
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001346-32.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARDOSO NERE FILHO
Advogado do(a) APELADO: MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001346-32.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARDOSO NERE FILHO
Advogado do(a) APELADO: MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada por ANTONIO CARDOSO NERE FILHO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência, com averbação dos períodos de 24/07/2000 a 18/11/2003 e 23/07/2019 a 01/10/2019 como tempo comum e reconhecimento da especialidade das atividades exercidas nos intervalos de 19/11/2003 a 01/09/2013; 02/09/2013 a 16/01/2014; 17/01/2014 a 18/01/2015 e 07/08/2015 a 22/07/2019, desde a DER (01/10/2019). Subsidiariamente, pede a reafirmação da DER.
Deferidos os benefícios da justiça gratuita (ID 259008174).
Contestação ID 259008177 e réplica ID 259008232.
Decisão ID 259008233 determinou a realização de perícia médica no autor, cuja conclusão foi o reconhecimento de deficiência no grau leve (ID 259008292).
A r. sentença (ID 259008304) julgou o pedido inicial procedente, nos seguintes termos:
“Posto isso, ACOLHO O PEDIDO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil para determinar que os períodos de 24/07/2000 a 18/11/2003 e 23/07/2019 a 01/10/2019 sejam averbados ao tempo de contribuição do requerente, reconhecer como especial os períodos de 19/11/2003 a 18/01/2015 e 07/08/2015 a 22/07/2019, os quais deverão ser integralmente convertidos em tempo comum, e determinar a implantação da aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência NB 42/198.850.457-8, com DIB em 01/10/2019.
Os valores em atraso serão acrescidos de juros e correção monetária conforme o Manual de Cálculos da JF vigente na data da liquidação.
O pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até o dia de hoje, Verbete n. 111 do STJ, descontados os valores pagos na esfera administrativa, serão de responsabilidade do INSS.”
Em sua apelação (ID 259008308), o INSS aduziu, preliminarmente, a necessidade de submissão do feito ao reexame necessário. No mérito, impugnou o reconhecimento da especialidade dos períodos de 19/11/2003 a 18/01/2015 e 07/08/2015 a 22/07/2019, por falha no PPP na indicação da metodologia usada para mensurar o ruído e falta de identificação do engenheiro ou médico do trabalho responsável pelos registros ambientais. Alternativamente, defendeu a necessidade de se firmar a autodeclaração prevista no Anexo I da Portaria INSS nº 450/2020, a vedação de conversão de tempo especial em comum após a EC 103/19 e a alteração dos critérios de atualização monetária e juros de mora na forma da EC º 113/2021.
Com contrarrazões (ID 259008313), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001346-32.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARDOSO NERE FILHO
Advogado do(a) APELADO: MARCUS VINICIUS DO COUTO SANTOS - SP327569-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Matéria preliminar
No que diz respeito à submissão do feito ao reexame necessário, entendo que, embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício, seu valor aproximado e a data da sentença, que o valor total da condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos, estabelecida no inciso I do §3º do art. 496 do CPC/15.
Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos.
Portanto, deixo de conhecer da remessa necessária, posto que é nítida sua inadmissibilidade.
Passo ao exame do mérito.
Aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência
A parte autora pleiteia a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência.
A Constituição Federal, em seu artigo 201, § 1º, I, assim dispõe:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada;
(...)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados:
I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar;”
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
A Lei Complementar nº 142/2013 regulamentou a matéria, definindo critérios diferenciados para a aposentadoria de pessoa com deficiência segurada pelo RGPS, como idade e tempo de contribuição menores:
“Art. 2o Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Art. 3o É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.”
Até que seja editada a lei complementar requerida pelo art. 201, § 1.º, I, continuarão a ser aplicadas as disposições da Lei Complementar 142/2013, inclusive quanto ao cálculo dos benefícios (art. 22 da EC 103/2019).
Por outro lado, o Decreto nº 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social – RPPS) foi alterado pelo Decreto nº 8.145/2013, passando a dispor sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência nos seguintes termos:
“Art. 70-A. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade ao segurado que tenha reconhecido, após ter sido submetido a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, grau de deficiência leve, moderada ou grave está condicionada à comprovação da condição de pessoa com deficiência na data da entrada do requerimento ou na data da implementação dos requisitos para o benefício. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
Art. 70-B. A aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo, observado o disposto no art. 199-A e os seguintes requisitos:
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
I - aos vinte e cinco anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
II - aos vinte e nove anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e quatro anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; e
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
III - aos trinta e três anos de tempo de contribuição na condição de pessoa com deficiência, se homem, e vinte e oito anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve.
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
(...)
Art. 70-C. A aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado aos sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 1o Para efeitos de concessão da aposentadoria de que trata o caput, o segurado deve contar com no mínimo quinze anos de tempo de contribuição, cumpridos na condição de pessoa com deficiência, independentemente do grau, observado o disposto no art. 70-D. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 2o Aplica-se ao segurado especial com deficiência o disposto nos §§ 1o a 4o do art. 51, e na hipótese do § 2o será considerada a idade prevista no caput deste artigo, desde que o tempo exigido para a carência da aposentadoria por idade seja cumprido na condição de pessoa com deficiência. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
Art. 70-D. Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, a avaliação de que trata o art. 70-A deverá, entre outros aspectos:
(Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau.
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 1º A comprovação da deficiência anterior à data da vigência da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, será instruída por documentos que subsidiem a avaliação de que trata o art. 70-A, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
(Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
§ 2o A avaliação da pessoa com deficiência será realizada para fazer prova dessa condição exclusivamente para fins previdenciários.
(Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 3o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)”
A Lei Complementar 142/2013 dispõe ainda, em seus artigos 4° e 5º, que a avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do regulamento, e que o grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim. No caso do aspecto funcional, deverá ser adotado o conceito disposto na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, da Organização Mundial de Saúde, utilizando-se do IFBrA - Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria.
Como a concessão desse benefício deve levar em conta as condições físicas, mentais, intelectuais e sensoriais do segurado, é necessário avaliar, ainda, se a deficiência, assim como o seu grau, eram ou não preexistentes ao seu ingresso no RGPS. No primeiro caso, será certificada, por ocasião da primeira avaliação, a data provável de início (art. 6.º, § 1.º, da Lei Complementar 142/2013). Por outro lado, se a deficiência surgir após o ingresso do segurado no RGPS ou se o grau de deficiência se alterar durante o período de contribuição, a perícia deverá certificar seu início e eventuais mudança no seu grau (art. 7.º da Lei Complementar 142/2013).
