
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004356-42.2021.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RENATO CARLOS DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: ERAZE SUTTI - SP146298-A, HELENA GUAGLIANONE FLEURY - SP405926-A, LETICIA TARANTO BOTELHO - SP418469-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004356-42.2021.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RENATO CARLOS DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: ERAZE SUTTI - SP146298-A, HELENA GUAGLIANONE FLEURY - SP405926-A, LETICIA TARANTO BOTELHO - SP418469-A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Senhor Juiz Federal Convocado Marcus Orione (Relator): Trata-se de apelação de sentença em que foi julgado procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, mediante o reconhecimento do caráter especial dos períodos de 03.12.1986 a 26.08.1988, 01.09.1988 a 09.04.1991 e 13.02.1995 a 05.06.2009.
O INSS requer, preliminarmente, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e alega a necessidade de submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório, bem como de sobrestamento do feito, em razão do Tema Repetitivo n. 1.090 do STJ. Aduz, ainda, a ausência de interesse de agir em relação ao reconhecimento do caráter especial do período de 01.01.2004 a 05.06.2009, que afirma haver sido reconhecido em sede de contestação. No mérito, argumenta que não restaram comprovados os requisitos para a concessão do benefício deferido em sentença. Busca a reforma da sentença, com a improcedência integral da postulação. Insurge-se contra os consectários.
Com apresentação de contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta E. Corte.
Noticiada nos autos a implantação do benefício, em cumprimento à determinação judicial.
O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo provimento parcial do recurso autárquico, apenas excluir da controvérsia o período de tempo especial de 01.01.2004 a 05.06.2009, reconhecido pelo réu em contestação.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004356-42.2021.4.03.6128
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RENATO CARLOS DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: ERAZE SUTTI - SP146298-A, HELENA GUAGLIANONE FLEURY - SP405926-A, LETICIA TARANTO BOTELHO - SP418469-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De início, rejeito a preliminar arguida pelo INSS, quanto à concessão de efeito suspensivo à apelação, tendo em vista o disposto no art. 1012, inciso V, do Código de Processo Civil. Além disso, em se tratando de matéria de fato, não há razões para se crer que a demanda será objeto de recursos para as instâncias superiores.
Ressalto, outrossim, que a sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.
Não há que se falar, ainda, em suspensão do julgamento do feito, porquanto o Tema 1090/STJ foi desafetado em 07.05.2021.
Por fim, não verifico a ausência de interesse de agir em relação ao reconhecimento do período de 01.01.2004 a 05.06.2009, uma vez que, ao contrário do alegado, não houve reconhecimento de parte do pedido, em contestação.
Rejeitadas, pois, as preliminares, passo ao exame do mérito.
Quanto ao período laborado em condições especiais, urge constatar o seguinte.
Aqueles que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.
Da mesma forma, se o trabalhador realiza atividade em condições especiais apenas em certo período, este não poderá ser desconsiderado quando do requerimento da aposentadoria, ainda que comum. Aliás, esta conclusão deflui da própria Constituição.
No art. 201, par. 1º, do texto constitucional, segundo redação vigente à época dos fatos, menciona-se a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para os casos de atividades realizadas “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Portanto, ainda que em relação a parte do tempo, é possível o estabelecimento de tais requisitos ou critérios diferenciados. Corroborando esta tese, confira-se ainda o art. 15 da Emenda Constitucional nº. 20, conforme redação em vigor à época dos fatos, que foi claro no sentido da manutenção, ainda que até a edição de lei complementar, do art. 57 da lei no. 8213 de 1991. Destaque-se que o par. 5º, do dispositivo mantido constitucionalmente, versa exatamente sobre a conversão do tempo em circunstância especial para o comum.
