
| D.E. Publicado em 18/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0006340-52.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Trata-se de Apelação interposta pela autarquia, em face da Sentença (15.05.2015), que julgou procedente o pedido, para condenar o INSS a conceder o benefício aposentadoria por invalidez, da data da cessação indevida (07.01.2014 - fl. 45), sendo que as parcelas em atraso devem ser pagas corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora legais. Condenou a autarquia, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da Sentença, nos termos da Súmula n.º 111 do STJ. Sentença submetida ao reexame necessário. Tutela Antecipada concedida.
Em seu recurso, a autarquia alega, inicialmente, nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa, em razão de necessidade de complementação da perícia ou mesmo uma nova perícia. No mais, pugna pela reforma da decisão recorrida, sob a alegação de que não restou demonstrada a incapacidade, diante do laudo pericial insuficiente e contraditório. Requer que o presente recurso seja recebido no efeito suspensivo e que seja revogada a tutela antecipada concedida.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Conforme Enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis n° 311: "A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da prolação da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 CPC/1973" (Grupo: Direito Intertemporal e disposições finais e transitórias).
Pela análise dos autos, o direito controvertido (fls. 90-91 e 120) foi inferior ao patamar fixado no art. 475, parágrafo 2º, do CPC/1973, de 60 salários mínimos, razão pela qual não há que se falar em remessa necessária.
Passo à análise das preliminares suscitadas pela Autarquia federal.
A alegação referente à necessidade de o recurso ser recebido também no efeito suspensivo, com a consequente revogação da antecipação dos efeitos da tutela, será analisada conjuntamente com a preliminar de cerceamento de defesa, pois com esta se confunde.
A Autarquia federal alega cerceamento de defesa em razão de não ter sido atendido pelo juízo a quo o requerimento de realização de perícia complementar para esclarecimentos da conclusão pericial (fls. 86-v°), ressaltando que o laudo pericial gera dúvidas quanto à incapacidade laborativa da parte autora. Destaca que a conclusão pericial diverge do exame psíquico relatado no corpo do referido laudo médico.
Observo que o juízo a quo julgou procedente a ação para concessão de aposentadoria por invalidez, embasado no laudo pericial, salientando na r. Sentença que "destaco que o laudo pericial foi claro em suas conclusões, afirmando que o autor possui incapacidade total e definitiva para atividades laborativas, tendo em vista que os sintomas interferem em todas as suas funções mentais e são altamente incapacitantes, por ser portador de esquizofrenia " (fls. 89-90).
Todavia, analisando o laudo pericial (fls. 74-78) observo incongruências e inconsistências que merecem esclarecimentos.
Nesse ponto, vale ressaltar que a parte autora em sua exordial alega que foi proposta Ação de Interdição pelo pai do requerente perante a 1ª Vara Cível da Comarca de José Bonifácio/SP (Processo n° 23/2013), juntando aos autos o laudo pericial realizado em 25.07.2013 naquele processo (fls. 26-31), no qual foi constatado pelo jurisperito que o autor não apresentava qualquer capacidade para, por si só, gerir sua própria pessoa ou administrar seus bens (fl. 30). Contudo, há informação no referido laudo da necessidade de readequação da terapêutica medicamentosa a que se submete o autor para melhor controle de sua doença psiquiátrica (fl. 30), o que corrobora o entendimento de que há possibilidade do controle da doença, de forma a afastar a decretação de incapacidade permanente atestada pelo referido jurisperito. Ademais, frise-se que não houve a juntada aos autos da sentença do mencionado processo, bem como de qualquer documento (nomeação de curador provisório e/ou definitivo) que comprovasse a efetiva interdição.
Acrescente-se no que se refere ao conteúdo do laudo pericial nos presentes autos (fls. 74-78), que o expert não respondeu de forma conclusiva e convincente todos os quesitos elaborados pela Autarquia federal, sendo demasiadamente sucintas as suas respostas, genéricas e, de certo modo, contraditórias. Destaco que não há referência suficiente quanto à possibilidade de tratamento hábil que viabilize o retorno do segurado ao mercado de trabalho, bem como em relação às limitações que acarretam ao desempenho do seu labor habitual e/ou à possibilidade do exercício de outra função laboral, sendo essas informações imprescindíveis para a formação do convencimento do julgador.
