
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011025-72.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: CARLOS ELI PORTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CARLOS ELI PORTO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011025-72.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: CARLOS ELI PORTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CARLOS ELI PORTO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o reconhecimento, como especiais, de períodos laborados em condições insalubres, para fins de concessão de aposentadoria especial. Subsidiariamente, pleiteia a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com reafirmação da DER, se necessário.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade do labor exercido nos períodos de 26/10/1996 a 15/11/2008 e 3/12/2012 a 31/12/2015, condenando o INSS ao pagamento da aposentadoria por tempo de contribuição, com a DER reafirmada para a data em que implementados os requisitos do benefício previdenciário. Determinou a incidência da “correção monetária a partir do dia em que deveriam ter sido pagas e juros de mora a partir de 45 (quarenta e cinco) dias após a implantação do benefício, considerando que houve reafirmação da DER, ambos calculados nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente na fase de execução, observando-se a aplicação do INPC no lugar da TR, conforme recurso repetitivo REsp n. 1.495.146-MG, com incidência da taxa SELIC, a contar de 09.12.2021, na forma do artigo 3º da EC 113/2021.” Determinou a implantação do benefício previdenciário, no prazo máximo de 45 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00, “Tendo em vista que houve necessidade de reafirmação da DER, à luz do princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento de honorários de advogado, no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. No entanto, sopesando que o demandante é beneficiário da AJG, a cobrança remanescerá sob condição suspensiva de exigibilidade, cabendo ao credor demonstrar que houve superação da situação de insuficiência de recursos, no prazo de 5 (cinco) anos (art. 98, § 3º, CPC).”
Embargos de declaração do demandante não conhecidos.
O autor apela, requerendo o reconhecimento da atividade especial exercida no período de 8/4/1985 a 27/11/2001, com a consequente concessão da aposentadoria especial, com reafirmação da DER, se necessário. Sustenta, ainda, não ser devida a adoção do §8.º do art. 57 da Lei n.º 8.213/91.
Recurso do INSS pleiteando a atribuição de efeito suspensivo à apelação e a análise da remessa oficial. Sustenta, ainda, não ser devido o reconhecimento do caráter especial do labor, não sendo possível, portanto, a concessão do benefício previdenciário. Subsidiariamente, requer a exclusão da multa diária, a intimação da parte autora para juntar a autodeclaração prevista no Anexo I da Portaria nº 450/2020 do INSS, bem como a compensação dos valores recebidos a título de benefício inacumulável ou tutela deferida.
Informação da autarquia comunicando a implantação da aposentadoria por tempo de contribuição (Id. 285326214).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011025-72.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: CARLOS ELI PORTO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CARLOS ELI PORTO
Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE SOUZA ALMEIDA - SP478730-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, esclareça-se não ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame necessário, considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
Passa-se à análise da apelação do autor.
Não é de ser conhecido o referido recurso, visto encontrarem-se as razões nele aduzidas totalmente dissociadas dos fundamentos da sentença recorrida.
Verifica-se que a sentença não reconheceu o caráter especial da atividade exercida pelo autor, no período de 8/4/1985 a 27/11/2001, sob o fundamento de que “os cargos de “auxiliar/operador qualificado” não permitem enquadramento em categoria profissional”. Afirmou, ainda, não ser possível o reconhecimento do caráter especial do labor, por não constar do PPP a identificação do Conselho de Classe do Responsável Ambiental, não sendo possível aferir tratar-se de médico ou engenheiro de segurança do trabalho “(PPP sem médico/engenheiro responsável pelas medições)”. Ressalte-se que a 1.ª Câmara de Julgamento do CRPS deixou de prover o recurso do demandante justamente por não haver a identificação de médico ou engenheiro do trabalho. Ressalte-se, outrossim, que o juízo a quo oportunizou (Id. 285326185) a possibilidade de regularizar o PPP apresentado, tendo o requerente apresentado manifestação genérica, motivo pelo qual tal pleito foi julgado improcedente.
