
| D.E. Publicado em 11/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e à remessa oficial, tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 2DBCF936DB18581E |
| Data e Hora: | 27/09/2016 15:05:37 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002235-26.2011.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de lapso insalubre, visando à concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição proporcional/integral desde a DER, cumulado com indenização por dano moral.
A r. sentença rejeitou o pleito de dano moral, mas julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer os lapsos especiais de 1/2/1974 a 28/2/1975, de 29/5/1979 a 8/2/1980, de 26/5/1980 a 17/11/1980, de 2/2/1981 a 10/4/1981, de 8/2/1982 a 15/4/1991, de 2/5/1991 a 28/4/1995, de 18/10/1995 a 20/12/1995, de 16/4/1996 a 11/3/1998, de 1/9/1998 a 13/10/1998, de 1/2/2001 a 14/9/2002, de 2/6/2003 a 17/7/2003, de 7/10/2009 a 2/12/2009 e de 1/3/2010 a 16/8/2011; (ii) conceder aposentadoria proporcional desde o requerimento - 16/8/2011; (iii) fixar os consectários, os honorários periciais em R$ 300,00 e a sucumbência reciproca.
Decisão não submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual exora, em síntese, a reforma do julgado para reconhecer todos os períodos vindicados e conceder a aposentadoria especial. Destaca a validade da perícia judicial por similaridade realizada em empresa paradigma.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte, tendo sido distribuídos a este relator.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação autoral interposta porque presentes os requisitos de admissibilidade.
Considerando que a r. sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não se aplicam as novas regras previstas no artigo 496 e §§ do Novo CPC.
Deste modo, apesar de ter sido proferida a sentença após a vigência da alteração do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil pela Lei n. 10.352/2001, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação for inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos, conheço da remessa oficial, por não haver valor certo a ser considerado, na forma da súmula nº 490 do STJ.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência das condições prejudiciais.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Nesse sentido, o C. STJ, ao julgar o Recurso Especial o n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento realizado em 14/5/2014).
A propósito, ainda, da comprovação do tempo de serviço prestado em condições especiais, sob a égide dos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979, o enquadramento das atividades ocorria dava-se por grupos profissionais e pelo rol dos agentes nocivos. Assim, se a categoria profissional à qual pertencesse o segurado se encontrasse entre aquelas descritas nos anexos dos decretos, a concessão de aposentadoria especial, caso houvesse satisfação de todos os requisitos legais, independeria de comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos, exceto para a exposição a ruídos e calor, que sempre exigiu prova pericial. Nessa diretriz, para comprovação das atividades exercidas pelo segurado, foi criado o formulário "SB 40", no qual constavam as atividades especiais exercidas, bem como suas especificações.
Em relação ao EPI, cumpre tecer algumas considerações.
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
A parte autora busca inicialmente o enquadramento do período de 1/2/1974 a 28/2/1975 na ocupação de "servente".
Improcede o pleito, à míngua de previsão da atividade nos decretos regulamentares e, diante da ausência de documento certificador das condições agressivas, deve ser contado como tempo comum.
Pretende, ainda, o reconhecimento do exercício de atividade sob condições prejudiciais à saúde, na condição de sapateiro e montador de sapatos, junto às empresas (ativas e inativas) e períodos indicados na peça inaugural, com o fito de obter a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição.
A atividade de sapateiro, a despeito de ostentar certa carga insalubre, em virtude da exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontra previsão nos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
Assim, diante da falta de previsão na lista de ocupações, haveria a parte autora de demonstrar exposição, com habitualidade, aos agentes nocivos, via formulários padrão ou laudo técnico individualizado.
Nesse diapasão, a parte autora coligiu vários perfis profissiográficos emitidos pelas fábricas de calçados em pleno funcionamento, ou em atividade parcial, asseverando a ausência de fatores de risco ou exposição a ruídos abaixo dos limites de tolerância.
No curso da ação, foi produzida prova pericial junto às empresas ativas do segurado, a qual confirmou a presença, fundamentalmente, do agente deletério ruído acima dos limites aceitáveis.
Destarte, em relação aos períodos de 26/5/1980 a 17/11/1980, de 2/2/1981 a 20/4/1981, de 18/10/1995 a 20/12/1995, de 16/4/1996 a 11/3/1998, de 1/9/1998 a 13/10/1998, de 1/2/2001 a 14/9/2002, de 2/6/2003 a 17/7/2003 e de 7/10/2009 a 2/12/2009, pode-se afirmar, com base na vistoria in loco do expert auxiliar do juízo, que a parte autora trabalhou sob influência, habitual e permanente, a níveis de pressão sonora acima dos limites de tolerância para a época de prestação do serviço (80 dB, 90 dB e 85 dB), situação que autoriza o enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n 53.831/64 e 2.0.1 do Decreto 3.048/99.
