Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1045220 / SP
0030962-84.2005.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
09/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE
RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADE
ESPECIAL. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. SOLDADOR. RUÍDO. RECONHECIDO.
TEMPO SUFICIENTE. BENEFÍCIO INTEGRAL CONCEDIDO. TERMO INICIAL. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DIREITO DE OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS
VANTAJOSO. EXECUÇÃO DO JULGADO SE OPTADO PELO BENEFÍCIO CONCEDIDO NA
VIA ADMINISTRATIVA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA E REMESSA
NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a reconhecer labor rural e especial, além de conceder
aposentadoria por tempo de contribuição em favor do autor. Assim, não havendo como se
apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário,
nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
7 - Reconhecido, em sentença, o labor rural no período de 01/08/1963 a 30/08/1978.
8 - Como pretenso início de prova material, o autor juntou os seguintes documentos: a) Título
de eleitor do requerente, emitido em 09/10/1964, em que consta a profissão de lavrador (fl. 30);
b) Certidão de Casamento do demandante, em 04/09/1967, na qual este é qualificado como
"lavrador" (fl. 31); c) Certificado de dispensa de incorporação, datado de 18/08/1970, no qual
consta a profissão do autor como "lavrador" (fl. 32-verso); d) Certidão de nascimento da filha do
requerente, em 19/10/1973, em que este é identificado como "lavrador" (fl. 33).
9 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido início de prova material e foi
corroborada por prova testemunhal idônea e verossímil.
10 - Desta forma, a prova oral reforça o labor no campo, e amplia a eficácia probatória dos
documentos carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino no período
de 01/08/1963 a 30/08/1978, conforme estabelecido na sentença.
11 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
12 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
13 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
14 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
15 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a
comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para
atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal
exigência na legislação anterior.
16 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
17 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
18 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
19 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
20 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
21 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
22 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
23 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
24 - Controvertida, na demanda, a especialidade dos intervalos de 18/05/1979 a 28/12/1989,
05/05/1993 a 21/07/1995 e 01/10/1996 a 10/11/1998.
25 - No que diz respeito ao período trabalhado na empregadora "Marchesan Impls e Maqs Agrs
'Tatú' S/A" entre 18/05/1979 e 28/12/1989, consoante comprova o formulário de fl. 38, o autor
exercia a função de soldador, o que autoriza o seu enquadramento no Anexo do Decreto nº
53.831/64 (código 2.5.3), bem como no Anexo II do Decreto nº 83.080/79 (código 2.5.3).
26 - Outrossim, durante o trabalho na empresa "Baldan - Implementos Agrícolas S/A", também
na profissão de soldador, o formulário de fl. 39 e laudo pericial confeccionado nos autos (fls.
219/233) informam a exposição a ruído que variava entre 86 e 94dB, nos períodos de
05/05/1993 a 21/07/1995 e 01/10/1996 a 10/11/1998.
27 - Nesse particular, é certo que, até então, vinha-se aplicando o entendimento no sentido da
impossibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade, na hipótese de submissão do
empregado a nível de pressão sonora de intensidade variável, em que aquela de menor valor
fosse inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente.
28 - Ao revisitar os julgados sobre o tema, tormentoso, percebe-se nova reflexão
jurisprudencial, a qual se adere, para admitir a possibilidade de se considerar, como especial, o
trabalho desempenhado sob sujeição a ruído em sua maior intensidade, na medida em que esta
acaba por mascarar a de menor intensidade, militando em favor do segurado a presunção de
que uma maior pressão sonora prevalecia sobre as demais existentes no mesmo setor.
29 - Assim, tendo em vista o conjunto probatório dos autos, reputam-se enquadrados como
especiais os períodos de 18/05/1979 a 28/12/1989, 05/05/1993 a 21/07/1995 e 01/10/1996 a
10/11/1998.
30 - Conforme planilha anexa, somando-se o tempo de serviço incontroverso (resumo de
documentos - fls. 40/42), ao rural e especial, reconhecidos nesta demanda, verifica-se que o
autor alcançou 37 anos, 7 meses e 18 dias de serviço na data do requerimento administrativo
(10/11/1998 - fl. 40), fazendo jus à aposentadoria deferida na origem.
31 - Em relação ao termo inicial do benefício, este deve ser mantido na data do requerimento
administrativo (10/11/1998), consoante preleciona a Lei de Benefícios, eis que os documentos
apresentados pelo autor no processo administrativo seriam suficientes para a concessão da
aposentadoria postulada.
32 - A parte autora recebe benefício de aposentadoria por idade, sendo assim, faculta-se ao
demandante a opção pela percepção do benefício que se lhe afigurar mais vantajoso.
33 - A controvérsia sobre a possibilidade de execução das prestações do benefício concedido
judicialmente na hipótese de opção pelo obtido na via administrativa, mais vantajoso, deverá ser
apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do Tema nº 1.018 pelo
E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado. Observância da
garantia constitucional da duração razoável do processo. Ressalva quanto aos honorários
advocatícios.
34 - No caso de opção pelo benefício judicial, os valores devidos por força da presente
condenação deverão ser compensados com aqueles já pagos administrativamente no período
concomitante.
35 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei
nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob
a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de
variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
36 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por
refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
37 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
38 - Apelação do INSS desprovida e remessa necessária parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, a fim de
estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados
de acordo com o mesmo Manual, assim como fixar os honorários advocatícios no percentual de
10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data
da prolação da sentença; faculta-se, ainda, ao autor a opção de percepção pelo benefício que
lhe for mais vantajoso, observando-se o acima expendido quanto à execução dos valores
atrasados, mantendo, no mais, a douta decisão de primeiro grau, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE PROFISSIONAL, INDUSTRIÁRIO, SOLDADOR.