O art. 70-E do Decreto n. 3.048/99 estabeleceu os multiplicadores aplicáveis em caso de ajuste proporcional dos parâmetros dos incisos I, II e III do caput do art. 70-B.
Por fim, o segurado com deficiência poderá utilizar os períodos de contribuição, nessa condição, para fins de contagem recíproca entre regimes previdenciários diversos. Além disso, poderá optar por qualquer outra aposentadoria prevista no RGPS, se lhe for mais vantajosa.
Aposentadoria especial
DO PERÍODO ESPECIAL. DISCIPLINA NORMATIVA.
O arcabouço normativo que conceitua e disciplina as atividades consideradas insalubres e perigosas tem origem nas primeiras legislações de proteção do trabalho e da saúde do trabalhador desde o início da República (Adicional Por Atividades e Operações Insalubres: Da origem até a NR-15, Maria Margarida Teixeira Moreira Lima, WWW.ABHO.ORG.BR, REVISTA 51).
No âmbito de toda a legislação laboral então consolidada é que foi editada a Lei n. 3.807, de 26-08-1960, a primeira Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS).
Depois de mais de três décadas da Lei Eloy Chaves, introduziu-se no ordenamento jurídico nacional, pela primeira vez, a aposentadoria especial. Dispunha o artigo 31:
“Art. 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta ) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para êsse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.”
A LOPS foi regulamentada, primeiramente, pelo Decreto nº 48.959-A, de 19-09-1960, por meio do qual foi aprovado o primeiro Regulamento Geral da Previdência Social. O Quadro II, a que se refere o artigo 65, trouxe a relação de serviços desde logo considerados penosos, insalubres ou perigosos.
O Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, introduziu nova regulamentação do artigo 31 da LOPS. O Anexo ao Decreto trouxe a relação dos agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, conforme a atividade exercida, e o quadro de ocupações consideradas especiais.
O Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, aprovou novo Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. A aposentadoria especial estava disciplinada nos artigos 60 a 64. O Anexo I trazia a relação dos agentes nocivos, conforme a atividade, e o Anexo II trazia a relação dos grupos profissionais.
Conforme se pode constatar, mais uma vez, toda a disciplina normativa da aposentadoria especial tinha como fonte primária a legislação trabalhista de proteção do trabalho e da saúde do trabalhador. A base fática (fato gerador) do benefício era o labor em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos por determinados períodos, cuja conceituação e definição legal é tomada de empréstimo de toda a legislação laboral consolidada ao longo do tempo.
Essa situação vai sofrer mudanças, quanto a definição legal de atividade especial, a partir da Constituição Federal e da nova Lei de Benefícios.
A Constituição Federal de 1988 assim dispõe:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
Art. 201.
(...).
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (Regulamento) (Vigência)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)”
I – (...).
II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
Art. 202. (...).
(...).”
Ao disciplinar como nova fonte primária e fundamental da aposentadoria especial, a Constituição Federal não alude a labor em serviços penosos, insalubres ou perigosos, como na legislação pretérita, mas, sim, a “atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar”, e, depois, a atividades exercidas “com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.”
O texto normativo constitucional adotou, portanto, nova descrição do fato gerador da aposentadoria especial. O labor em serviços penosos, insalubres ou perigosos ficou restrito como base fática e jurídica dos respectivos adicionais previstos no artigo 7º, XXIII.
No plano infraconstitucional, a aposentadoria especial está disciplinada nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24-07-1991, e nos sucessivos decretos regulamentadores.
Com fulcro e alinhado ao novo texto constitucional, a nova Lei de Benefícios, na sua redação originária do artigo 57, dispunha que a aposentadoria será devida, “uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
Em seguida, no artigo 58, estava estabelecido que a “relação deatividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica.”
O artigo 152 estabeleceu um comando endereçado ao Executivo no sentido de que “a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de 30 (trinta) dias a partir da data da publicação desta lei, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação atualmente em vigor para aposentadoria especial.”
A nova Lei de Benefícios foi logo regulamentada pelos Decretos n. 357, de 07-12-91 e 611, de 21-07-1992.
Esses Regulamentos se afastaram, contudo, do comando da lei, contido na redação originária, ao estabelecer que a inclusão e exclusão de atividades profissionais estariam a cargo do Poder Executivo, considerando, para efeito de concessão do benefício, os anexos dos antigos Decretos n. 83.080, de 24-01-79, e 53.831, de 25-03-64, até que fosse promulgada a lei que disporia sobre as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física.
A aposentadoria especial sofreu as primeiras e substanciais mudanças com a edição da Lei nº 9.032, de 28-4-95.
A primeira alteração, havida com a nova redação dada ao § 3º do artigo 57, estabeleceu uma condição para a concessão da aposentadoria especial. Passou a depender “de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado”.
Outra alteração introduzida foi a do § 4º do também artigo 57. A partir de então, para obtenção do benefício, “o segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.”
Essas alterações substanciais introduziram, portanto, nova definição da base fática e jurídica da aposentadoria especial. Além dos períodos de trabalho, desde sempre fixados de 15, 20 ou 25 anos, caberá agora comprovar que esse trabalho seja permanente, não ocasional ou intermitente, e que a exposição seja aos agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.
De se observar, por oportuno, que a Lei n. 9.032/95 somente alterou o artigo 57, restando intactos os artigos 58 e 152.
Sobreveio, então, a Medida Provisória nº 1.523, de 11-10-96, a qual, sim, alterou o “caput” do artigo 58 e lhe introduziu os §§ 1º, 2º, 3º e 4º.
A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física, então prevista no artigo 58, “caput”, para ser objeto de lei específica, acabou por dar lugar, no novo “caput”, pela relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, a ser definida pelo Poder Executivo.
No § 1º, estabeleceu-se que a “comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.”
No § 2º, estabeleceu-se que do “laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.”
O § 3º instituiu penalidade para a empresa que não mantiver o laudo técnico atualizado.
E, por fim, o § 4º estabeleceu uma nova obrigação para a empresa: “A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.”