Concordamos, aqui, com as seguintes conclusões extraídas do voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo, relator do Recurso 237277 nos autos da ação nº. 2000.61.83.004655-1:
“A MP 1.663, de 28.05.98, através de seu então art. 28 (nas reedições o número desse artigo foi alterado), revogou expressamente o § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (já reformada anteriormente pela Lei 9.032/95), que permitia – para fins de aposentadoria especial - a soma do tempo de trabalho agressivo após sua conversão segundo critérios estipulados pela MPAS; sendo assim, o tempo exercido em condições especiais não poderia mais ser convertido em tempo comum. A MP foi sendo sucessivamente reeditada.
Para assegurar o direito adquirido daqueles que teriam completado tempo para aposentadoria – desde que feita conversão – antes da revogação do § 5º do art. 57, a 13ª reedição da MP 1.663 (em 26.08.98) estipulou no art. 28 que o Poder Executivo estabeleceria critérios para conversão de tempo de trabalho exercido em condições especiais até 28.05.98 (data em que revogado o § 5º do art. 57), em tempo comum, desde que o segurado tivesse implementado em “percentual de tempo” que lhe permitisse a aposentação especial. Tratava-se de regra transitória destinada a minorar o impacto do fim da possibilidade de conversão do tempo insalubre e perigoso em tempo comum. Já aquele “percentual” veio a ser fixado em 20% no Regulamento da Previdência Social, primeiro no D. 2.782 de 14.09.98, e no atual D. 3.048, de maio de 1999.
Diante dessa normatização, o INSS expediu a Ordem de Serviço nº. 600 (de 2.6.98) e com ela exigiu comprovação da efetiva exposição a agentes que prejudicassem a saúde e integridade física por todo o tempo exigido para concessão do benefício (nos termos da Ordem de Serviço nº. 600 somente com laudos, única prova aceitável, retroagindo a exigência a tempo anterior a MP. 1.663), assim abarcando mesmo o tempo anterior a Lei 9.032/95, a partir de quando a exigência ingressou no mundo legal. Ademais, também incluiu a proibição de conversão a partir de 29 de maio de 1998, e a Ordem de Serviço nº. 612, além de outras inovações, ainda acolheu a exigência de que o tempo a ser convertido deva corresponder a pelo menos 20% do necessário a obtenção da aposentadoria especial.
Deixaram assente, ainda, que somente se daria aproveitamento de tempo trabalhado até 28.05.98 se houvesse exposição a “agentes nocivos” reconhecidos como tais no Anexo IV do D. 2.172 de 5.3.97; noutro dizer, se um determinado agente químico, físico ou biológico, era considerado nocivo, mas deixou de sê-lo pelo D. 2.172, o tempo trabalhado em exposição a ele não será aproveitado.
Sucede que a MP 1.663 foi convertida na Lei 9.711, de 20.11.98, mas a revogação do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (pretendida no art. 32 da 15ª reedição daquela medida provisória, justo a que foi convertida em lei) não foi mantida pelo Congresso Nacional. Assim, a possibilidade legal de conversão de tempo especial em tempo comum e sua soma sobreviveu.
Contudo, manteve-se o art. 28 da Reedição convertida:
Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão de tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei nº. 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis nºs 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.
Ora, esse art. 28 da medida provisória – que pretendia ser norma transitória de modo a evitar o impacto maior da revogação do § 5º do art. 57 do PBPS, que não aconteceu... – acabou constando da Lei 9.711/98 somente por “cochilo” do legislador e quando muito somente para aquele fim; jamais para, como entendia a Previdência Social. Manter-se ali a derrogação do § 5º do art. 57, que o Congresso derrubou quando tratada em artigo específico. Aliás, nem mesmo para disciplinar “transição” acabou tendo valia o art. 28, já que não houve mudança: o art. 57, § 5º da Lei 8.213/91 sobreviveu!...”
Não seria, assim, razoável (princípio da razoabilidade) contemplar-se a aposentadoria especial, sem a admissão, para o mesmo lapso, da conversão de tempo tido como prejudicial à saúde. Haveria tratamento desigual para situações semelhantes.