Vale salientar que na perícia judicial realizada em 13.12.2014 (fl. 74) a parte autora apresentou atestados médicos com datas de 14.07.2010, 17.02.2014 e 15.05.2014 (fl. 74), mesmos documentos juntados às fls. 20, 33 e 55 dos autos, com o acréscimo do relatório médico com data de 14.08.2014.
Ademais, verifico que no corpo do laudo pericial a jurisperita afirma, segundo relato do próprio autor, que o periciando está sem trabalhar desde 2012 (versão do autor - fl. 75), que "agora faz o tratamento adequadamente, como orientado, encontra-se bem, há dois anos não tem mais alucinações auditivas"(fl. 75). Além do mais, ao exame psíquico a jurisperita atesta que "o periciando apresentou-se trajado adequadamente para a situação, em boas condições de higiene, mostrou-se tranquilo, eutímico, não apresentou alterações de memória, orientado no tempo, orientado no espaço, seu pensamento tem conteúdo curso e fluxo normais, descreve atividade delirante e alucinatória sempre que tenta interromper os medicamentos" (fl. 76).
Todavia, a conclusão pericial foi no sentido de que "o periciando é portador de esquizofrenia paranoide, estando total e definitivamente incapaz para o trabalho desde maio de 2012". Frise-se que não houve embasamento documental para a fixação da data do início da incapacidade laborativa, apoiando-se a jurisperita no relato do próprio autor (versão do autor e antecedentes pessoais - fl. 75). Acrescente-se que o laudo pericial não apresenta respostas convincentes aos quesitos do INSS, destacando-se o de n° 05 (fl. 77), no qual afirma que os sintomas são altamente incapacitantes. Contudo, não descreve os elementos nos quais se baseou para chegar a tal conclusão, conforme questionado. Além disso, a resposta ao quesito n° 06 do INSS (fl. 77) demonstra-se totalmente genérica, considerando que não esclarece qual o grau de limitação do autor, dentre as atribuições inerentes à profissão da parte autora, restando por afirmar que os sintomas interferem com todas as suas funções mentais, o que diverge do descrito no exame psíquico (fl. 76), ressaltando-se ainda que o próprio requerente afirma que "agora faz o tratamento adequadamente, como orientado, encontra-se bem, há dois anos não tem mais alucinações auditivas"(fl. 75).
Neste aspecto, não há que olvidar a existência de pesquisas recentes que demonstram que o trabalho, para pessoas portadoras de esquizofrenia, com quadro clínico controlado, melhora de forma significativa o desempenho intelectual, além de diminuir sintomas da doença, como apatia e isolamento. (Estudo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo/IPq-USP: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,trabalho-ajuda-no-tratamento-de-pessoas-com-esquizofrenia-diz-estudo-imp-,608329; Psiquiatra Cristina Contigli, da Associação Brasileira de Psiquiatria: abp.org.br/portal/clippingsis/exibClipping/?clipping=11540).
Desse modo, cumpre observar que doença e incapacidade são conceitos distintos e com diferentes reflexos no mundo jurídico. O primeiro deles pode significar uma situação transitória e reversível. A incapacidade pode ser perene. Somente o laudo pericial tem o condão de demonstrar ao magistrado a abrangência das situações. A prova técnica é essencial nas causas que versem sobre incapacidade laborativa, devendo retratar o real estado de saúde da parte autora, de acordo com os documentos constantes dos autos e outros eventualmente apresentados na realização da perícia. Desta forma, observo que não há elementos que comprovem a plausibilidade do direito invocado.
