
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6080579-17.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO FERNANDO MARCELO MENDES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MAURO OLIVEIRA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA ROLIM SCATENA - SP328184-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6080579-17.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MAURO OLIVEIRA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA ROLIM SCATENA - SP328184-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação previdenciária ajuizada por MAURO OLIVEIRA DE SOUSA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante o reconhecimento da atividade rural e especial.
A r. sentença julgou procedente o pedido inicial para declarar o trabalho rural do Autor no período de 05/04/1969 a 31/08/1978, autorizando a averbação, salvo para efeito de carência e contagem recíproca; declarar a atividade especial exercida nos períodos de 01/02/1981 a 11/04/1981; 18/06/1983 a 02/11/1986; 01/11/1986 a 04/09/1991; 01/08/1992 a 11/02/1997; 01/03/1999 a 29/05/1999; 01/06/1999 a 02/10/2000; 02/03/2001 a 30/10/2004; 01/11/2004 a 30/07/2005; 01/08/2005 a 23/03/2007; 01/04/2008 a 05/02/2009; 18/03/2009 a 30/09/2009, e de 02/03/2011 a 30/11/2011; condenar o Réu a conceder ao Autor o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, com RMI de 100% do salário de benefício (art. 53, inciso II, da Lei 8.213/91), calculado sobre 80% das maiores contribuições, considerando-se o salário mínimo para o período não registrado, sem a incidência de fator previdenciário porque o Autor atinge 99 pontos (art. 29-C, da Lei 8.213/91), com DIB fixada na data do requerimento administrativo (11/10/2013 – fls. 59); conceder a antecipação de tutela, tão-só, para implantação do benefício com DIP fixada no dia 01/10/2019; condenar o Réu a pagar as prestações vencidas e não pagas com incidência de atualização monetária, a contar do vencimento de cada prestação, calculada pelo IPCA-E (a partir de 30/06/2009 data da entrada em vigor da Lei nº 11.960/09, consoante Tema 810 - STF) e juros de mora de 0,5% a.m (a partir de 30/06/2009), segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, observado o disposto no artigo 1º - F da Lei n. 9.494/97, com nova redação dada pela Lei n. 11.960/09. Condenou ainda o Réu no pagamento de honorários de advogado, arbitrados, com fulcro no art. 85, §3º, do Código de Processo Civil, em 10% do valor da condenação (prestações vencidas até a sentença).
Sentença não sujeita ao reexame necessário.
O INSS interpôs apelação, alegando que não restou comprovado nos autos a condição de trabalhador rural, afirmando que na certidão de casamento do autor, consta qualificação de OPERADOR DE MÁQUINA e não como lavrador, os registros em CTPS também apenas apontam o exercício de atividades urbanas, desde 1981, não havendo nos autos nenhum documento que qualifique como lavrador, aduz que apenas qualificam seu pai como lavrador ou indicam que o autor ainda estudava. Na carteira de sindicato em nome de seu pai, consta que o mesmo, em 1974, já seria aposentado. Alega que não trouxe aos autos documentos suficientes que pudessem servir de início razoável de prova material do efetivo exercício das atividades campesinas no período total afirmado, tal como exigido pelo §3.º, do art. 55 da Lei 8.213/91. Quanto ao exercício da atividade especial, a alegada exposição a vírus, bactérias e fungos nos períodos em que trabalhou em frigoríficos, a mesma deve ser afastada, pois o próprio laudo judicial refere expressamente que os animais que vem para abate são sadios. Afirma que somente os formulários referentes aos períodos em que trabalhou como MOTORISTA para Indústria e Comércio de Lajes e Blocos Ipanema Ltda.- ME, é que poderiam ser objeto de conversão, uma vez comprovado o labor como motorista de caminhão, porém, ainda assim, somente até 29.04.1995. Relata que o próprio autor alega o uso de EPI, não havendo razão para a desconsiderá-lo, até porque, as empresas onde efetivamente trabalhou sequer foram periciadas, trata-se de perícia por similaridade. Aduz que para considerar o ruído deve observar a forma preconizada pela NHO-01 da FUNDACENTRO obrigatória desde 01.01.2004, o que não foi feito pelo perito, requerendo a reforma da sentença e improcedência dos pedidos. Caso assim não entenda, discorda da concessão do benefício desde a DER (em 11.10.2013), pois o autor deliberadamente omitiu os documentos indispensáveis para a correta apreciação de seu pedido. Considerando os documentos novos (para o INSS) que embasaram a presente ação judicial, não juntados no processo administrativo, somente a partir da CITAÇÃO que seria devida a concessão do benefício. Requer-se a reforma da r. sentença, para que reste determinada a taxa referencial – TR como índice de correção dos valores pretéritos.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6080579-17.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MAURO OLIVEIRA DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: GRAZIELA ROLIM SCATENA - SP328184-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91.