Essa medida provisória teve várias reedições.
A Medida Provisória nº 1.596-14, de 10-11-97, que convalidou a MP 1.523-13, acabou convertida na Lei nº 9.528, de 10-12-97.
O artigo 152 somente restou revogado com a MP 1.596.
Outras alterações ainda foram introduzidas pela Lei nº 9.732, de 11-12-1998, resultado da conversão da MP 1.729, de 02-12-1998.
Tem-se, portanto, que a partir da Lei n. 9.032/95 e das MP 1.523-1, de 11-10-1996, e 1.596/97 (esta depois convertida na Lei n. 9.528/97), a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde até então prevista nos artigos 58 e 152 deu lugar à relação de agentes nocivos à saúde.
A despeito, contudo, da nova disciplina normativa introduzida pela Constituição e Lei de Benefícios, muito especialmente a partir da Lei n. 9.032/95, a caracterização da atividade especial continuou integralmente vinculada ou atrelada aos conceitos de insalubridade e periculosidade das normas trabalhistas consolidadas e normas regulamentadoras sobre proteção da saúde do trabalhador.
Prova disso é que o formulário para a comprovação da exposição aos agentes nocivos deve ser emitido pela empresa com base em laudo técnico das condições ambientais, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação trabalhista, conforme consta do § 1º do artigo 58, na redação dada pela Lei n. 9.732, de 11-12-1998.
Assim, continuou sendo considerada atividade especial, para efeito de reconhecimento do direito à aposentadoria especial ou do tempo especial, aquela assim definida a partir das Normas Regulamentadoras – NR e Normas de Higiene Ocupacional – NHO, editadas no âmbito da legislação trabalhista, as quais continuam servindo de base normativa dos agentes nocivos à saúde ou integridade física, previstos nos sucessivos decretos regulamentadores.
Nesse sentido é que nos Anexos dos diversos Regulamentos da Previdência Social sobre agentes nocivos ou ocupações profissionais tem sido feita remissão aos artigos da CLT e Portarias do MTE que disciplinavam a insalubridade.
Nos RPS editados já sob a vigência da nova Lei de Benefícios não foi diferente. Assim: Decretos 357/1991 e 611/1992 (art. 66, p. único); Decreto 2.172/1997 (art. 66, § 1º).
O atual Regulamento da Previdência Social, aprovado por meio do Decreto n. 3.048/99 (redação original), assim dispunha sobre a aposentadoria especial:
“(...).
Art. 68. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, consta do Anexo IV.
§ 1º As dúvidas sobre o enquadramento dos agentes de que trata o caput, para efeito do disposto nesta Subseção, serão resolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério da Previdência e Assistência Social.
§ 7º O Ministério da Previdência e Assistência Social baixará instruções definindo parâmetros com base na Norma Regulamentadora nº 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), Norma Regulamentadora nº 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e na Norma Regulamentadora nº 15 (Atividades e Operações Insalubres), aprovadas pela Portaria/MTb nº 3.214, de 8 de junho de 1998, para fins de aceitação do laudo técnico de que tratam os §§ 2º e 3º.”
A Portaria MTB Nº 3214, de 08-06-1978, por meio da qual foram aprovadas as “Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho”, assim dispõe:
“O Ministro de Estado, no uso de suas atribuições legais, considerando o disposto no artigo 200, da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação dada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977,
Resolve:
Art. 1º. Aprovar as Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho:
NORMAS REGULAMENTADORAS
NR-1 - Disposições gerais
(...).
NR-6 - Equipamentos de Proteção Individual - EPI
Nota LegisWeb: Ver Portaria MTB Nº 1031 DE 06/12/2018, que altera o subitem 7.4.3.5 da Norma Regulamentadora nº 07 - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, aprovada pela Portaria MTb nº 3.214/1978.
NR-7 - Exames Médicos
NR-15 - Atividades e operações insalubres
NR-16 - Atividades e operações perigosas
(...).”
A NR-15, sobre Atividades e Operações Insalubres, assim preceitua:
“15.1 São consideradas atividades ou operações insalubres as que se desenvolvem:
15.1.1 Acima dos limites de tolerância previstos nos Anexos n.º 1, 2, 3, 5, 11 e 12;
15.1.2 (Revogado pela Portaria MTE n.º 3.751, de 23 de novembro de 1990)
15.1.3 Nas atividades mencionadas nos Anexos n.º 6, 13 e 14;
15.1.4 Comprovadas através de laudo de inspeção do local de trabalho, constantes dos Anexos n.º 7, 8, 9 e 10.
ANEXOS DA NR 15
NR-15 - ANEXO 1 - LIMITES DE TOLERÂNCIA PARA RUÍDO CONTÍNUO OU INTERMITENTE
NR-15 - ANEXO 2 - LIMITES DE TOLERÂNCIA PARA RUÍDOS DE IMPACTO
NR-15 - ANEXO 3 - LIMITES DE TOLERÂNCIA PARA EXPOSIÇÃO AO CALOR
(Última modificação: Portaria MTP n° 426, de 07 de outubro de 2021) - VER TEXTO DA NR-15
NR-15 - ANEXO 4 - (REVOGADO)
NR-15 - ANEXO 5 - RADIAÇÕES IONIZANTES
NR-15 - ANEXO 6 - TRABALHO SOB CONDIÇÕES HIPERBÁRICAS
NR-15 - ANEXO 7 - RADIAÇÕES NÃO-IONIZANTES
NR-15 - ANEXO 8 - VIBRAÇÃO
(Última modificação: Portaria MTP n° 426, de 07 de outubro de 2021) - VER TEXTO DA NR-15
NR-15 - ANEXO 9 - FRIO
NR-15 - ANEXO 10 - UMIDADE
NR-15 - ANEXO 11 - AGENTES QUÍMICOS CUJA INSALUBRIDADE É CARACTERIZADA POR LIMITE DE TOLERÂNCIA E INSPEÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO
NR-15 - ANEXO 12 - LIMITES DE TOLERÂNCIA PARA POEIRAS MINERAIS
NR-15 - ANEXO 13 - AGENTES QUÍMICOS
NR-15 - ANEXO 13A - BENZENO
NR-15 - ANEXO 14 - AGENTES BIOLÓGICOS”
O ANEXO IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99, ao tratar da Classificação dos Agentes Nocivos, tem como base normativa, embora não inteiramente correspondente, os citados anexos da NR-15.
