
| D.E. Publicado em 18/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017548-33.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Trata-se de Apelação interposta pela autarquia, em face da Sentença (30.09.2015), que julgou procedente o pedido para condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, desde a data do laudo pericial, sendo que as parcelas em atraso devem ser pagas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora legais. Condenou a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença. Tutela Antecipada concedida. Sentença não submetida ao reexame necessário.
Em seu recurso, a autarquia, preliminarmente, requer o conhecimento do reexame necessário e a suspensão da antecipação dos efeitos da tutela. No mérito, pugna pela reforma da decisão recorrida, sob a alegação de que não restou demonstrada a qualidade de segurada especial da autora, e a incapacidade para a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez. Subsidiariamente, requer a alteração do termo inicial e redução da verba honorária. Alega, também, quanto aos critérios de aplicação da correção monetária que não levou em conta os índices previstos na Lei n.º 11.960/2009, considerando a decisão de modulação dos efeitos nas ADIs 4357 e 4425. Apresenta prequestionamento da matéria para fins recursais.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Do reexame necessário
Conforme Enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis n° 311: "A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da prolação da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 CPC/1973" (Grupo: Direito Intertemporal e disposições finais e transitórias).
Pela análise dos autos, considerados o valor do benefício e o tempo decorrido para sua obtenção (fls. 64-66 e 85), o direito controvertido foi inferior ao patamar fixado no art. 475, parágrafo 2º, do CPC/1973, de 60 salários mínimos, razão pela qual não há que se falar em remessa necessária.
Nestes termos, não conheço da remessa oficial, visto que estão sujeitas ao reexame necessário as sentenças em que o valor da condenação e o direito controvertido excedam a 60 (sessenta) salários mínimos, nos termos do parágrafo 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973, com a redação dada pela Lei nº 10.352/2001.
Desse modo, pelas razões apontadas acima, REJEITO a preliminar suscitada pela Autarquia federal.
No tocante à preliminar de revogação da antecipação dos efeitos da tutela, observo que será analisada com o mérito, pois com este se confunde.
Passo à análise do mérito.
Cumpre apresentar o embasamento legal relativo aos benefícios previdenciários concedidos em decorrência de incapacidade para o trabalho.
Nos casos em que está configurada uma incapacidade laboral de índole total e permanente, o segurado faz jus à percepção da aposentadoria por invalidez. Trata-se de benefício previsto nos artigos 42 a 47, todos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Além da incapacidade plena e definitiva, os dispositivos em questão exigem o cumprimento de outros requisitos, quais sejam: a) cumprimento da carência mínima de doze meses para obtenção do benefício, à exceção das hipóteses previstas no artigo 151 da lei em epígrafe; b) qualidade de segurado da Previdência Social à época do início da incapacidade ou, então, a demonstração de que deixou de contribuir ao RGPS em decorrência dos problemas de saúde que o incapacitaram.
É possível, outrossim, que a incapacidade verificada seja de índole temporária e/ou parcial, hipóteses em que descabe a concessão da aposentadoria por invalidez, mas permite seja o autor beneficiado com o auxílio-doença (artigos 59 a 62, todos da Lei nº 8.213/1991). A fruição do benefício em questão perdurará enquanto se mantiver referido quadro incapacitante ou até que o segurado seja reabilitado para exercer outra atividade profissional.
Destacados os artigos que disciplinam os benefícios em epígrafe, passo a analisar o caso concreto.
Cabe examinar a carência e qualidade de segurada especial, ou não, na data fixada como início da incapacidade para o trabalho pelo juízo a quo, no caso, a data do laudo pericial (22.05.2014 - fls. 49 e 64).
Neste ponto, vale ressaltar que o trabalhador rural está dispensado do cumprimento da carência, mas deve comprovar o exercício de atividade rural:
O Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a comprovação da atividade rural requer a existência de início de prova material, a qual poderá ser corroborada com a prova testemunhal, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário."
Por outro lado, o próprio Superior Tribunal de Justiça entende não ser imprescindível que a prova material abranja todo o período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, desde que a prova testemunhal amplie a sua eficácia, permitindo sua vinculação ao tempo de carência.
Nesse sentido:
Ademais, tendo em vista, o julgamento do Recurso Especial n.º 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível a admissão de tempo de serviço rural anterior à prova documental, desde que corroborado por prova testemunhal idônea. Desse modo, houve a relativização da contemporaneidade dos documentos apresentados para comprovação de exercício de atividade rural.
Acrescente-se, conforme entendimento sedimentado no julgamento do REsp n° 1.321.493-PR, recebido pela C. Corte STJ, como recurso representativo de controvérsia, a possibilidade de se permitir maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material em relação ao trabalhador rural, na modalidade boia fria, ressaltando-se, contudo, que a despeito de ser permitida maior flexibilidade, há a exigência de que a prova material apresentada abranja pelo menos parte do período controverso, não afastando a aplicação da Súmula 149 do STJ ao trabalhadores rurais na qualidade de boia fria/diarista.