A par do tempo de serviço/contribuição, deve também o segurado comprovar o cumprimento da carência, nos termos do artigo 25, inciso II, da Lei nº 8.213/91. Aos já filiados quando do advento da mencionada lei, vige a tabela de seu artigo 142 (norma de transição), em que, para cada ano de implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de meses de contribuição inferior aos 180 (cento e oitenta) exigidos pela regra permanente do citado artigo 25, inciso II.
Para aqueles que implementaram os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço até a data de publicação da EC nº 20/98 (16/12/1998), fica assegurada a percepção do benefício, na forma integral ou proporcional, conforme o caso, com base nas regras anteriores ao referido diploma legal.
Por sua vez, para os segurados já filiados à Previdência Social, mas que não implementaram os requisitos para a percepção da aposentadoria por tempo de serviço antes da sua entrada em vigor, a EC nº 20/98 impôs as seguintes condições, em seu artigo 9º, incisos I e II.
Ressalte-se, contudo, que as regras de transição previstas no artigo 9º, incisos I e II, da EC nº 20/98 aplicam-se somente para a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, e não para a integral, uma vez que tais requisitos não foram previstos nas regras permanentes para obtenção do referido benefício.
Desse modo, caso o segurado complete o tempo suficiente para a percepção da aposentadoria na forma integral, faz jus ao benefício independentemente de cumprimento do requisito etário e do período adicional de contribuição, previstos no artigo 9º da EC nº 20/98.
Por sua vez, para aqueles filiados à Previdência Social após a EC nº 20/98, não há mais possibilidade de percepção da aposentadoria proporcional, mas apenas na forma integral, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e de 30 (trinta) anos, para as mulheres.
Portanto, atualmente vigoram as seguintes regras para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição:
1) Segurados filiados à Previdência Social antes da EC nº 20/98:
a) têm direito à aposentadoria (integral ou proporcional), calculada com base nas regras anteriores à EC nº 20/98, desde que cumprida a carência do artigo 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/91, e o tempo de serviço/contribuição dos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91 até 16/12/1998;
b) têm direito à aposentadoria proporcional, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98, desde que cumprida a carência do artigo 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço/contribuição dos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91, além dos requisitos adicionais do art. 9º da EC nº 20/98 (idade mínima e período adicional de contribuição de 40%);
c) têm direito à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e de 30 (trinta) anos, para as mulheres;
2) Segurados filiados à Previdência Social após a EC nº 20/98:
- têm direito somente à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e 30 (trinta) anos, para as mulheres.
In casu, a parte autora alega na inicial ter trabalhado em atividade rural e especial e, somando os períodos, totaliza tempo de serviço suficiente para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
Portanto, a controvérsia nos presentes autos restringe-se ao reconhecimento da atividade rural e especial nos períodos homologados na sentença.
Atividade Rural:
Cumpre observar que o artigo 4º da EC nº 20/98 estabelece que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente é considerado tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social.
Por seu turno, o artigo 55 da Lei nº 8.213/91 determina que o cômputo do tempo de serviço para o fim de obtenção de benefício previdenciário se obtém mediante a comprovação da atividade laborativa vinculada ao Regime Geral da Previdência Social, na forma estabelecida em Regulamento.
E, no que se refere ao tempo de serviço de trabalho rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, aplica-se a regra inserta no § 2º do artigo 55.
Cabe destacar ainda que o artigo 60, inciso X, do Decreto nº 3.048/99, admite o cômputo do tempo de serviço rural anterior a novembro de 1991 como tempo de contribuição.