A norma previdenciária, portanto, também classifica os agentes nocivos em químicos, correspondentes aos anexos 11, 12, 13 e 13-A, físicos, correspondentes aos anexos 1 e 2 (ruído), 8 (vibrações), 5 (radiações ionizantes), 3 (temperaturas anormais) e 6 (pressão atmosférica anormal) e, por fim, biológicos, correspondentes ao anexo 14. Vale lembrar que o Regulamento também prevê a exposição a vários agentes nocivos de forma associada.
Da leitura das disposições da NR-15 e de seus anexos podem ser extraídas as seguintes conclusões:
(1) A exposição a ruído (contínuo ou intermitente ou de impacto), calor, radiações ionizantes e poeiras minerais só será considerada insalubre se acima dos limites de tolerância previstos nos respectivos anexos. Nesse caso, a avaliação é quantitativa.
(2) A exposição a radiações não-ionizantes (embora não previstas no Anexo IV do Decreto 3.048/99 como agente nocivo), vibração, frio e umidade só será considerada insalubre se assim for determinado por perícia técnica.
(3) A exposição a agentes biológicos, previstos no anexo 14, é considerada insalubre. Nesse caso, a avaliação é qualitativa.
(4) Quanto a exposição aos agentes químicos, é preciso fazer distinções.
A exposição a agentes químicos, previstos no anexo 13, será considerada insalubre, se não estiverem previstos no anexo 11. Nesse caso, previstos no anexo 13, a exposição será considerada insalubre. A avaliação também será qualitativa.
Nesse sentido, é oportuno citar importante decisão da TNU no julgamento do PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 5001319-31.2018.4.04.7115/RS, consubstanciada na tese firmada no Tema 298, sobre hidrocarbonetos, óleos e graxas.
“O presente incidente parte da premissa fixada no tema 53 de que ao menos alguns óleos e graxas são prejudiciais à saúde do trabalhador. Entretanto, avança no debate sobre se esse fato torna suficiente a simples referência a tais elementos no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) ou em outros documentos para se considerar provado o tempo especial.
Não se trata, portanto, de revisão do tema 53 da TNU, mas de questão jurídica distinta, embora conexa àquela julgada em 2012.
A formação do convencimento sobre o tema em análise, partiu de duas questões iniciais:
1. Todos os óleos e graxas são nocivos à saúde?
2. Todos os hidrocarbonetos são nocivos à saúde?
Como as respostas a ambas as perguntas foram negativas, o voto avançou para a análise sobre a necessidade de informações adicionais para a demonstração da existência de exposição a agentes nocivos, suficientes a autorizar o tratamento diferenciado na concessão do benefício.
– ÓLEOS E GRAXAS –
Na forma estabelecida pelo art. 58 da Lei 8.213/91, “a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais
à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo”.
Cumprindo a determinação legal, o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/99, elenca os agentes nocivos em seu anexo IV e afirma que as avaliações ambientais devem adotar a metodologia e os procedimentos da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO, habilitada como amicus curiae neste feito (art. 68, § 12).
Nenhum dos itens do Anexo IX do Regulamento da Previdência Social indica “óleos ou graxas” como agentes nocivos. A graxa sequer é citada no anexo, enquanto a referência a óleo encontra-se apenas nos exemplos de atividades em que há exposição a dois agentes nocivos:
(...).
Como o art. 58, § 1º da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.732/98, faz referência à legislação trabalhista, é necessário analisar as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, especialmente, a NR-15. Mais uma vez, a expressão “graxa” não é indicada e “óleo” apenas consta em exemplos de atividade com exposição a alguns agentes nocivos:
(...).
Nota-se, portanto que óleos e graxas não são agentes nocivos, mas, em alguns casos, podem conter elementos prejudiciais à saúde, como benzeno, carvão mineral, chumbo e hidrocarbonetos e outros compostos de carbono.
O termo “óleo” abrange um amplo rol de substâncias viscosas, o que inclui aquelas de origem vegetal, animal, mineral ou sintética. Já a graxa é “uma mistura pastosa, constituída por óleo mineral ou sintético e um agente espessante” (DEMOLINER, Giordano, et al. "MEDIDOR DE CONSISTÊNCIA DA GRAXA."
Anais da Mostra de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cidadania (MEPEC) 3 (2018): 86-93). Essa grande amplitude terminológica já demonstra a insuficiência da expressão “óleos e graxas” para caracterizar a atividade especial.
Mesmo quando o foco é direcionado exclusivamente a óleos de origem mineral, não há dados suficientes para concluir que a exposição caracteriza atividade especial. A Nota Técnica GSS nº 2/2022/EARJ, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (evento 45, anexo 2, p. 8) informa:
(...).
Nem mesmo as dermatoses ocupacionais, sobre as quais discorre o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) (evento 49 – Pet1) podem ser consideradas consequências necessárias da manipulação de óleos e graxas. É esclarecedora a manifestação da Associação Brasileira de Higiene Ocupacional (ABHO) (evento 33 – memoriais 3 – p. 5):
(...).
A manipulação de óleos e graxas, em tese, pode configurar atividade especial (tema 53 TNU), desde que haja prova de que tais substâncias sejam compostas por agentes nocivos à saúde. Mas a simples referência a “óleos e graxas”, ainda que de origem mineral, é insuficiente para indicar a presença de agentes nocivos.
- HIDROCARBONETOS -
Como esclarece a Nota Técnica GSS nº 001/2022 da FIRJAN (evento 46, anexo 2, p. 4):
Hidrocarbonetos são compostos químicos constituídos por átomos de carbono e hidrogênio, podendo ser de cadeias abertas ou fechadas, com ligações simples, duplas ou triplas
Há diversos grupos de hidrocarbonetos, como, por exemplo, alifáticos, cíclicos, saturados, insaturados, homogêneos e heterogêneos. Esses grupos se subdividem em várias espécies. Os alifáticos podem ser alcanos, alcenos, alcinos e alcadienos. Já os cíclicos, se dividem em ciclanos, ciclenos, ciclinos e aromáticos.
Esses últimos podem ser monocíclicos ou policíclicos.