No entanto, o autor, em seu recurso (Id. 285326200), novamente apresenta apelação com razões genéricas, sem impugnar o fundamento adotado na sentença, qual seja, a ausência, no PPP, de identificação do Conselho de Classe do Responsável Ambiental, não sendo possível aferir tratar-se de médico ou engenheiro de segurança do trabalho.
O apelante faz considerações tão somente sobre a “metodologia de avaliação da exposição ao ruído e agentes químicos”, a existência do indicador IEAN, possibilidade de enquadramento na atividade de “operador de caldeira”, não sendo essa, no entanto, a atividade do autor no referido período de 8/4/1985 a 27/11/2001. Sustenta, ainda, a possibilidade de dispensa de laudo técnico, bastando a apresentação do PPP. Tece, ademais, considerações sobre EPI eficaz, pleiteando, ao final, a concessão da aposentadoria especial com reafirmação da DER, se necessário.
Como bem asseverado pelo juízo a quo: “Para surpresa deste juízo, mesmo alertada quanto ao julgamento do feito no estado em que se encontra em caso de descumprimento, a manifestação seguinte do autor não abordou a irregularidade do PPP ou se a empresa estava ativa, em petição genérica com repetição da tese defendida na peça inaugural.”
Dessa forma, a apelação do autor encontra-se totalmente dissociada da sentença impugnada, deixando de impugnar o fundamento adotado pelo juízo a quo para não reconhecer a atividade especial.
Com efeito, é entendimento iterativo do Superior Tribunal de Justiça, que "não pode ser conhecido o recurso cujas razões estão dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida" (in: RESP nº 834675/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, julg. 14.11.2006, v.u., DJ 27.11.2006).
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. RAZÕES DIVORCIADAS.
I- Ressente-se do pressuposto de admissibilidade recursal a apelação cujas razões se apresentam dissociadas da sentença proferida.
II- Apelação não conhecida.
(TRF 3.ª Região, 8.ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5429696-18.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 16/09/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/09/2019)
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. RAZÕES DISSOCIADAS DA DECISÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA NÃO CONHECIDA.
1. No caso vertente, mostra-se impossível o conhecimento do apelo da parte autora, pois em suas razões recursais não se insurgiu, especificamente, em relação ao motivo principal pelo qual a r. sentença não atendeu ao pleito trazido pela exordial.
2. Com efeito, incumbe ao recorrente a adequada e necessária impugnação do decisum que pretende ver reformado, com exposição dos fundamentos de fato e de direito de seu recurso, de modo a demonstrar as razões de seu inconformismo de acordo com a sentença prolatada, a teor do disposto nos artigos 1.010, II, e 1.013, §1º, ambos do CPC/2015, situação essa presente também na legislação processual anteriormente vigente.
3. Apelação da parte autora não conhecida.
(TRF 3.ª Região, 7.ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5088036-54.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 20/12/2019, Intimação via sistema DATA: 10/01/2020)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS DA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1 - As razões recursais não guardam sintonia com os fundamentos apresentados pela sentença recorrida, de modo que não merece ser conhecido o recurso.
2 - Apelação não conhecida.
(TRF 3.ª Região, 10.ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5087952-53.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 11/12/2019, Intimação via sistema DATA: 13/12/2019)
Assim, não há como possa ser conhecido o recurso do autor com razões dissociadas dos fundamentos da sentença impugnada.
Passa-se, então, à apreciação da apelação do INSS.
Inicialmente, o INSS requer, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.
Não lhe assiste razão.
A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não se coloca na hipótese dos autos.
A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória”.
Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art. 995, parágrafo único).
Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o benefício previdenciário é considerado verba alimentar.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
O art. 202 da Constituição Federal, na redação anterior ao advento da Emenda Constitucional n.º 20/98, assim prescrevia:
Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;
II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;
III – após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.
§ 1º É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher.
§ 2º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
A partir de então, o art. 201 da Carta Magna passou a dispor:
Art. 201. Omissis
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual, no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, nos seguintes termos:
Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral da previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data da publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I – contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II – contar com tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do “caput”, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;
II – omissis
§ 2º - omissis.
