o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.
Forçoso reconhecer que, em matéria de benefício previdenciário por incapacidade a prova pericial assume grande relevância na decisão, contudo o laudo pericial não vincula o Juiz, ainda mais, quando os documentos juntados aos autos não se coadunam com a realidade fática demonstrada.
Apesar de não haver exigência de idade mínima para o ingresso ao Regime Geral de Previdência Social, o fato de ter ingressado no sistema de seguros do INSS, já com idade tão avançada (76 anos), demonstra que os males evidenciados pelo laudo, certamente acometem pessoas, nessa faixa etária, do que se reputa, que a incapacidade constatada pelo jurisperito, é, de fato, anterior ao ingresso ao RGPS.
Noto, assim, que sua incapacidade para o trabalho advém de momento anterior ao ingresso ao RGPS, que possui caráter contributivo. Não se trata, portanto, de agravamento posterior ao ingresso à Previdência Social, ocorrido em 05.2010 (pesquisa CNIS), mas sim, trata-se de incapacidade laborativa preexistente, inviabilizando a concessão dos benefícios pleiteados.
Sendo assim, não basta a prova de ter contribuído em determinada época ao RGPS. Há que se demonstrar a não existência da incapacidade laborativa, quando se filiou ou retornou à Previdência Social.
Destarte, forçoso reconhecer que a parte autora se enquadra na hipótese de incapacidade preexistente ao ingresso ao RGPS (art. 42, da Lei nº 8.213/1991).
Dessa forma, diante da ausência de preenchimento dos requisitos necessários, incabível a concessão dos benefícios em questão.
Nesse sentido é a orientação desta Eg. Corte:
O entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1401560/MT, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que os valores recebidos em razão da decisão que antecipou a tutela jurisdicional devem ser devolvidos, se tal decisão for revogada.
Afasto a decretação de litigância de má fé, com a penalidade imposta no dever de pagar multa de 10% sobre o valor atualizado da causa, determinada pelo juízo a quo, considerando que à parte é oportunizado buscar a positivação do direito que entende ser devida, tudo, acrescente-se, em obséquio do direito a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República. Verifica-se que a litigância de má-fé foi presumida pelo juízo a quo, não sendo justo se exigir de uma idosa, atualmente com 83 anos, os conhecimentos específicos a respeito da preexistência da sua incapacidade laborativa e a impossibilidade de ser-lhe concedido benefício por incapacidade, nos termos da legislação de regência, a despeito de ter recolhido contribuições previdenciárias objetivando tal fim.
Destarte, não vejo demonstrados os elementos a caracterizar o dolo e as condutas descritas no artigo 80, III, do CPC/2015, de modo a justificar a imposição da penalidade, notadamente levando-se em conta as características pessoais da parte autora.
Desse modo, não prospera os argumentos expendidos na r. sentença, não havendo, portanto, embasamento para a decretação do referido instituto processual.
Nesse sentido destaco precedente desta Corte:
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, devendo-se observar o disposto no artigo 98, § 3°, do CPC/2015.
Nesse sentido, é o julgado da Suprema Corte abaixo transcrito:
Posto isto, em consonância com o art. 1.013, § 1°, do CPC/2015, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da parte autora, nos termos expendidos na fundamentação.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 05/07/2017 16:13:50 |