Sobre a demonstração da atividade rural, a jurisprudência dos nossos Tribunais tem assentado a necessidade de início de prova material, corroborado por prova testemunhal. Nesse passo, em regra, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou os conviventes, aparecem qualificados como lavradores; o abandono da ocupação rural, por parte de quem se irroga tal qualificação profissional, em nada interfere no deferimento da postulação desde que se anteveja a persistência do mister campesino; mantém a qualidade de segurado o obreiro que cessa sua atividade laboral, em consequência de moléstia; a prestação de labor urbano, intercalado com lides rurais, de per si, não desnatura o princípio de prova documental amealhado; durante o período de graça, a filiação e consequentes direitos, perante a Previdência Social, ficam preservados.
Ressalte-se ser possível o reconhecimento do tempo de atividade rural prestado,
já aos 12 (doze) anos de idade
, consoante precedentes dos Tribunais Superiores: STF, AI 476.950-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 11.3.2005; STJ, AR 3629/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Revis. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julg. 23.06.2008, DJe 09.09.2008.Para comprovar o trabalho rural exercido de 25/04/1969 a 31/08/1978 o autor juntou aos autos cópia da certidão de casamento de seu genitor, José Oliveira de Souza (id 98153945 p. 2), com assento lavrado em 18/09/1954, indicando que era lavrador; cópia da certidão de nascimento do autor (id 98153945 p. 3), constando que na data em que foi lavrada, em 04/05/1967, seu pai residia junto à Fazenda Marinheiro; certidão de nascimento da irmã, ocorrido em 27/09/1970 (id 98153945 p. 9), indicando que há época residam junto à Fazenda Santa Cruz; Carteira de associado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Fernandópolis, com admissão em 29/07/1974 (id 98153945 p. 10).
Cabe ressaltar que os documentos escolares indicando que o autor estudou entre 1967/1968 (98153945 p. 5/8), ocasião em que seu pai foi qualificado como lavrador, apenas demonstram seu ciclo de estudos, pois não fazem referência à sua atividade laborativa à época.
O Certificado de Dispensa de Incorporação do autor encontra-se ilegível, impossibilitando visualizar sua profissão em 1976 (id 98153945 - Pág. 11/12).
Por sua vez, as testemunhas ouvidas confirmam conhecer o autor, o depoente Antônio relata ter conhecido o autor entre 1976/1977, quando se mudou para a Fazenda Araguaia, local onde o autor já residia com a família, afirma que eles trabalhavam na função conhecida como ‘boia fria’, conta que ficou nesta fazenda até 1980 e quando se mudou o autor continuou a trabalhar no local, mas perdeu contato com ele depois disso; a testemunha Antônio M. Martins afirma que trabalhou junto como o autor como diarista entre 1971 e 1973, na Fazenda Neca Verdi, relata que a família do autor trabalhava com percentagem na cultura de algodão, arroz e milho, ficou no local até 1973 e depois voltou a encontrar o autor em 1976, quando trabalharam juntos na Fazenda Araguaia até 1979, quando se mudou, mas o autor continuou no local, na época ele trabalhava com mamão, afirma que voltaram a trabalhar juntos no frigorífico entre 1982 a 1984.
Em apreciação pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1.348.633/SP, decidiu que cabe o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea. (g.n.)
Assim, considerando o depoimento das testemunhas e inexistência de prova material em nome do autor antes de 1971, entendo ficar comprovado nos autos o trabalho rural de 01/01/1971 a 31/08/1978, devendo o período ser computado pelo INSS como tempo de serviço, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei nº 8.213/91. g.n.
Atividade Especial:
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Por sua vez, dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº 8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então denominado informativo SB-40.
Foram baixados pelo Poder Executivo os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo como penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo 152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original, estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº 53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel. Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997 caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A).
Nesse sentido, segue a ementa do referido julgado:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC
1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto
3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral.
4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008." (STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014)
Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC nº 2000.03.99.031362-0/SP; 1ª Turma; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 458).