Contudo, acerca do estabelecimento de idade mínima para a obtenção de aposentadoria integral, que constava no projeto submetido ao Congresso Nacional, não houve aprovação daquela Casa.
Assim, a regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
Foram contempladas, portanto, hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n.º 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até a mesma data; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
Duas situações se tornam relevantes para o segurado filiado ao Regime Geral anteriormente à publicação da Emenda Constitucional n.º 20/98:
- se não reunir as condições necessárias à aposentação até 15.12.1998, deverá comprovar, para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, na modalidade proporcional, além do número mínimo de contribuições, o tempo de trabalho exigido, acrescido do pedágio legal, e contar com 53 anos de idade, se homem, ou 48 anos, se mulher;
- se cumprir os requisitos previstos no art. 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
Cabe mencionar, por fim, que, nos termos do inciso II do art. 25 da Lei n.º 8.213/91, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição depende do cumprimento de período de carência equivalente a 180 contribuições mensais. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24/07/1991, entretanto, deve-se observar o regramento contido no art. 142 do mesmo diploma legal, levando-se em conta o ano em que (...) implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL
O Decreto n.º 4.827/2003 alterou o disposto no art. 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/1999, para estabelecer que a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
Para a concessão da aposentadoria especial exigia-se, desde a Lei Orgânica da Previdência Social de 1960, o trabalho do segurado durante, ao menos, 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos, a serem assim definidos por Decreto do Chefe do Poder Executivo.
A Lei n.º 8.213/91, em seus arts. 57 e 58, conservou o arquétipo legislativo originário, dispondo que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física seria objeto de lei própria.
O campo de aplicação dos agentes nocivos associava-se ao serviço prestado e, para a concessão da aposentadoria especial, era suficiente que o segurado comprovasse o exercício das funções listadas nos anexos trazidos pela lei. O rol de agentes nocivos era exaustivo, mas exemplificativas as atividades listadas sujeitas à exposição pelo segurado, constantes dos anexos dos Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79. Perícia judicial era admitida para constatar que a atividade profissional do segurado, não inscrita nos anexos, classificava-se em perigosa, insalubre ou penosa (Súmula 198 do Tribunal Federal de Recursos).
A Lei n.º 9.032, de 28/4/1995, alterou o modelo até então vigente.
Na redação original, o art. 57 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a aposentadoria especial seria devida ao segurado que tiver trabalhado (...), conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. A Lei n.º 9.032/95, ao conferir nova redação ao referido dispositivo legal, estatuiu que a aposentadoria especial será devida (...) ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (...), conforme dispuser a lei.
O simples enquadramento da atividade profissional, conforme o disposto nos anexos do decreto regulamentador - isto é, a concessão da aposentadoria especial com base na presunção de que determinada categoria estaria sujeita a certo e correspondente agente nocivo - não mais era bastante. O segurado deveria comprovar que estava, realmente, exposto a agentes insalubres, penosos ou perigosos. E tal comprovação foi organizada pelo INSS por meio de formulário próprio, o SB 40 – ou, posteriormente, o DSS 8030.
As alterações impostas pela Lei n.º 9.032/95 somente alcançaram eficácia plena com o advento da MP n.º 1.523/96, convertida na Lei n.º 9.528, de 10/12/1997, que sacramentou a necessidade de efetiva exposição a agentes nocivos, prova a ser feita por meio de formulário e laudo. E o Poder Executivo definiu a relação dos agentes nocivos por meio do Decreto n.º 2.172/1997.
Por essa razão, exigia que, a partir de 14/10/1996, data que entrou em vigor a MP n.º 1.523/96, a comprovação do exercício da atividade em condições especiais se desse por meio de laudo técnico.
Contudo considerando o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (Petição n.º 9.194, Primeira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJe 3/6/2014), adiro à compreensão de que a exigência da apresentação do laudo técnico, para fins de caracterização da atividade especial, somente é necessária a partir de 6/3/1997, data da publicação do Decreto n.º 2.172/97.