Ademais, vale assentar que a presença de enfermidades, por si só, não é capaz de determinar que o indivíduo esteja incapaz para o trabalho. A concessão de benefício por incapacidade laborativa deve ter relação direta entre o quadro clínico apresentado pelo segurado e a impossibilidade de continuar exercendo atividade profissional que garanta sua subsistência.
Assim, reputo que o referido laudo foi extremamente genérico, contraditório, e não trouxe esclarecimentos necessários para o deslinde do feito, e à formação da convicção judicial.
Nesse contexto, julgo ser prudente que haja esclarecimento sobre a conclusão pericial, e/ou que o autor seja avaliado por outro perito judicial, para que haja aclaramento sobre o efetivo quadro clínico do autor, bem como se sua patologia está sob controle quais limitações interferem no exercício da atividade habitual e/ou de outra que respeite suas deficiências, e a data de início das doenças e/ou eventual incapacidade laborativa, a fim de se alcançar uma correta conclusão acerca da incapacidade laborativa do autor, diante de seu quadro clínico e características pessoais e profissionais.
Assim sendo, em caráter excepcional, forçoso reconhecer a necessidade de perícia complementar e/ou que a parte autora seja examinada por outro perito judicial.
Nesse ponto, cumpre esclarecer que o artigo 437 do Código de Processo Civil de 1973 (art. 480 do CPC/2015) menciona a possibilidade de realização de nova perícia nas hipóteses em que a matéria não estiver suficientemente esclarecida no primeiro laudo.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente desta Corte:
Ademais, no sistema jurídico brasileiro, o juiz é, por excelência, o destinatário da prova, cabendo a ele, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Desse modo, suprimiu a r. sentença, ao julgar a lide sem os necessários esclarecimentos periciais, a oportunidade de ser revisto, pelo Tribunal, o conjunto probatório que a parte ré se propôs a produzir.
No presente caso está claro que, ao surpreender as partes com a sentença de mérito, a r. decisão recorrida ofendeu o devido processo legal, deixando de assegurar-lhes a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e impediu, ainda, a apreciação da causa nesta instância.
Ao Tribunal, por também ser destinatário da prova, é permitido o reexame de questões pertinentes à instrução probatória, não sendo alcançado pela preclusão.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é neste sentido:
Observe-se a inaplicabilidade, à hipótese, do art. 515, § 3º, do CPC/1973 (art. 1.013, § 3° do CPC/2015), uma vez que não há condições de imediato julgamento da causa, à míngua da realização da perícia complementar, evidenciando-se cerceamento de defesa.
Dessa forma, merece reparo a sentença proferida pelo órgão judicante singular, pois frustrada a concretização do conjunto probatório, em decorrência da ausência da perícia complementar, evidenciando-se cerceamento de defesa, conforme já visto, de maneira que se impõe a anulação da mencionada decisão, a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos/garantias constitucionalmente previstos.
Nessa seara, impende salientar ser a jurisprudência uníssona no sentido de autorizar a anulação ex officio de sentença caracterizadora de cerceamento de defesa, a fim de encaminhar os autos à primeira instância e proceder-se ao regular processamento do feito, para evitar eventual supressão de instâncias.
Em consonância com este entendimento, observem-se os julgados desta E. Corte:
Destarte, verificada a ocorrência do cerceamento de defesa, deve ser determinada a nulidade da sentença, e o retorno dos autos ao juízo de origem para que seja oportunizada a produção de prova pericial complementar e/ou avaliação pericial por outro perito, observando-se rigorosamente o devido processo legal.
Desse modo, acolho a preliminar de cerceamento de defesa suscitada pela Autarquia federal, restando prejudicada a análise do mérito do recurso interposto pelo INSS, e acolho a preliminar de recebimento do recurso interposto com efeito suspensivo, determinando a revogação da antecipação dos efeitos da tutela.
Posto isto, NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL e, em consonância com o art. 515, § 1°, do CPC/1973, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação Autárquica, nos termos expendidos na fundamentação.
Oficie-se ao INSS no tocante à revogação da tutela antecipada.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 03/10/2017 17:29:01 |