Cumpre observar, por fim, que por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 1.663/98 na Lei nº 9.711/98, permaneceu em vigor o parágrafo 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, razão pela qual continua sendo plenamente possível a conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum relativamente a qualquer período, incluindo o posterior a 28/05/1998. (STJ, AgRg no Resp nº 1.127.806-PR, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 05/04/2010)
No presente caso, da análise do Laudo técnico pericial (id 98154023 - Pág. 1/37) juntado aos autos e, de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividade especial nos seguintes períodos:
- 01/02/1981 a 11/04/1981 (frigorífico – lombador) e 18/06/1983 a 02/11/1986 (auxiliar – seção de miúdos – frigorífico), trabalhou realizando movimentações das carcaças bovinas nas câmaras frias e as transportava para os caminhões, na seção de miúdos realizava limpeza e preparo de miúdos bovinos, cozimento/embalagem/pesagem/estocagem de peças cozidas em câmaras frias, utilizando facas e equipamentos para as atividades e limpeza do local, exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado no Decreto n° 53.831/64 no código 1.3.1 – Agente nocivo Biológico e no Decreto n° 83.080/79 no código 1.3.2;
- 01/11/1986 a 04/09/1991 e 01/08/1992 a 11/02/1997 (motorista de caminhão em Indústria e Comércio de Lajes), realizava o carregamento e descarregamento (cargas volumosas e pesadas) de caminhões de lajes, pedras e areias desde o transporte, coleta e entregas desses materiais com rotas definidas nas rodovias municipais, exposto a ruído acima de 85 dB(A), enquadrado no código 1.1.6, Anexo III do Decreto nº 53.831/64;
- 01/03/1999 a 29/05/1999 e 01/06/1999 a 02/10/2000 (auxiliar geral em frigorífico), realizava a limpeza e preparo de bovinos, cozimento/embalagem/pesagem/estocagem de peças cozidas, utilizando facas e equipamentos para as atividades, exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 2.172/97;
- 02/03/2001 a 30/10/2004 (serviços gerais em frigorífico), realizando corte, limpeza e preparo de bovinos, cozimento, embalagem, pesagem, estocagem de peças cozidas, utilizando facas e equipamentos para as atividades, exposto de modo habitual e permanente a Umidade e Ruído, além de agentes biológicos, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 3.048/99;
- 01/11/2004 a 30/07/2005 (serviços gerais - indústria e comércio de carnes), realizava o preparo de carnes desossando, limpando pelancas e sebos e na embalagem da carne, manuseava o equipamento quebrador para a quebra dos ossos (emite bastante ruído) e no moinho de farinha e após o ensacamento, utilizava facas e ganchos metálicos nas suas atividades e posteriormente limpava os equipamento e local de trabalho, exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 3.048/99;
- 01/08/2005 a 23/03/2007 (serviços gerais – indústria reunidas), realizava o preparo de carnes desossando, limpando pelancas e sebos e na embalagem da carne, manuseava o equipamento quebrador para a quebra dos ossos (emite bastante ruído) e no moinho de farinha e após o ensacamento, utilizava facas e ganchos metálicos nas suas atividades e posteriormente limpava os equipamento e local de trabalho, exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 3.048/99;
- 01/04/2008 a 05/02/2009 e 18/03/2009 a 30/09/2009 (indústrias reunidas – auxiliar da linha de produção – setor – graxaria), realizava o carregamento de caminhões com caixas de resíduos de matéria orgânica, realizava cozimento de orelhas/chifres e cuidava dos pelos dos rabos, exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 3.048/99;
- 02/03/2011 a 30/11/2011 (auxiliar de linha de produção – frigorífico – abate de bovinos), exposto de modo habitual e permanente a agentes nocivos Físicos (Frio, Umidade e Ruído), Biológicos (germes infecciosos como bactérias, vírus e fungos), Químicos (hidrocarbonetos aromáticos e seus derivados), e riscos de insalubridades e penosidade, enquadrado nos códigos 2.0.4 e 3.0.1 (b), anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Sendo o requerimento do benefício posterior à Lei 8.213/91, deve ser aplicado o fator de conversão de 1,40, mais favorável ao segurado, como determina o artigo 70 do Decreto nº 3048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/03.