O Decreto n.º 3.048/99, em seu art. 68, com a redação dada pelo Decreto n.º 4.032/2001, instituiu na legislação pátria o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, dispondo que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
A exigibilidade da elaboração do Perfil Profissiográfico Previdenciário foi mantida pela legislação sucedânea (art. 148 da Instrução Normativa INSS/DC n.º 84, de 17/12/2002), sendo obrigatório, para fins de validade, que dele conste a identificação do profissional responsável pela elaboração do laudo técnico de condições ambientais em que se baseia - médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45, de 6/8/2010, fazendo referência à Instrução Normativa INSS/DC n.º 99, de 5/12/2003, consta determinação, a partir de 1/1/2004, acerca da obrigatoriedade de elaboração do Perfil Profissiográfico Previdenciário, pela empresa, para seus empregados, trabalhadores avulsos e cooperados que desempenhem o labor em condições insalubres, prescrevendo que referido documento deveria substituir o formulário até então exigido para a comprovação da efetiva exposição do segurado a agentes nocivos.
Em conclusão, a caracterização e a comprovação da atividade exercida sob condições especiais devem obedecer à legislação vigente à época da prestação do serviço. Assim, tem-se que:
- para funções desempenhadas até 28/4/1995, data que antecede a promulgação da Lei n.º 9.032/95, suficiente o simples exercício da profissão, demonstrável por meio da apresentação da CTPS, para fins de enquadramento da respectiva categoria profissional nos anexos dos regulamentos;
- de 29/4/1995 a 5/3/1997, véspera da publicação do Decreto n.º 2.172/97, necessária a apresentação de formulário para a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos;
- de 6/3/1997 a 31/12/2003, data estabelecida pelo INSS, indispensável que o formulário (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) venha acompanhado do laudo técnico em que se ampara – ressalvado, a qualquer tempo, supra, que, em relação aos agentes nocivos ruído e calor, sempre se exigiu a apresentação de laudo técnico para demonstração do desempenho do trabalho em condições adversas (STJ, AgRg no AREsp 859232, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 26/4/2016);
- a partir de 1/1/2004, o único documento exigido para fins de comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos, inclusive o ruído, será o PPP, em substituição ao formulário e ao laudo técnico pericial, conforme se depreende da conjugação dos arts. 256, inciso IV, e 272, § 1.º, da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010.
No plano infralegal, em atenção ao princípio tempus regit actum, devem ser observadas as disposições contidas na normatização contemporânea ao exercício laboral:
- até 5/3/1997, os Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79, ressaltando-se que, havendo colisão entre preceitos constantes nos dois diplomas normativos, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador (STJ, REsp 412.351, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 17/11/2003);
- de 6/3/1997 a 6/5/1999, o Decreto n.º 2.172/97;
- a partir de 7/5/1999, o Decreto n.º 3.048/99.
Imperioso ressaltar que, no tocante à atividade exercida com exposição a agentes agressivos até 31/12/2003 – anteriormente, portanto, à obrigatoriedade da emissão do Perfil Profissiográfico Previdenciário –, relativamente à qual tenha sido emitido o PPP, possível dispensar-se a apresentação dos documentos outrora exigidos (CTPS, formulário e laudo técnico), conforme prescrito no § 2.º do art. 272 da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010, sendo o PPP bastante à comprovação do labor insalubre (STJ, AREsp 845.765, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 26/6/2019).
Nesse particular, registre-se o entendimento firmado no sentido de que o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado (Súmula 68 da TNU), restando preservada sua força probante desde que não haja alterações significativas no cenário laboral (TRF3, AR 5003081-85.2016.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, intimação via sistema 20/4/2018).
Acrescente-se ser razoável supor-se que os avanços tecnológicos havidos ao longo do tempo proporcionaram melhoria nas condições ambientais de labor, sendo de se inferir que, em períodos mais recentes, os trabalhadores encontram-se submetidos a situação menos agressiva se comparada àquela pretérita, a que estavam sujeitos à época da prestação do serviço (TRF3, ApCiv 6074084-54.2019.4.03.9999, 8.ª Turma, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 Judicial 1 23/4/2020).