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho constitui início de prova material, pois o C. STJ pacificou entendimento no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil.
Quanto ao tempo de serviço rural, posterior à vigência da Lei n° 8.213/91, na qualidade de pequeno produtor rural, observa-se a regra do art. 39 do referido diploma:
Cabe ressaltar que a despeito do trabalhador rural, na modalidade boia fria, ser enquadrado como contribuinte individual, nos termos do art. 11, V, alínea "g", da Lei de Benefícios, em razão da informalidade da prestação laboral, e em consonância com o entendimento das Cortes Superiores, exige-se a comprovação do labor rural, de forma equiparada ao segurado especial, em regime de economia familiar.
Pelo que se infere dos autos, a autora alega que durante toda a sua vida exerceu atividade rural para terceiros, na qualidade de diarista e/ou boia fria, e em regime de economia familiar, devendo comprovar o exercício de atividade rural no período de carência do benefício pleiteado.
Contudo, verifico não comprovada tal alegação.
Para a comprovação do efetivo trabalho agrícola, no período da carência, a autora juntou documentos correspondentes aos anos de 1969 (Certidão de casamento, na qual consta a profissão do esposo da autora como operário - fl. 10) e de 2007 (Certidão de Registro de imóveis, que informa que, a pedido feito verbalmente por pessoa interessada, consta o registro de escritura pública de venda de área rural de cinco alqueires paulistas mais ou menos, datado de 01.11.1966, contendo duas casas de tijolos e outras benfeitorias, na Fazenda Farelo ou Campo Alegre, a Domicio José Ferreira, de profissão lavrador - fl. 08).
Neste ponto, vale destacar que a certidão de casamento da parte autora (1969 - fl. 10) não serve para comprovar seu alegado labor rural, pois, em data muito longínqua da data do início da incapacidade laborativa fixada pelo juízo a quo (data do laudo: 22.05.2014 - fls. 49 e 64). Ademais cabe observar que a profissão do esposo da autora indicada na referida certidão de casamento é de operário, sendo tal situação corroborada pelo CNIS (fl. 59), que demonstra atividades urbanas desenvolvidas pelo esposo da requerente no período de 1977 a 2005.
A Certidão de Registro de Imóveis, com data de 29.08.2007 (fl. 08), também não serve para comprovar o alegado labor rural, considerando que consta o registro de escritura pública de venda de área rural de cinco alqueires paulistas mais ou menos, datado de 01.11.1966, contendo duas casas de tijolos e outras benfeitorias, na Fazenda Farelo ou Campo Alegre, a Domicio José Ferreira, de profissão lavrador. Neste ponto, cabe ressaltar que o mencionado título está em nome do sogro da requerente (fl. 10), bem como vale salientar a informação de que não constam anotações sobre registros de eventuais alienações com origem na transcrição do referido imóvel, ou de hipotecas, ou outros direitos reais de garantia sobre o imóvel objeto, continuando lançado livre e desembaraçado de quaisquer ônus em nome do adquirente.
Tal situação fática contraria a alegação da parte autora no sentido de que a partir de 1997 o esposo recebeu uma herança em virtude do falecimento da mãe, cabendo a cada herdeiro parte do denominado Sítio Santa Angelina, de modo que passou a trabalhar em regime de economia familiar a partir da mencionada data (1997) até não conseguir mais, em razão da sua limitação física (fls. 02-03).
Ressalte-se que não houve juntada de nenhum documento para comprovação do recebimento da alegada herança pelo esposo da autora, os nomes da zona rural nas quais afirma o exercício de labor rural em regime de economia familiar são contraditórios (Fazenda Farelo ou Campo Alegre na Certidão - fl. 08, e Sítio Santa Angelina, segundo a autora - fl. 02), bem como a referida certidão informa que até a data de 29.08.2007 não constam anotações sobre registros de eventuais alienações com origem na transcrição do referido imóvel, ou de hipotecas, ou outros direitos reais de garantia sobre o imóvel objeto, continuando lançado livre e desembaraçado de quaisquer ônus em nome do adquirente (o sogro).
Acrescente-se que o endereço indicado pela parte autora na exordial, procuração e declaração de pobreza é na chácara São Jose (fls. 02 e 05-06) e, conforme já fundamentado, o esposo da autora demostra o exercício de atividades urbanas no interregno de 06.1977 a 05.2005 (fl. 59).
Frise-se que não há um único documento comprobatório do alegado labor rural, na qualidade de diarista e/ou boia fria, ou em regime de economia familiar, no período controverso.
Portanto, não havendo início de prova material, não é admitida prova exclusivamente testemunhal, a teor da Súmula 149 do STJ.
Neste ponto, vale destacar que na fase de instrução probatória a parte autora não reiterou o pedido para oitiva de testemunhas, apenas manifestando-se sobre o laudo pericial (fls. 34-35 e 50-51), de modo que ocorreu a preclusão consumativa, nos termos do art. 245 do CPC/1973 (art. 278 do CPC/2015).
