Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6138775-77.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA.
PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE. LAUDO REALIZADO POR FISIOTERAPEUTA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À VARA DE
ORIGEM.
- Para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, faz-se necessária a
comprovação da incapacidade laborativa da parte autora, a qual poderia ter sido verificada por
meio de perícia médica, uma vez que os documentos acostados à inicial não se prestam a este
fim.
-Por força do princípio de forma, o laudo elaborado por fisioterapeuta não tem o condão de
suplantar o de perito médico.
- O julgamento de mérito sem a elaboração de prova indispensável para a apreciação do
pretendido direito não satisfaz legalmente às exigências do devido processo legal.
- Inequívoco o prejuízo aos fins de justiça do processo, por evidente cerceamento do direito
constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
- Apelação provida. Sentença anulada para determinar o retorno dos autos à Vara de Origem, a
fim de que seja realizada perícia médica e novo julgamento.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6138775-77.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARTA RAMOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: RODOLFO DE ARAUJO SOUZA - SP237674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6138775-77.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARTA RAMOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: RODOLFO DE ARAUJO SOUZA - SP237674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de apelação interposta pela
parte autora em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por
invalidez ou auxílio-doença,condenando-a ao pagamento deverba honorária, observada a
gratuidade de justiça.
Nas razões de apelação, a parte autora requer a reforma do julgado, sob a alegação de que todos
os requisitos necessários à obtenção do benefício pretendido foram satisfeitos. Senão, pede a
anulação da sentença, por ter sido realizada a perícia por fisioterapeuta.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6138775-77.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARTA RAMOS NOGUEIRA
Advogado do(a) APELANTE: RODOLFO DE ARAUJO SOUZA - SP237674-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: o recurso atende aos pressupostos de
admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade.
A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), com a
redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, que tem o seguinte teor:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da
CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, segundo a dicção do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, é devida ao
segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o
trabalho, de forma omniprofissional, e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade
que lhe garanta a subsistência.
O auxílio-doença é devido a quem ficar temporariamente incapacitado, à luz do disposto no artigo
59 da mesma lei, mas a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas
para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social,
Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005,
p. 128).
Assim, o evento determinante para a concessão desses benefícios é a incapacidade para o
trabalho.
São requisitos para a concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de doze
contribuições mensais, quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e
insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (
aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária (auxílio-doença), bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez ou de
auxílio-doença. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n.
8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza,
ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade, total ou parcial, depende da realização de perícia médica,
por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil. Contudo, o juiz não está
adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais,
profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 33 da TNU: Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para a concessão
da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o
termo inicial da concessão do benefício.
Súmula 47 da TNU: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve
analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
Súmula 53 da TNU: Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a
incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de
Previdência Social.
Súmula 77 da TNU: O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando
não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.
Todavia, para aferição do preenchimento do requisito da incapacidade, careceriam estes autos da
devida instrução em primeira instância, a qual não ocorreu, pois a sentença apreciou o pedido
posto na inicial sem a elaboração de perícia por médico, cuja ausência conduz à nulidade do
feito, por cerceamento de defesa.
No caso dos autos, o laudo pericial, elaborado por fisioterapeuta, concluiu pela existência de
ausência de incapacidade para o trabalho.
Contudo, por força do princípio de forma, o laudo elaborado por fisioterapeuta não tem o condão
de suplantar o de perito médico.
Isso porque, embora o fisioterapeuta possa informar quais são as restrições motoras da parte
autora, não tem ele habilitação para diagnosticar suas origens patológicas e, consequentemente,
estabelecer o nexo de causalidade entre a possível enfermidade e a incapacidade apresentada.
Exerce sua atividade orientado por médico, preferencialmente por um fisiatra.
A CF/1988, em seu artigo 201, inciso I, de forma seletiva, incumbiu à Previdência Social a
cobertura das incapacidades decorrentes de eventos de doença e invalidez.
Nesses termos, a habilitação para diagnosticar a causa da incapacidade, diferenciando-a de
outros fatores sociais com os quais não guarda qualquer ligação, é indispensável para aferir se a
proteção previdenciária conferida está em consonância com os ditames da CF/1988.
Por outro lado, não se pode olvidar a dificuldade dos magistrados de pequenas comarcas em
encontrar peritos especializados no tema em discussão, cujo problema ultrapassa a questão
jurisdicional e está atrelada à própria lei de oferta e procura do mercado.