Especificamente em relação ao agente físico ruído, a compreensão jurisprudencial é na linha de que o perfil profissiográfico previdenciário espelha as informações contidas no laudo técnico, razão pela qual pode ser usado como prova da exposição ao agente nocivo (STJ, REsp 1.573.551, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 19/5/2016).
USO DO EPI
Antes da vigência da Lei n.º 9.732/98, a utilização do Equipamento de Proteção Individual – EPI não descaracterizava o enquadramento da atividade sujeita a agentes agressivos à saúde ou à integridade física. Tampouco era obrigatória, para fins de aposentadoria especial, a menção expressa à sua utilização no laudo técnico pericial.
Contudo a partir da data da publicação do diploma legal em questão tornou-se indispensável a elaboração de laudo técnico de que conste informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
Assim, de 14/12/1998 em diante o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Havendo dúvida ou divergência acerca da real eficácia do EPI, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial, conforme restou assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na decisão proferida no ARE 664.335/SC, com repercussão geral (Relator Ministro Luiz Fux, DJe 12/2/2015).
Por ocasião desse mesmo julgamento, foi firmada, ainda, outra tese, no sentido de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, porquanto, ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.
O Decreto n.º 8.123, de 16/10/2013, exige que, do laudo técnico de condições ambientais do trabalho em que embasado o PPP, constem informações sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual, e de sua eficácia, estabelecendo, ainda, que o documento deverá ser elaborado com observância das normas editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e dos procedimentos estabelecidos pelo INSS.
A jurisprudência tem se posicionado relativamente à força probante a ser conferida a determinadas anotações constantes do PPP, que, embora lançadas em conformidade com os procedimentos regulamentares, mostram-se demasiadamente simplificadas, sendo inidôneas a afastar a nocividade do labor a que se referem.
Do mesmo modo, vem se firmando entendimento no sentido de que a ausência de determinadas informações, em razão da inexistência de campo específico para seu preenchimento, não impede a caracterização, como especial, do trabalho exercido.
Privilegia-se, nas duas situações, a proteção ao trabalhador, entendendo-se que este que não pode ser prejudicado em razão de informações unilaterais lançadas no PPP pelo empregador, tampouco em virtude da ausência de fiscalização, por parte do INSS, quanto à efetividade dos registros integrantes do documento.
A 3.ª Seção desta Corte, manifestando-se acerca dos requisitos de habitualidade e permanência da submissão a agentes nocivos, exigidos para fins de reconhecimento da natureza especial da atividade, definiu que se considera exposição permanente aquela que é indissociável da prestação do serviço ou produção do bem, esclarecendo mostrar-se despiciendo que a exposição ocorra durante toda a jornada de trabalho, mas sendo necessário que esta ocorra todas as vezes em que este é realizado.
Na sequência, firmou entendimento no sentido de que a ausência da informação da habitualidade e permanência no PPP não impede o reconhecimento da especialidade, porquanto o PPP é formulário padronizado pelo próprio INSS, conforme disposto no § 1º do artigo 58 da Lei 8.213/91, sendo de competência da autarquia a adoção de medidas para reduzir as imprecisões no preenchimento do PPP pelo empregador. Ainda, que, como os PPPs não apresentam campo específico para indicação de configuração de habitualidade e permanência da exposição ao agente, o ônus de provar a ausência desses requisitos é do INSS (AR 5009211-23.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 1 7/5/2020).
Assim, não se pode admitir que a lacuna contida no PPP resulte em prejuízo ao trabalhador, circunstância que se verificaria caso a mera ausência de menção à habitualidade e permanência da exposição ao agente nocivo impossibilitasse o reconhecimento do labor como especial.
As anotações relativas à eficácia do EPI, constantes do PPP, merecem, igualmente, algumas considerações.