Percebe-se que há muitos tipos de hidrocarbonetos, mas nem todos são considerados insalubres, o que já sinaliza a necessidade de especificação da espécie de hidrocarboneto a que o trabalhador foi exposto.
No anexo IV, do Regulamento da Previdência Social, por exemplo, a única referência à expressão “hidrocarbonetos” encontra-se no exemplo de atividade relacionada aos agentes nocivos petróleo, xisto betuminoso, gás natural e seus derivados, com a especificação de se tratar de hidrocarbonetos policíclicos:
(...).
É verdade que o Anexo 13 da NR-15 indica como insalubres uma série de atividades em razão da exposição a “hidrocarbonetos e outros compostos de carbono”:
(...).
Também é importante ressaltar que a TNU já afirmou que “a análise da especialidade em decorrência da exposição a agentes químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora 15, como é o caso dos hidrocarbonetos aromáticos, é qualitativa e não se sujeita a limites de tolerância, independentemente do período em que prestada a atividade” (PEDILEF 5004737-08.2012.4.04.7108 – Relator Juiz Federal Frederico Augusto Leopoldino Koehler).
Mas é fundamental destacar que o anexo 13 apenas é aplicável quando o agente nocivo não estiver contido nos anexos 11 e 12, como expressamente informa o item 1 do próprio anexo:
(...).
Em outras palavras, a avaliação qualitativa indicada no anexo 13 da NR-15 apenas se aplica aos agentes nocivos não relacionados nos anexos 11 e 12.
Esse dado é importante, pois o quadro 1 do anexo 11 da NR 15 aponta uma série de hidrocarbonetos na tabela de limites de tolerância, como, exemplificativamente:
(...).
Os hidrocarbonetos relacionados no anexo 11 da NR-15 escapam, portanto, da avaliação qualitativa indicada no anexo 13 e apenas serão considerados prejudiciais à saúde quando ultrapassados os limites de tolerância indicados na norma regulamentadora.
Sem que se especifique, portanto, a qual hidrocarboneto o segurado foi exposto, não há como concluir se sua avaliação deve ser qualitativa ou quantitativa.
Dessa forma, a menção genérica ao termo “hidrocarbonetos” não permite concluir que o trabalho foi exercido em condições especiais, seja porque é insuficiente para identificar se o elemento é potencialmente nocivo à saúde, seja porque inviabiliza a especificação do tipo de avaliação necessária: quantitativa ou qualitativa.
- TESE -
Diante da ampla gama de elementos abrangidos pelas expressões “óleos e graxas” e “hidrocarbonetos”, o seu uso é insuficiente para caracterizar a atividade especial, sendo necessária a indicação do agente nocivo específico.
A exigência se aplica a partir do Decreto 2.172/97, momento a partir do qual o ordenamento jurídico passa a indicar, com maior especificidade técnica, os agentes nocivos prejudiciais à saúde, inclusive fixando a necessidade de laudo técnico das condições ambientais do trabalho na dinâmica probatória do tempo especial.
Desse modo, proponho a seguinte tese como resposta à questão jurídica controvertida no tema 298 (a indicação genérica de exposição a "hidrocarbonetos" ou "óleos e graxas" é suficiente para caracterizar a atividade como especial?):
A partir da vigência do Decreto 2.172/97, a indicação genérica de exposição a "hidrocarbonetos" ou "óleos e graxas", ainda que de origem mineral, não é suficiente para caracterizar a atividade como especial, sendo indispensável a especificação do agente nocivo.
(...).”
Embora o Anexo IV do Regulamento expressamente disponha que somente será considerada especial a atividade com exposição a agentes nocivos acima do limite de tolerância, há inúmeras atividades em que a exposição será considerada especial, independentemente de limitação de tolerância, o que deverá ser aferido caso a caso.
Vale reiterar, ao final, a advertência de que, para fins de aposentadoria especial, não basta a insalubridade, base e fundamento do respectivo adicional, nos termos das normas trabalhistas, mas é necessário, a partir delas, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos à saúde ou integridade física, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, nos termos da legislação previdenciária de regência, restando apenas excetuados os casos de nocividade presumida por ocupação profissional.
Quanto à comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos, nos termos da lei e regulamentos em cada período, conforme acima exposto, tem-se o seguinte quadro dos períodos e dos meios de prova admitidos:
-
Até 28-04-1995.
Embora a nova Constituição não faça alusão a trabalhos penosos, insalubres ou perigosos, mas, sim, a trabalho sujeito a condições especiais que prejudicam a saúde ou integridade física, restou mantida, pela Lei de Benefícios, na sua redação originária, a regra referente a relação das atividades prejudiciais, a qual deveria ser objeto de lei específica.
Nesses termos, porque o reconhecimento da atividade especial ainda era feito com base no enquadramento por atividade profissional ou ocupação, além dos agentes nocivos especificados, a comprovação também pode ser feita com a admissão de qualquer meio de prova válido, como é o caso formulários próprios instituídos pelo INSS, e até mesmo por meio da CTPS, no caso de reconhecimento de atividade especial com base no enquadramento por categoria profissional, e, mais recentemente, por meio do PPP.
-
A partir da Lei n. 9.032, de 28-04-1995.
As novas exigências introduzidas – trabalho deve ser permanente, não ocasional nem intermitente, e a exposição deve ser a agentes nocivos prejudiciais à saúde ou integridade física – são incompatíveis com o regime anterior que permitia o reconhecimento da atividade especial também com base no enquadramento por atividade ou ocupação profissional, prevista nos anexos dos antigos decretos normativos.
Nesses termos, a comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação desses que sejam prejudiciais à saúde deve ser feita por meio dos formulários próprios do INSS, exceto para ruído e calor, em que a comprovação se dá por meio de laudo técnico, e, por fim, por meio dos PPP.
-
a partir de 10-12-1997.
A comprovação da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de condições ambientais.
Embora a Medida Provisória n. 1.523-1, e suas reedições, tenham introduzido as alterações ao artigo 58 da Lei de Benefícios, entre as quais a relativa ao formulário baseado em laudo técnico ambiental como meio de comprovação da exposição aos agentes nocivos, conforme já exposto, foi ela revogada pela MP n. 1.596/97, esta convertida na Lei n. 9.528, de 10-12-1997.