Diga-se, ainda, que a autarquia acabou por reconhecer a possibilidade da conversão, conforme se confere de norma interna por ela própria editada, a Instrução Normativa INSS/DC nº. 118, de 14 de abril de 2005, segundo se verifica de seu art. 174, que assim previa (já que hoje encontra-se revogada):
“Art. 174. Para o segurado que houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados, após a conversão do tempo relativo às atividades não preponderantes, cabendo, dessa forma, a concessão da aposentadoria especial com o tempo exigido para a atividade preponderante não convertida.
Parágrafo único. Será considerada atividade preponderante aquela que, após a conversão para um mesmo referencial, tenha maior número de anos.”
Ressalte-se, ademais, que manifestações do próprio Superior Tribunal de Justiça, em votos da lavra da Ministra Laurita Vaz, adotaram o mesmo entendimento acima discorrido, como se depreende do RESP 956.110-SP.
Inclusive, atualmente, a questão sequer é enfrentada pelos Tribunais Regionais Federais, que já fazem a análise corriqueira de tempos especiais submetidos à legislação vigente, como se depreende, por exemplo, do seguinte processo: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5019760-70.2018.4.03.6183, Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 14/12/2023, Intimação via sistema DATA: 30/12/2023.
Feitas estas digressões introdutórias, necessárias ao entendimento da constitucionalidade e relevância da conversão do tempo especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, algumas observações merecem ser realizadas.
Primeiro, está atualmente assentado que sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores. O exemplo mais conhecido é o referente ao agente agressivo ruído, em que mesmo o protetor auricular não inviabiliza a propagação de ondas sonoras prejudiciais à saúde na sua integralidade (a respeito confira-se o julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida). O caso é interessante, já que, além disso, há um outro efeito deste EPI que é o isolamento a que é submetido trabalhadores e trabalhadoras no curso da jornada de trabalho – o que causa, por sua vez, também efeitos colaterais à sanidade de empregadas e empregados. Veja-se que, portanto, a questão do fornecimento do EPI não deve ser suficiente, por diversas razões, para o afastamento da contagem de tempo especial, seja para fins de aposentadoria especial, seja para fins de seu aproveitamento para fins de aposentadoria comum por tempo de contribuição.
Da mesma forma, para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum. Em casos envolvendo ruído, enquanto agente agressivo, verbi gratia, diante da sucessão normativa do nível de decibéis aplicáveis, este princípio ficou assentado no REsp 1398260/PR, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 14/05/2014, conforme DJe de 05/12/2014.
Logo, sob qualquer ângulo que se analise a questão, é patente a preservação, pelo legislador constituinte, da proteção do tempo – parcial ou integralmente – realizado sob condições danosas à saúde do trabalhador.
Veja-se que a exposição à situação de insalubridade ou periculosidade deverá ser permanente. Em juízo, pode-se demonstrar a ocorrência desta permanência, quando não admitida administrativamente, em especial através da prova testemunhal e, mesmo, pericial, se possível.
Aliás, quanto à eletricidade, ocorre também algo semelhante, quando se permite a conversão de atividade especial em comum após 05.03.1997, por aplicação direta do art. 58 da Lei 8.213/91, antes mencionado. O que se exige apenas é a existência de prova técnica da submissão ao risco, como depreende do caso paradigmático decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo: Resp nº 1.306.113-SC, julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013, de relatoria do Ministro Herman Benjamin.
Outro ponto que merece ser esclarecido refere-se à questão da habitualidade do contato com o agente agressivo à saúde.
Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 250 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar. A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial. Ilustrativa desta hipótese é a exposição habitual e permanente a substâncias químicas com potencial cancerígeno, em que, nos moldes do parágrafo 4º. do art. 68 do Decreto 3.048 de 1999, com a redação dada pelo Decreto n. 8.123/2013, se faz independentemente da sua concentração. Veja-se que exigir o contato diário, em largo espaço de tempo, a altas concentrações seria o mesmo que condenar trabalhadora ou trabalhador ao câncer. Embora esse contato habitual viabilize a contração da doença e, por isso, a contagem do lapso laborado naquelas condições como especial, não se deve buscar que se empurre segurados à doença, a despeito da contagem especial (que aparece como um risco, mas que, ainda assim, deve ser evitado, sob pena de se ter uma política simplista em que se submete a classe trabalhadora ao mero pagamento de um valor, na forma de aproveitamento do tempo para fins de aposentadoria, como contrapartida à inevitável contração da doença. Não se trata disso, sob pena de se conceber um sistema de proteção social, que nada teria de tal conotação, com afronta mesmo as disposições constitucionais sobre o tema).
Por fim, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido. Trata-se de documento que carreia as informações técnicas necessárias para se aferir o trabalho em condições agressivas à saúde, sendo realizado por engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho. Como regra, admite-se a sua utilização sem necessidade de outras provas de natureza pericial. Outrossim, a ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador (A respeito confira-se a Apelação n. 0031607-94.2014.4.03.9999/SP, TRF3, Oitava Turma, de relatoria do Des. Fed. Luiz Stefanini, publicado no DJ 24.04.2019, DJ-e 17.06.2019).
Tecidas todas as considerações anteriores, verifiquemos a situação do caso concreto.
Na hipótese em apreço, para a verificação das atividades tidas como agressivas à saúde, para fins de aposentação especial ou de aproveitamento de tempo em condição especial, há que se analisar o enquadramento das atividades desempenhadas pelo segurado no quadro a que se refere o art. 2º, do Decreto no. 53.831, de março de 1964, revigorado pela Lei nº. 5.527/68. A respeito confiram-se, ainda, as atividades mencionadas em anexo do Decreto nº. 83.080/79. A respeito do tema veja-se ainda o Decreto nº 3.048/99.
Nestes, há indicação como especiais de atividades em que haja contato com os agentes agressivos à saúde mencionados na inicial.
Portanto, tendo a atividade desenvolvida pelo segurado se dado com contato permanente - e não eventual - com agentes nocivos, considerados intoleráveis ao homem médio, haveria que se aproveitar deste período para o cômputo especial.
No caso dos autos, os documentos de ID 274406439 - p; 28/33, 35/37 e 39 (PPP's) expressam de forma clara como se deu o trabalho em condições insalubres nos períodos laborados de 03.12.1986 a 26.08.1988 (Tinturaria Universo - auxiliar de tinturaria), 01.09.1988 a 09.04.1991 (Indústria e Comércio de Tecidos Yale - contramestre de tecelagem) e 13.2.1995 a 05.06.2009 (Thyssenkrupp Metalúrgica Ltda. - rebarbador, furador de produção, operador multifuncional e mecânico), sendo suficientes para a prova dos fatos à época destes, por exposição a ruídos superiores aos limites de tolerância, agente nocivo previsto no código 2.0.1 do Decreto 3.048/1999 (Anexo IV), bem como a hidrocarbonetos aromáticos e compostos de carbono - agentes químicos nocivos previstos nos códigos 1.2.11 do Decreto 53.831/1964, 1.2.10 do Decreto 83.080/1979 e 1.0.19 do Decreto 3.048/99.
Destaco que o período de 03.12.1986 e 26.08.1988 também pode ser enquadrado especial pela categoria profissional prevista no código 2.5.1 do Decreto nº 53.831/64.
Assim, há que se utilizar, neste ponto, do disposto no art. 57, par. 5º, da Lei de Benefícios, segundo o qual "o tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício".
No que concerne à aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, para se ter direito ao benefício, basta, na forma do artigo 3º da Lei Complementar nº 142/2013, constatar-se que:
Art. 3º: "É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período".
Por seu turno, o art. 70-E do Decreto nº 8.145/2013 prevê que, caso o segurado, após a filiação ao RGPS, se torne pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros legais mencionados no art. 3º da Lei Complementar nº 142/2013 deverão ser proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o requerente exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observando-se o grau de deficiência correspondente (grave, moderada ou leve).