Imperioso ressaltar que a tese firmada pelo STF por ocasião do julgamento do ARE n.º 664.335, em regime de repercussão geral, de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, restará descaracterizado o enquadramento da atividade como especial, não se resume a mero preenchimento formal de campo específico constante do PPP.
Nesse sentido, o pronunciamento consignado quando do julgamento da Apelação Cível 5000659-37.2017.4.03.6133 pela 9.ª Turma desta Corte, sob relatoria da Desembargadora Federal Daldice Santana, intimação via sistema datada de 28/2/2020, in verbis:
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. (grifei)
Forçoso concluir que a mera utilização de EPI ou, do mesmo modo, a simples afirmação, no PPP, por parte do empregador, acerca da eficácia do equipamento são inidôneas a descaracterizar o labor insalubre, porquanto não refletem, por si só, a comprovação de que o emprego do equipamento deu-se de forma constante e fiscalizada, tampouco que frequentemente neutralizou o agente nocivo.
Ademais, como afirmado no acórdão proferido por ocasião do julgamento da Apelação registrada sob n.º 0009611-62.2012.4.03.6102, no âmbito desta 8.ª Turma, relatada pelo Desembargador Federal Newton De Lucca (e-DJF3 Judicial 1 30/3/2020), a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Isto porque, conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado.
Desse modo, a deficiência nas informações constantes do PPP, nesse particular, torna-as pouco fidedignas, não sendo razoável transferir ao segurado o ônus dela decorrente – qual seja, a impossibilidade de reconhecimento do labor desenvolvido em condições especiais – se incumbe a terceiros a elaboração do laudo e o dever de fiscalização das efetivas condições de trabalho.
Assim, nos moldes do julgado supra mencionado (ApReeNec 0009611-62.2012.4.03.6102), resta concluir que caberá (...) ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado – que labora em condições nocivas à sua saúde – a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade.
NÍVEL MÍNIMO DE RUÍDO
Quanto ao grau mínimo de ruído, para caracterizar a atividade como especial, a evolução legislativa começa com o Decreto n.º 53.831/64, que considerou insalubre e nociva à saúde a exposição do trabalhador em locais com ruídos acima de 80 decibéis. O Decreto n.º 83.080/79, por sua vez, aumentou o nível mínimo de ruído, fixando-o para acima de 90 decibéis.
Até que fosse promulgada a lei que dispusesse sobre as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física, trataram os Decretos n.º 357/91 e n.º 611/92 de disciplinar que, para efeito de concessão de aposentadoria especial, fossem considerados os Anexos I e II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 83.080/79, e o anexo do Decreto n.º 53.831/64.
Diante da contradição existente, prevaleceu a solução mais favorável ao trabalhador, dado o fim social do direito previdenciário, considerando-se especial a atividade que o sujeitasse à ação de mais de 80 decibéis, nos termos do Decreto n.º 53.381/1964.
Com o advento do Decreto n.º 2.172, de 5/3/1997, passou-se a exigir, para fins de caracterização da atividade especial, a exposição permanente a níveis de ruído acima de 90 decibéis.
Após, o Decreto n.º 4.882, de 18/11/2003, que deu nova redação, dentre outros aspectos, ao item 2.0.1 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/99, fixou a exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 decibéis.
No que concerne à possibilidade de aplicação retroativa do Decreto n.º 4.882/2003, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.398.260/PR, 1.ª Seção, relator Ministro Herman Benjamin, DJe 05/12/2014), consolidou o entendimento no sentido de que o limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC).
FONTE DE CUSTEIO
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, apreciando o Recurso Extraordinário com Agravo n.º 664.335/SC (Relator: Ministro Luiz Fux, DJe 12/2/2015), com repercussão geral, pronunciou-se acerca de questão frequentemente suscitada pela autarquia previdenciária quando da análise de requerimentos objetivando a obtenção de aposentadoria especial, consistente na inexistência de prévia fonte de custeio, a impedir a concessão do benefício.
A ementa do julgado, no que diz respeito ao ponto em questão, restou assim redigida:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
(...)
3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos “casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”.