Desse modo, computando-se o período de atividade rural ora reconhecido, somado aos períodos de atividades especiais, convertidos em tempo de serviço comum e, acrescidos aos recolhimentos vertidos como contribuinte individual até a data do requerimento administrativo (Der em 11/10/2013 - id 98153945 - Pág. 43) perfazem-se
44 (quarenta e quatro) anos, 11 (onze) meses e 01 (um) dia
, conforme planilha anexa, suficientes à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, prevista no artigo 53, inciso II da Lei nº 8.213/91, com renda mensal de 100% (cem por cento) do salário de contribuição, com valor a ser calculado nos termos do artigo 29 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.876/99.Cabe ressaltar que restou cumprida a carência exigida pelos artigos 25 e 142 da Lei nº 8.213/91, pois o autor possui mais de 300 (trezentas) contribuições previdenciárias.
Portanto, cumprindo o autor os requisitos legais, faz jus ao benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição integral desde DER
(11/10/2013), momento em que o INSS ficou ciente da pretensão.Cumpre ressaltar que a regras da medida provisória nº 676/2015 (Fórmula 85/95), entrou em vigor em 18/06/2015 e foi convertida na Lei nº 13.183/2015 em vigor desde janeiro/2016 (o art. 16 da Lei nº 13.183/2015) que alterou o art. 29-C da Lei nº 8.213/91.
Assim, na data do requerimento administrativo em 11/10/2013, a regra 85/95 ainda não havia sido implementada, não podendo ser aplicado ao benefício o art. 29-C da Lei nº 8.213/91, a não ser que seja alterado o termo inicial do benefício para a data de 18/06/2015.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei nº 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993).
Ante o exposto,
dou parcial provimento à apelação do INSS
para delimitar a atividade rural a 01/01/1971 a 31/08/1978, afastar a aplicação da regra 85/95 ao cálculo do benefício e esclarecer a forma de incidência da correção monetária e juros de mora, mantida no mais a r. sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral desde a DER, conforme fundamentação.É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIARIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL PARCIALMENTE COMPROVADA. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Têm direito somente à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 anos, para os homens, e 30 anos, para as mulheres.
2. Considerando o depoimento das testemunhas e inexistência de prova material em nome do autor antes de 1971, entendo ficar comprovado nos autos o trabalho rural de 01/01/1971 a 31/08/1978, devendo o período ser computado pelo INSS como tempo de serviço, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, §2º, da Lei nº 8.213/91. g.n.
3. Por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 1.663/98 na Lei nº 9.711/98, permaneceu em vigor o parágrafo 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, razão pela qual continua sendo plenamente possível a conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum relativamente a qualquer período, incluindo o posterior a 28/05/1998.
4. Desse modo, computando-se o período de atividade rural ora reconhecido, somado aos períodos de atividades especiais, convertidos em tempo de serviço comum e, acrescidos aos recolhimentos vertidos como contribuinte individual até a data do requerimento administrativo (Der em 11/10/2013 - id 98153945 - Pág. 43) perfazem-se
44 (quarenta e quatro) anos, 11 (onze) meses e 01 (um) dia
, conforme planilha anexa, suficientes à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, prevista no artigo 53, inciso II da Lei nº 8.213/91, com renda mensal de 100% (cem por cento) do salário de contribuição, com valor a ser calculado nos termos do artigo 29 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.876/99.5. Portanto, cumprindo o autor os requisitos legais, faz jus ao benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição integral desde DER
(11/10/2013), momento em que o INSS ficou ciente da pretensão.6. Cumpre ressaltar que a regras da medida provisória nº 676/2015 (Fórmula 85/95), entrou em vigor em 18/06/2015 e foi convertida na Lei nº 13.183/2015 em vigor desde janeiro/2016 (o art. 16 da Lei nº 13.183/2015) que alterou o art. 29-C da Lei nº 8.213/91.
7. Na data do requerimento administrativo em 11/10/2013, a regra 85/95 ainda não havia sido implementada, não podendo ser aplicado ao benefício o art. 29-C da Lei nº 8.213/91, a não ser que seja alterado o termo inicial do benefício para a data de 18/06/2015.
8. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
9. Apelação do INSS parcialmente provida. Benefício mantido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