Ainda, de 1/3/2010 a 16/8/2011 a mesma perícia judicial patenteou exposição habitual a tóxicos orgânicos, derivados de hidrocarbonetos e outros compostos de carbono, como gasolina, diesel e álcool, durante a ocupação profissional do autor como "frentista" em posto de revenda de combustíveis, situação que se subsume nos códigos 1.2.11 do anexo ao Decreto n. 53.831/64, 1.2.10 do anexo ao Decreto n. 83.080/79 e 1.0.17 do Decreto 3.048/99.
Por outro giro, o laudo judicial produzido para os interregnos remanescentes, de 29/5/1979 a 8/2/1980, de 8/2/1982 a 15/4/1991, de 2/5/1991 a 31/5/1995, de 2/11/1998 a 30/12/1998, de 2/10/2000 a 30/12/2000, de 12/9/2003 a 25/12/2003, de 12/1/2004 a 29/12/2006, de 23/10/2007 a 10/12/2007 e de 3/3/2008 a 8/6/2008, a partir de indústria paradigma (diante da inexistência das empregadoras indicadas à exordial), não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais do obreiro, com habitualidade e permanência, pois realizado com base em similaridade da empresa trabalhada pela parte autora, desprezando suas especificidades.
Com efeito, a perícia indireta deve ser vista com certa reserva, pois a escolha da empresa padrão é feita quase sempre a partir das descrições fornecidas pela própria parte autora interessada, causa suficiente a abalar sua credibilidade; ademais, não há garantia alguma de identidade das condições insalutíferas no setor de trabalho da empresa modelo avaliada, em relação à inativa, mormente diante da aferição do elemento agressivo ruído, o qual varia de ambiente laboral para ambiente laboral.
Nesse sentido (g. n.):
E nem se alegue que o laudo pericial, encomendado pelo sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP, teria a aptidão de atestar as condições prejudiciais do obreiro nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, porquanto se reporta, de forma genérica, às indústrias calçadistas da região e não enfrenta as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz com fidelidade as reais condições vivenciadas individualmente pela parte autora nos lapsos debatidos.
Em síntese, tem-se, portanto, que a insalubridade das atribuições desempenhadas pelo autor jaz assentada em conclusão pericial, subscrita por profissional legalmente habilitado, em relação aos intervalos de 26/5/1980 a 17/11/1980, de 2/2/1981 a 20/4/1981, de 18/10/1995 a 20/12/1995, de 16/4/1996 a 11/3/1998, de 1/9/1998 a 13/10/1998, de 1/2/2001 a 14/9/2002, de 2/6/2003 a 17/7/2003, de 7/10/2009 a 2/12/2009 e de 1/3/2010 a 16/8/2011, os quais devem ser enquadrados como especiais e somados aos demais incontroversos.
Não obstante o reconhecimento parcial do labor especial, estão ausentes os requisitos insculpidos nos artigos 52 e 57 da Lei n. 8.213/91 e 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC.
Assim, condeno o INSS a pagar honorários ao advogado da parte contrária, que arbitro em 7% (sete por cento) sobre o valor atualizado da causa, e também condeno a parte autora a pagar honorários de advogado ao INSS, fixados em 3% (três por cento) sobre a mesma base de cálculo.
Todavia, em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
Os honorários periciais devem ser reduzidos para R$ 234,80 (duzentos e trinta e quatro reais e oitenta centavos), de acordo com a Tabela II, do anexo I da Resolução n. 558, de 22/5/2007 do Conselho da Justiça Federal, vigente na data da perícia.
Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do autor e à remessa oficial, tida por ocorrida, para, nos termos da fundamentação desta decisão: (i) delimitar o labor especial aos lapsos de 26/5/1980 a 17/11/1980, de 2/2/1981 a 20/4/1981, de 18/10/1995 a 20/12/1995, de 16/4/1996 a 11/3/1998, de 1/9/1998 a 13/10/1998, de 1/2/2001 a 14/9/2002, de 2/6/2003 a 17/7/2003, de 7/10/2009 a 2/12/2009 e de 1/3/2010 a 16/8/2011; (ii) fixar, por consequência, a sucumbência recíproca e reduzir os honorários periciais. Mantida, de resto, a decisão impugnada.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 2DBCF936DB18581E |
| Data e Hora: | 27/09/2016 15:05:41 |
