Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1922054 / SP
0001532-28.2007.4.03.6116
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE
RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
HIDROCARBONETO. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. RECONHECIMENTO
PARCIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA,
TIDA POR INTERPOSTA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - O INSS foi condenado a reconhecer períodos de labor rural e especial. Assim, não havendo
como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame
necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula 490 do STJ.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
7 - Como prova da atividade campesina, o autor trouxe cópia de sua Certidão de Casamento,
qualificando-o como lavrador, em 10/05/1975, o que se demonstra suficiente à configuração do
exigido início de prova material.
8 - Por outro lado, o autor carreou aos autos declarações de ex-empregadores, as quais não se
prestam como início de prova por configurarem meros depoimentos testemunhais reduzidos a
termo, sem o crivo do contraditório. No mesmo sentido, não configura início de prova o
Certificado de Dispensa de Incorporação, vez que ilegível.
9 - O início de prova material foi corroborado pela prova oral colhida. A testemunha Mauro Alves
Dias afirmou conhecer o autor de longa data e que desde o ano de 1970 este trabalha para o
depoente na roça, como diarista, na colheita de algodão, arroz e milho. Relatou que ele já
trabalhou para o depoente no Sítio Santa Mariana, e que o fez até janeiro de 1975.
10 - A prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino no período de
01/01/1970 a 31/01/1975.
11 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
12 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
13 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
14 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
15 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada
até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
16 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
17 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
18 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
19 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
20 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
21 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
22 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
23 - A r. sentença de primeiro grau considerou os lapsos 07/10/1987 a 25/05/1990, 02/01/1993
a 30/11/1993, 04/07/1994 a 09/03/1995, 01/04/1995 a 30/09/1997, 01/08/1998 a 30/06/2000,
01/08/2001 a 30/05/2003, 01/11/2003 a 13/03/2006 e de 14/03/2006 a 29/09/2007 como
laborado sob condições especiais. No tocante ao lapso de 04/07/1994 a 09/03/1995, em que o
autor exerceu a função de ajudante geral junto a Robert Rammert e Cia Ltda., informa o laudo
técnico pericial elaborado em Juízo que o requerente ficava exposto de maneira habitual e
permanente a hidrocarbonetos, o que permite o enquadramento no item 1.2.10 do Decreto nº
83.080/79.
24 - Quanto ao interregno de 01/04/1995 a 30/09/1997, 01/08/1998 a 30/06/2000, em que o
autor desempenhou a função de operador de máquina junto à Manomaq. S/C Ltda., o referido
laudo aponta que ele ficava exposto a intempéries do tempo, o que inviabiliza o reconhecimento
de tal labor como especial, bem como a citada atividade não encontra enquadramento nos
Decretos que regem a matéria.
25 - Em relação aos períodos de 07/10/1987 a 25/05/1990 (trabalhador rural polivalente -
empregador Alceu Vidotti), 02/01/1993 a 30/11/1993 (operador de máquina - empregador
Reinaldo Antonio Silva), constantes da CTPS, inviável o reconhecimento pretendido, uma vez
que não é possível o enquadramento de tais atividades nos Decretos que regem a matéria. No
mesmo sentido, descabe o reconhecimento dos lapsos de 01/08/2001 a 30/05/2003 (motorista
entregador- empregador Marechal Líder Materiais de Construção); 01/11/2003 a 13/03/2006
(operador de máquina esteira- empregador Pelemaq. Terraplanagem) e de 14/03/2006 a
29/09/2007 (operador de máquina esteira - empregador Miguel Viegas Mano), por não restar
demonstrada a exposição do autor à quaisquer agentes nocivos no exercício de seu labor.
Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrado como especial apenas o período de
04/07/1994 a 09/03/1995.
26 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários
advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a
gratuidade da justiça conferida à parte autora e por ser o INSS delas isento.
27 - Apelação do INSS e remessa necessária, tida por interposta parcialmente providas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do INSS para limitar o reconhecimento da atividade especial ao lapso de 04/07/1994 a
09/3/1995, e à remessa necessária, tida por interposta, em maior extensão, também para fixar a
sucumbência recíproca, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