4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo.
5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 202.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998.
6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores.
(...).
Na oportunidade, a Corte concluiu que o deferimento do benefício em tela não implica ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88).
Esclareceu, ainda, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição.
Adotando o mesmo entendimento, os seguintes julgados desta Corte: ApReeNec 0002417-13.2014.4.03.6111 (Relator: Des. Fed. Newton De Lucca, 8.ª Turma, j. 25/3/2020), ApCiv 0001623-60.2012.4.03.6111 (Relator: Des. Fed. Luiz Stefanini, 8.ª Turma, j. 5/9/2016), ApCiv 5009452-72.2018.4.03.6183 (Relator: Des. Fed. Gilberto Jordan, 9.ª Turma, j. 14/11/2019) e ApCiv 5005794-17.2017.4.03.6105 (Relatora: Des. Fed. Inês Virgínia, 7.ª Turma, j. 27/4/2020).
Assim, descabido falar-se em impossibilidade de concessão do benefício em virtude da ausência de prévia fonte de custeio.
DO CASO DOS AUTOS
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do caráter especial da atividade desenvolvida pela parte autora, com a consequente concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
1. Período de 26/10/2006 a 15/11/2008.
Empregador: ETIG Engenharia e Comércio Ltda.
Prova(s): PPP, emitido em 14/4/2016 (Id. 285326148, pp. 5/6).
Agente(s) nocivo(s): ruído de 85,5 dB(A).
Embasamento legal: item 1.1.6 do Quadro Anexo do Decreto n.º 53.831/64, itens 2.0.1 do Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 e Decreto n.º 4.882/2003.
Conclusão: É possível o reconhecimento da atividade especial no período acima mencionado, tendo em vista a exposição a ruído acima de 85 dB(A).
2. Período de 3/12/2012 a 31/12/2015.
Empregador: Peeqflex Indústria e Comércio Ltda.
Função: Operador de caldeiras.
Prova(s): PPP (Id. 285326148, pp. 9/10).
Agente(s) nocivo(s): ruído de 87,09 dB(A) NEN.
Embasamento legal: item 1.1.6 do Quadro Anexo do Decreto n.º 53.831/64, itens 2.0.1 do Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 e Decreto n.º 4.882/2003.
Conclusão: É possível o reconhecimento da atividade especial no período acima mencionado, tendo em vista a exposição a ruído acima de 85 dB(A). Não obstante a ausência da data em que elaborado o PPP, consta do referido documento a observação referente à aferição do NEN com base em leituras realizadas em 6/4/2016, motivo pelo qual impõe-se a manutenção da sentença com relação ao reconhecimento do caráter especial do labor.
Registre-se que a simples menção de fornecimento e eficácia dos EPI’s disponibilizados ao trabalhador não tem o condão de descaracterizar a natureza insalubre do labor desenvolvido, conforme consignado anteriormente.
No que concerne à habitualidade e permanência da exposição, restaram devidamente comprovadas, porquanto evidenciada que a sujeição da parte autora aos elementos nocivos apontados nos documentos técnicos dava-se de forma indissociável ao exercício das funções por ela desempenhadas regularmente, nos moldes exigidos pela jurisprudência para fins de caracterização do labor insalubre, sendo que a 3.ª Seção desta Corte, manifestando-se acerca dos requisitos de habitualidade e permanência da submissão a agentes nocivos, exigidos para fins de reconhecimento da natureza especial da atividade, definiu que se considera exposição permanente aquela que é indissociável da prestação do serviço ou produção do bem, esclarecendo mostrar-se despiciendo que a exposição ocorra durante toda a jornada de trabalho, mas sendo necessário que esta ocorra todas as vezes em que este é realizado (TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5025547-63.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, j
Não se ignora a alegação do INSS, de inobservância da sistemática legal para medição do ruído.
De acordo com o art. 68, § 3.º, do Decreto n.º 3.048/99, que regulamentou a Lei n.º 8.213/91, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por formulário, amparado em laudo técnico elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. E o § 12 desse mesmo artigo dispõe que nas avaliações ambientais deverão ser considerados a metodologia e os procedimentos estabelecidos pela FUNDACENTRO – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho.