Com efeito, os profissionais especializados, atraídos pelas melhores condições de remuneração e
de infraestrutura, acabam por se instalar nos grandes centros urbanos, o que resulta em
escassez de peritos habilitados nas pequenas cidades do interior.
Atenta a esta realidade e ao fato de que todos os profissionais da medicina, especialmente os
clínicos gerais, estão habilitados para realizar exames periciais segundo a legislação de regência
que regulamenta o exercício da profissão, a jurisprudência tem-se inclinado pela dispensabilidade
da realização do laudo por médico especialista.
Nesse sentido, cito o seguinte julgado:
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE
PROVA PERICIAL POR MÉDICO ESPECIALISTA NÃO COMPROVADA. CARÊNCIA.
COMPROVAÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL
INEXISTENTE. ANÁLISE DO PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. NECESSIDADE. APELO IMPROVIDO. I - Não há que
se falar em realização de perícia médica por especialista na mesma doença anteriormente
diagnosticada, o que implicaria em negar vigência à legislação que regulamenta a profissão de
médico, que não exige especialização do profissional da medicina para o diagnóstico de doenças
ou para a realização de perícias. II - As consultas ao Cadastro Nacional de Informações Sociais -
CNIS e ao Sistema Único de Benefícios - DATAPREV comprovam o preenchimento da carência
exigida por Lei e da qualidade de segurado no momento do ajuizamento da ação. III - O expert
apontou a aptidão para o trabalho habitual do autor, o que inviabiliza a concessão do auxílio-
doença. IV - Apelo improvido." (TRF 3ª Região - Proc. nº. 2007.61.08.005622-9 - 9ª Turma - rel.
Des. Fed. Marisa Santos - DJF3 CJ1 05/11/2009, p. 1211)
É notório que o médico mais afeto à área do mal alegado, ou à outra assemelhada, terá mais
condições de esclarecer possíveis dúvidas que possam surgir no curso de processo, devido ao
conhecimento profissional acumulado em relação à matéria controvertida; contudo, a
impossibilidade da nomeação de um especialista na matéria não pode inviabilizar o regular
desenvolvimento do processo.
Destarte, para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, faz-se necessária
a comprovação da incapacidade laborativa da parte autora, a qual poderia ter sido verificada por
meio de perícia médica, uma vez que os documentos acostados à inicial não se prestam a este
fim.
Entendo que somente seria aceitável a dispensa da perícia médica, caso esta não se mostrasse
relevante à formação da convicção e ao deslinde da causa. Nesse sentido, preceitua o artigo 370
do CPC: "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias
ao julgamento do mérito".
Cumpre ressaltar que o julgamento de mérito sem a elaboração de prova indispensável para a
apreciação do pretendido direito não satisfaz legalmente às exigências do devido processo legal.
Assim, restou inequívoco o prejuízo aos fins de justiça do processo, por evidente cerceamento do
direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa. (Precedentes: TRF da 3ª Região - AC n.
1.076.877, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Diva Malerbi, DJF3 16/7/2008; TRF da 1ª Região - AC n.
2002.51.01.507909-6 - Primeira Turma Especializada - Rel. Des. Fed. Márcia Helena Nunes -
DJU 28/9/2006, p. 446; TRF da 4ª Região - AC n. 95.04.026370, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Silvia
Maria Gonçalves Goraieb, DJU 22/11/1995, p. 80.975).
Dessa forma, obstada a perícia médica por profissional habilitado, a anulação da sentença por
cerceamento à defesa é medida que se impõe.
Diante do exposto, dou provimento à apelaçãopara anular a sentença e determinar o retorno dos
autos à Vara de Origem para propiciar às partes perícia médica e novo julgamento.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA.
PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE. LAUDO REALIZADO POR FISIOTERAPEUTA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À VARA DE
ORIGEM.
- Para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, faz-se necessária a
comprovação da incapacidade laborativa da parte autora, a qual poderia ter sido verificada por
meio de perícia médica, uma vez que os documentos acostados à inicial não se prestam a este
fim.
-Por força do princípio de forma, o laudo elaborado por fisioterapeuta não tem o condão de
suplantar o de perito médico.
- O julgamento de mérito sem a elaboração de prova indispensável para a apreciação do
pretendido direito não satisfaz legalmente às exigências do devido processo legal.
- Inequívoco o prejuízo aos fins de justiça do processo, por evidente cerceamento do direito
constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
- Apelação provida. Sentença anulada para determinar o retorno dos autos à Vara de Origem, a
fim de que seja realizada perícia médica e novo julgamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para anular a sentença e determinar o retorno
dos autos à Vara de Origem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