Destaco, ainda, que a redução do tempo de contribuição em favor do segurado portador de deficiência não poderá ser acumulada, em relação ao mesmo período, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, nos termos do disposto no artigo 70-F do Decreto 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 8.145/2013.
No entanto, o regramento aplicado à pessoa com deficiência garante a conversão do tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física, observando-se os fatores multiplicadores constantes da tabela prevista no artigo 70-F, § 1º, do Decreto 3.048/1999.
No caso em apreço, a deficiência do autor é incontroversa, tendo sido reconhecida pela própria autarquia previdenciária a existência de deficiência leve no período de 03.09.2007 a 12.03.2021, com pontuação 7.200 (ID 274406439 - p. 170/184).
Logo, para fazer jus à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, ele deverá comprovar 33 anos de tempo de contribuição, nos termos do previsto no inciso III do art. 3º da Lei Complementar 142/13.
Somado o tempo de contribuição reconhecido pelo INSS, conforme contagem de tempo de ID 274406439 - p. 185/208, em cotejo com os dados do CNIS de ID 274406439 - p. 137, aos períodos especiais reconhecidos na demanda, ajustados de acordo com os fatores de conversão na forma do artigo 70-E e F, do Decreto nº 3.048/99, resulta que o autor laborou por 35 anos, 03 meses e 24 dias, cumprido o tempo mínimo de contribuição para a deficiência de grau leve (33 anos).
Portanto, presentes os requisitos, deve ser concedido à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência prevista na Lei Complementar nº 142/2013.
Fixado o termo inicial do benefício e dos respectivos efeitos financeiros na data do requerimento administrativo formulado em 28.10.2020 - ID 274406439 - p. 01, em conformidade com sólido entendimento jurisprudencial, tendo em vista que os documentos relativos à atividade especial já haviam sido apresentados na esfera administrativa, não se aplicando ao caso o Tema nº 1.124 do C. STJ.
Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22).
Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111, do E. STJ).
As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único).
Diante do exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação, mantendo, no entanto, a procedência do pedido.
É o voto.
E M E N T A
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA - LEI COMPLEMENTAR Nº 142/2013 - PRELIMINARES REJEITADAS - TEMPO ESPECIAL CONVERTIDO. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – TEMPUS REGIT ACTUM – HISTOGRAMA OU MEMÓRIA DE CÁLCULO - HABITUALIDADE – PERFIL PROFISSIOGRÁFICO (PPP) - RECONHECIMENTO E CONVERSÃO - DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
1) Rejeitada a preliminar arguida pelo INSS, quanto à concessão de efeito suspensivo à apelação, tendo em vista o disposto no art. 1012, inciso V, do Código de Processo Civil. Além disso, em se tratando de matéria de fato, não há razões para se crer que a demanda será objeto de recursos para as instâncias superiores.
2) A sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.
3) Não há que se falar em necessidade de suspensão do julgamento do feito, porquanto o Tema 1090/STJ foi desafetado em 07.05.2021.
4) Não constatada ausência de interesse de agir, uma vez que, ao contrário do alegado, não houve reconhecimento de parte do pedido, em contestação.
5) Aqueles e aquelas que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.
6) Sistemática mantida inclusive para conversão de tempo de serviço realizado, ainda que parcialmente, sob condições onerosas à saúde.
7) Sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores.
8) Para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum.
9) Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 250 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar.
10) A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial.
11) O Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido, dispensando inclusive prova pericial.
12) A ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador.
13) Incontroversa nos autos a existência de deficiência leve.
14) No caso concreto, realizada a contagem, de acordo com os fatores de conversão na forma do artigo 70-E e F, do Decreto nº 3.048/99, o recorrido tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 142/2013, a partir do requerimento administrativo.
15) Condenação em consectários.
16) Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida. Mantida a concessão do benefício.