Assim, a jurisprudência acabou adotando como termo inicial da exigência de laudo técnico ambiental como meio para comprovação da atividade especial a data da Lei n. 9.528, de 10-12-1997. Nesse sentido o entendimento adotado nesta 7ª. Turma, no julgamento da Apelação Cível 5001130-92.2022.4.03.6128. Transcrevo, para registro, a seguinte parte do voto da eminente Relatora, Desembargadora Federal Inês Virgínia:
“Até 28.04.1995, a especialidade poderia ser reconhecida sem comprovação da exposição, desde que a atividade estivesse enquadrada nos decretos n° 53.831/64 ou n° 83.080/1979, sendo possível e desejável o uso de analogia, para considerar a inserção de determinada categoria profissional, aproximando os diversos grupos de trabalhadores que se enquadrem em atividades assemelhadas, a fim de evitar situações injustas, acarretando sua não aplicação.
Após 28.04.1995, com o advento da Lei 9.032/1995, o segurado passou a ter que comprovar a exposição permanente a agentes prejudiciais à saúde, de forma permanente, não ocasional nem intermitente; entendendo-se como permanente, o trabalho em que a exposição ao agente nocivo é indissociável da produção ou serviço.
As condições especiais de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico. Todavia, consoante entendimento já sufragado por esta Turma, por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
O artigo 58 da Lei 8.213/91 dispõe que cabe ao Poder Público definir quais agentes configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares consideradas exemplificativas (Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC), de que é exemplo o Decreto n. 2.172/97. Assim, se a atividade exercida pelo segurado realmente importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é possível reconhecê-la como especial.
A partir de 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário aos segurados expostos a agentes nocivos, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes mencionados.” (sublinhamos)
Ressalvo, quanto a questão, entendimento próprio no sentido de que o termo inicial da exigência deveria ser o do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, porque editado com base na Lei n. 9.032/95 e MP 1.523, com suas reedições posteriores, então em vigor, estas últimas introdutoras no novo regime jurídico da aludida exigência de formulário e laudo técnico ambiental.
Importante ressaltar que o PPP, instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, ainda, a teor de entendimento do TRF da 3ª Região, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral"(TRF-3, 8ª Turma, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, DJe: 15/05/2015 Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv. 0002587-92.2008.4.03.6111, j. 24/10/2016, DJe: 04/11/2016, Rel. Des. Fed. PAULO DOMINGUES).
No que se refere ao uso de EPI (equipamento de proteção individual), verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, j. 04/12/2014, DJe: 12.02.2015, Rel. Min. LUIZ FUX, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Portanto, a desqualificação em decorrência do uso de EPI requer prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não afastam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Caso concreto
Da análise das provas juntadas aos autos, especialmente cópia do processo administrativo do autor (ID 259008169), do qual constam, dentre outros documentos, as CTPS’s de fls. 27/35 e 54/70 e ID 259008170, fls. 01/04 e 22/49), o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 44, bem como cópia da decisão que ordenou a reintegração do autor na empresa GM SCS, e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, conclui-se que foram comprovados a existência de deficiência e o exercício da atividade especial nos períodos indicados na inicial, porquanto exercidas na presença de agentes nocivos físicos.
A sentença reconheceu os períodos comuns de 24/07/2000 a 18/11/2003 e 23/07/2019 a 01/10/2019 e a especialidade dos intervalos de 19/11/2003 a 18/01/2015 e 07/08/2015 a 22/07/2019, assim como a deficiência leve do autor desde 21/09/2011, concedendo ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência.
Em seu apelo, o INSS alega que o autor não teria cumprido os requisitos para o reconhecimento da especialidade dos períodos de 19/11/2003 a 18/01/2015 e 07/08/2015 a 22/07/2019, pois o PPP menciona a metodologia da NHO-01, mas não informa a intensidade do ruído em “NEN”, obrigatória a partir de 19/11/2003. Além disso, não houve indicação dos engenheiros ou médicos do trabalho responsáveis pelos registros ambientais. Alternativamente, pediu a juntada da autodeclaração prevista no Anexo I da Portaria INSS 450/20, a alteração dos critérios de correção e juros de mora, assim como a vedação da conversão de tempo especial em comum após a EC 103/19.
Segundo o PPP ID 259008169, fls. 7, o autor exerceu a função de Montador de Autos – A, no setor de Estruturação de Veículos da GM Brasil SCS, cujas atividades foram assim descritas:
19/11/2003 a 31/07/2009 – “Montar e ajustar itens, sub-conjuntos e/ou componentes que compõem carroceria de veículos, obedecendo fichas de especificações do produto. Utiliza ferramentas manuais, gabaritos de montagem, máquinas hidráulicas e/ou pneumáticas. Aplicar pinos, prisioneiros, utilizando máquinas portáteis elétricas, stud-weld e dispositivos localizadores. Operar ponteadeira estacionárias de solda a ponto.”
01/08/2009 em diante – “Montar e ajustar itens, sub-conjuntos e/ou componentes que compõem carroceria de veículos, obedecendo fichas de especificações do produto. Utiliza ferramentas manuais, gabaritos de montagem, máquinas hidráulicas e/ou pneumáticas.”
Mais adiante, informa a presença do agente físico ruído na intensidade de 87 dB(A) até 31/12/2014, 88,2 dB(A) de 01/01/2015 até 01/11/2016, e de 96,4 e 93,7 dB(A) de 09/11/2018 até 22/07/2019, superior, portanto, ao limite de tolerância previsto para o período, que é de 85 dB(A), com indicação da técnica de mensuração da NHO01 da FUNDACENTRO. E no campo Observações, às fls. 11, o documento informa o fornecimento de EPI’s e que a exposição do autor ao agente ruído normalizado – NEN (conforme Decreto nº 4.882/03) deu-se de forma habitual e permanente.
Quanto à alegação de falta de indicação de engenheiros ou médicos do trabalho para aferição dos registros ambientais, observo que a ausência de registro de classe profissional não impede o reconhecimento da especialidade. Caberia ao INSS provar que os profissionais apontados no PPP não são aptos a avaliar a efetiva exposição da parte autora aos agentes nocivos, o que não ocorreu.