Cabe esclarecer que não se tratando de direito indisponível, não cabia ao juiz singular a determinação de prova testemunhal de ofício, sob pena de violar a necessária imparcialidade em relação às partes. Ainda sob o império do CPC/1973, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery já advertiam que o poder instrutório (agir de ofício) deve sempre garantir a igualdade de tratamento às partes (CPC comentado, Revista dos Tribunais, 14. ed., 2014, p. 488). Assim, o poder de agir de ofício não se confunde com o conhecimento de matérias a cujo respeito a lei exija a iniciativa da parte. Portanto, não é sobre qualquer matéria ou prova que o juiz tem o poder de ofício. Na verdade, o poder de ofício diz respeito, primordialmente, aos direitos indisponíveis, conforme já assentado, ressaltando-se que do contrário o juiz jamais poderá julgar o mérito sob o fundamento de que a parte não provou, como lhe incumbia, o fato constitutivo do direito alegado (art. 333, I, do CPC/1973 - art. 373, I, do CPC/2015) ou o fato desconstitutivo (art. 333, II, do CPC/1973 - art. 373, II, do CPC/2015).
Assim, o conjunto probatório dos autos não é suficiente para demonstrar que a autora faz jus ao benefício pleiteado, visto que não comprovada a qualidade de segurada especial, exercendo atividade rural, na qualidade de diarista/boia fria, ou em regime de economia familiar, restando não preenchidos os requisitos legais, no caso a carência e a qualidade de segurada especial.
Não havendo o preenchimento do requisito legal qualidade de segurada, prescindível a análise dos demais requisitos. Desse modo, merece reforma a r. sentença.
Assim, diante da ausência de preenchimento dos requisitos necessários, incabível a concessão do benefício em questão.
Nesse sentido é a orientação desta Eg. Corte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. JULGAMENTO DE APELAÇÃO PELO ART. 557 DO CPC. POSSIBILIDADE. AUXÍLIO DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DESPROVIMENTO. 1. O ordenamento jurídico pátrio prevê expressamente a possibilidade de julgamento da apelação pelo permissivo do Art. 557, caput e § 1º-A do CPC, nas hipóteses previstas pelo legislador. O recurso pode ser manifestamente improcedente ou inadmissível mesmo sem estar em confronto com súmula ou jurisprudência dominante, a teor do disposto no caput, do Art. 557 do CPC, sendo pacífica a jurisprudência do STJ a esse respeito. 2. Ausente a manutenção da qualidade de segurado, pois se observa do conjunto probatório que não restou estabelecida a data exata do início da incapacidade, sendo que, à época do parecer pericial, momento em que a ausência de aptidão tornou-se inquestionável, o autor já não mais se revestia do atributo de segurado. 3. A parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado. 4. Recurso desprovido. (AC 2010.03.99.036233-7, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 CJ1 09.03.2011)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADA. CARÊNCIA. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. IMPROCEDÊNCIA. I. A requerente juntou aos autos a sua CTPS, com registro de trabalho doméstico e como auxiliar de cozinha, buscando comprovar o restante do lapso temporal exigido pela lei através de prova testemunhal. II. É inviável o reconhecimento, para efeitos de carência, do labor doméstico da parte autora, sem registro em CTPS, uma vez que a mesma não apresentou início de prova material respeitante ao período posterior à vigência da Lei nº 5.859/72 e, portanto, o conjunto probatório revela-se frágil. III. A prova testemunhal, isoladamente, não é suficiente para comprovar o tempo de serviço trabalhado pela autora como empregada doméstica, sem registro em Carteira de Trabalho. IV. A parte autora não logrou êxito quanto à comprovação da carência, que corresponde a 12 (doze) meses de contribuição, bem como perdeu a qualidade de segurada, tendo em vista que ingressou com a presente ação em 30-01-2007 e o último registro em CTPS consta data de saída em 12-02-1979. V. Não estando presentes os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, em face da ausência de comprovação do período de carência e da perda da qualidade de segurado, deve a demanda ser julgada improcedente. VI. Agravo a que se nega provimento. (AC 2008.03.99.052067-2, Rel. Des. Fed. Walter do Amaral, DJF3 CJ1 de 14.07.2010).
O entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1401560/MT, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que os valores recebidos em razão da decisão que antecipou a tutela jurisdicional devem ser devolvidos, se tal decisão for revogada.
Observo que em razão do provimento ao recurso da parte ré, no sentido de não ser possível a concessão judicial do benefício de aposentadoria por invalidez no período estabelecido na r. sentença, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais, prejudicada a análise das demais questões impugnadas pela Autarquia federal.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, devendo-se observar o disposto no artigo 98, § 3°, do CPC/2015.
Posto isto, em consonância com o art. 515, § 1°, do CPC/1973, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Autárquica, nos termos expendidos na fundamentação.
Oficie-se o INSS no tocante a revogação da tutela antecipada.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 03/10/2017 17:28:41 |