Jurisprudência específica da Sétima Turma: ApCiv 5001552-20.2020.4.03.6134, j. 25/03/2021, Intimação via sistema: 05/04/2021, Rel. Des. Fed. INES VIRGINIA PRADO SOARES; ApelRemNec - 0000276-16.2012.4.03.6103, j. 27/05/2019, DJe: 04/06/2019, Rel. Des. Fed. CARLOS DELGADO.
Logo, devem ser considerados como especiais todos os períodos pleiteados.
Sendo o requerimento do benefício posterior à Lei Federal nº 8.213/91, deve ser aplicado o fator de conversão de 1,40, mais favorável ao segurado, como determina o artigo 70 do Decreto Federal nº. 3048/99, com a redação dada pelo Decreto Federal nº. 4.827/03.
Superadas essas questões, passo ao cálculo do benefício do autor.
Como já dito, o que se pleiteia aqui é a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência, com base no art. 201, §1.º, I, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei Complementar nº 142/2013, que assim dispõe no seu art. 3.º:
“Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I – aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II – aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III – aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV – aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.”
Perícia médica do INSS demonstrou que o autor é portador de deficiência leve desde 21/09/2011 (ID 259008292). Logo, para que faça jus ao benefício de aposentadoria, deve comprovar tempo de mínimo de contribuição de 33 (trinta e três) anos.
Por sua vez, o artigo 10 da Lei nº 142/2013 e o art. 70-F do Decreto nº 3.048/99, transcritos abaixo, tratam da impossibilidade de cumulação da redução do tempo de contribuição em razão de deficiência com aquela assegurada em caso de atividades exercidas sob condições especiais. Porém, o art. 70-F permite a utilização do multiplicador mais favorável ao segurado, conforme segue:
“Art. 10. A redução do tempo de contribuição prevista nesta Lei Complementar não poderá ser acumulada, no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.”
“Art. 70-F. A redução do tempo de contribuição da pessoa com deficiência não poderá ser acumulada, no mesmo período contributivo, com a redução aplicada aos períodos de contribuição relativos a atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 1o É garantida a conversão do tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado, inclusive da pessoa com deficiência, para fins da aposentadoria de que trata o art. 70-B, se resultar mais favorável ao segurado, conforme tabela abaixo: (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
| MULHER | |||||||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||||||
| Para 15 | Para 20 | Para 24 | Para 25 | Para 28 | |||||
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,60 | 1,67 | 1,87 | ||||
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,20 | 1,25 | 1,40 | ||||
| De 24 anos | 0,63 | 0,83 | 1,00 | 1,04 | 1,17 | ||||
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 0,96 | 1,00 | 1,12 | ||||
| De 28 anos | 0,54 | 0,71 | 0,86 | 0,89 | 1,00 | ||||
| HOMEM | |||||||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | ||||||||
| Para 15 | Para 20 | Para 25 | Para 29 | Para 33 | |||||
| De 15 anos | 1,00 | 1,33 | 1,67 | 1,93 | 2,20 | ||||
| De 20 anos | 0,75 | 1,00 | 1,25 | 1,45 | 1,65 | ||||
| De 25 anos | 0,60 | 0,80 | 1,00 | 1,16 | 1,32 | ||||
| De 29 anos | 0,52 | 0,69 | 0,86 | 1,00 | 1,14 | ||||
| De 33 anos | 0,45 | 0,61 | 0,76 | 0,88 | 1,00 | ||||
§ 2o É vedada a conversão do tempo de contribuição da pessoa com deficiência para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata a Subseção IV da Seção VI do Capítulo II. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
§ 3o Para fins da aposentadoria por idade da pessoa com deficiência é assegurada a conversão do período de exercício de atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, cumprido na condição de pessoa com deficiência, exclusivamente para efeito de cálculo do valor da renda mensal, vedado o cômputo do tempo convertido para fins de carência. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)(Revogado pelo Decreto nº 10.410, de 2020).
Dessa forma, comprovada a deficiência do autor no grau leve, deve ser aplicada o multiplicador 1,32 para os períodos em que houve concomitância com as atividades especiais.
O mesmo raciocínio vale para o tempo comum, mas com aplicação da tabela do art. 70-E do mesmo decreto. No caso, convertendo-se 35 anos de tempo comum para 33 anos pelo multiplicador 0,94:
“Art. 70-E. Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A: (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)
| MULHER | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 20 | Para 24 | Para 28 | Para 30 | |
| De 20 anos | 1,00 | 1,20 | 1,40 | 1,50 |
| De 24 anos | 0,83 | 1,00 | 1,17 | 1,25 |
| De 28 anos | 0,71 | 0,86 | 1,00 | 1,07 |
| De 30 anos | 0,67 | 0,80 | 0,93 | 1,00 |
| HOMEM | ||||
| TEMPO A CONVERTER | MULTIPLICADORES | |||
| Para 25 | Para 29 | Para 33 | Para 35 | |
| De 25 anos | 1,00 | 1,16 | 1,32 | 1,40 |
| De 29 anos | 0,86 | 1,00 | 1,14 | 1,21 |
| De 33 anos | 0,76 | 0,88 | 1,00 | 1,06 |
| De 35 anos | 0,71 | 0,83 | 0,94 | 1,00 |
§ 1º O grau de deficiência preponderante será aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão.
§ 2o Quando o segurado contribuiu alternadamente na condição de pessoa sem deficiência e com deficiência, os respectivos períodos poderão ser somados, após aplicação da conversão de que trata o caput. (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)”
Assim, convertidos os períodos na forma acima e somados ao tempo de serviço como segurado especial e aos períodos aceitos administrativamente pelo INSS, o autor atingiu mais de 33 anos de contribuição na data da DER (01/10/2019), o que lhe garante o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, na forma do art.3.º da Lei Complementar nº 142/2013, conforme planilha abaixo:
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Data de Nascimento | 24/04/1963 |
Sexo | Masculino |
DER | 01/10/2019 |
DEFICIÊNCIA PREPONDERANTE
Início | Fim | Grau | Duração |
| 21/09/2011 | Até a presente data | Leve | 12 anos, 10 meses e 25 dias |
| Tempo de deficiência total: 12 anos, 10 meses e 25 dias | |||
| Deficiência preponderante: Leve (12 anos, 10 meses e 25 dias) | |||
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (CONVERTIDO PARA A DEFICIÊNCIA PREPONDERANTE)
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Deficiência | Multiplicador deficiência | Multiplicador especial | Multiplicador aplicado | Tempo | Carência |
| 1 | ALFER MOVEIS E DECORACOES LTDA (AVRC-DEF) | 01/06/1980 | 30/06/1980 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 0 anos, 0 meses e 28 dias | 1 |
| 2 | BAR E LANCHONETE PIONEIRA LTDA | 01/08/1981 | 12/02/1982 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 0 anos, 6 meses e 0 dias | 7 |
| 3 | GARRETT MOTION INDUSTRIA AUTOMOTIVA BRASIL LTDA. (PADM-EMPR) | 01/06/1982 | 18/08/1987 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 4 anos, 10 meses e 25 dias | 63 |
| 4 | FRAM DO BRASIL LTDA (IREM-INDPEND) | 01/06/1982 | 31/12/1983 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitância | 0 |
| 5 | AUTO POSTO G PEREIRA LTDA (AVRC-DEF IREM-INDPEND) | 01/12/1989 | 31/10/1993 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 3 anos, 8 meses e 5 dias | 47 |
| 6 | EATON CORPORATION DO BRASIL (AVRC-DEF) | 16/11/1993 | 23/09/1996 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 2 anos, 8 meses e 6 dias | 35 |
| 7 | EATON LTDA (AVRC-DEF) | 16/11/1993 | 31/08/1996 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitância | 0 |
| 8 | CENTRO AUTOMOTIVO PALMEIRA LTDA | 01/02/1999 | 11/01/2000 | Sem deficiência | 0.94 | Período comum | 0.94 | 0 anos, 10 meses e 20 dias | 12 |
| 9 | GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA (IVIN-JORN-DIFERENCIADA IVIN-REINTEG IVIN-) | 24/07/2000 | 20/09/2011 | Sem deficiência | 0.94 | 1.32 | 1.32 | 14 anos, 8 meses e 22 dias | 135 |
| 10 | GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA (IVIN-JORN-DIFERENCIADA IVIN-REINTEG IVIN-) | 21/09/2011 | 22/07/2019 | Leve | 1.00 | 1.32 | 1.32 | 10 anos, 4 meses e 5 dias | 94 |
| 11 | 31 - AUXILIO DOENCA PREVIDENCIARIO (NB 6031384730) (REINTEG-PARC) | 02/09/2013 | 16/01/2014 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitância | 0 |
| 12 | GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA (IVIN-JORN-DIFERENCIADA IVIN-REINTEG IVIN-) | 23/07/2019 | 13/11/2019 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 4 meses e 8 dias Período parcialmente posterior à DER | 4 |
| 13 | GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA (IVIN-JORN-DIFERENCIADA IVIN-REINTEG IVIN-) | 14/11/2019 | 19/12/2023 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 4 anos, 1 meses e 0 dias Ajustada concomitânciaPeríodo posterior à DER | 49 |
| 14 | 31 - AUXILIO DOENCA PREVIDENCIARIO (NB 6349157242) | 22/04/2021 | 31/12/2021 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitânciaPeríodo posterior à DER | 0 |
| 15 | 31 - AUXILIO DOENCA PREVIDENCIARIO (NB 6375999875) | 01/01/2022 | 30/01/2022 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias Ajustada concomitânciaPeríodo posterior à DER | 0 |
| 16 | 94 - AUXILIO ACIDENTE (NB 6155322116) | 13/01/2015 | 30/09/2019 | Leve | 1.00 | Período comum | 1.00 | 0 anos, 0 meses e 0 dias (Auxílio-Acidente) | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade |
| Até a DER (01/10/2019) | 38 anos, 0 meses e 0 dias | 397 | 56 anos, 5 meses e 7 dias |
ANÁLISE DO DIREITO
Em 01/10/2019 (DER), o segurado tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência conforme art 3º da Lei Complementar 142/2013, porque cumpre o tempo mínimo de 33 anos de contribuição exigido pelo inciso III para a deficiência preponderante leve (tem 38 anos, 0 meses e 0 dias) e a carência de 180 contribuições exigida pelo art. 25, inc. II, da Lei 8.213/91 (tem 397 carências).
Uma vez que o cumprimento dos requisitos legais para a implantação do benefício ocorreu antes da edição de EC nº 103/2019 (de 01/10/2019), como demonstra tabela acima, pelo princípio “tempus regit actum”, não é cabível a análise da normatização posterior.
Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.
De ofício, determino que os cálculos dos juros de mora e correção monetária devem obedecer aos critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação.
Quanto ao pedido subsidiário da autarquia de que fosse juntada a autodeclaração prevista na Portaria INSS nº 450/2020, observo que trata-se de procedimento na esfera administrativa e, por conseguinte, não tem o condão de condicionar a concessão judicial de benefício.
O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993).
Por tais fundamentos, rejeito a preliminar de submissão do feito à remessa oficial e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS. Fixo, de ofício, os critérios de juros de mora e atualização monetária.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PERÍODOS COMUNS E ESPECIAIS. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA. DEFICIÊNCIA LEVE. REQUISITOS CUMPRIDOS. BENEFÍCIO DEFERIDO.
1. Preliminar de submissão do feito ao reexame necessário rejeitada.
2. O INSS reconheceu administrativamente a deficiência leve do autor a partir de 21/09/2011, impondo-se a comprovação de tempo mínimo de contribuição de 33 anos, cujo cálculo deve obedecer aos ditames do artigo 10 da Lei nº 142/2013, com os multiplicadores das tabelas dos artigos 70-E e 70-F do Decreto nº 3.048/99, conforme trate-se de período comum ou especial.
3. Reconhecida a especialidade de todos os períodos pleiteados pelo autor em razão de sua exposição, de forma habitual e permanente, ao agente físico ruído acima dos limites de tolerância.
4. Convertidos os períodos na forma exposta e somando-os ao tempo de serviço como segurado especial e aos intervalos admitidos administrativamente pelo INSS, chega-se a mais de 33 anos de tempo de contribuição na DER (01/10/2019), o que garante ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, na forma do art.3.º da Lei Complementar nº 142/2013.
5. Preliminar de submissão do feito ao reexame necessário rejeitada. Apelação do INSS a que se nega provimento. Fixação, de ofício, dos critérios de juros de mora e atualização monetária.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