Ainda, quanto ao período posterior a 19/11/2003, nos termos do Decreto n.º 4.882/2003, que modificou o Decreto n.º 3.048/99, passou-se a considerar insalubre a exposição a ruído a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 decibéis.
Ressalte-se que o PPP apresentado pela parte autora foi devidamente preenchido, com base em laudo ambiental, contendo o nome do profissional responsável pelos registros ambientais ou monitoração biológica (médico ou engenheiro de segurança do trabalho), a assinatura do representante legal da empresa, a técnica utilizada e a quantidade de decibéis a que o segurado esteve exposto.
Assim, em princípio, não se verifica nenhuma irregularidade na sistemática adotada pela empresa, que pudesse colocar em dúvida a confiabilidade do método por ela empregado para aferição do nível de ruído no ambiente de trabalho.
Ora, não tendo a lei determinado a metodologia específica a ser utilizada para fins de aferição da exposição ao agente nocivo, não incumbe ao INSS fazê-lo, sob pena de extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
Além do que, o INSS se limita a alegar a não observância da sistemática legal para medição do ruído, deixando de apresentar qualquer documento que comprove o desacerto dos valores de pressão sonora, indicados pela empresa.
Nesse sentido, os julgados desta Corte: 10.ª Turma, ApReeNec - 0007103-66.2015.4.03.6126, Rel. Des. Fed. BAPTISTA PEREIRA, julgado em 11/07/2017; 8.ª Turma, ApCiv - 0002031-58.2016.4.03.6128, Rel. Des. Fed. NEWTON DE LUCCA, julgado em 03/06/2020; 9.ª Turma, ApCiv - 5016796-07.2018.4.03.6183, Rel. Des. Fed. DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 06/05/2020; 7.ª Turma, ApCiv - 5000421-94.2017.4.03.6140, Rel. Des. Fed. TORU YAMAMOTO, julgado em 02/04/2020; 7.ª Turma, ApCiv - 5007507-84.2017.4.03.6183, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 01/06/2020; 7.ª Turma, ApCiv - 5002701-82.2018.4.03.6114, Rel. Des. Fed. INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 25/05/2020; 10.ª Turma, AI - 5006809-32.2019.4.03.0000, Rel. Juíza Fed. Convocada SYLVIA MARLENE DE CASTRO FIGUEIREDO, julgado em 17/07/2019.
Conforme acima já exposto, registre-se o entendimento firmado no sentido de que o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado (Súmula 68 da TNU), restando preservada sua força probante desde que não haja alterações significativas no cenário laboral (TRF3, AR 5003081-85.2016.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, intimação via sistema 20/4/2018).
Acrescente-se ser razoável supor-se que os avanços tecnológicos havidos ao longo do tempo proporcionaram melhoria nas condições ambientais de labor, sendo de se inferir que, em períodos mais recentes, os trabalhadores encontram-se submetidos a situação menos agressiva se comparada àquela pretérita, a que estavam sujeitos à época da prestação do serviço (TRF3, ApCiv 6074084-54.2019.4.03.9999, 8.ª Turma, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 Judicial 1 23/4/2020).
Especificamente em relação ao agente físico ruído, a compreensão jurisprudencial é na linha de que o perfil profissiográfico previdenciário espelha as informações contidas no laudo técnico, razão pela qual pode ser usado como prova da exposição ao agente nocivo (STJ, REsp 1.573.551, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 19/5/2016).
Desse modo, é possível a caracterização, como insalubre, das atividades desenvolvidas nos interstícios em questão.
Assim, os períodos especial e comuns já reconhecidos administrativamente (Id. 285326154, pp 54/58 e Id. 285326151), somados ao ora declarado, superam 35 anos, a permitir a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, nos moldes da regra contida no art. 201, § 7.º, inciso I, da CF, com a redação dada pela EC n.º 20/98, com a DER reafirmada para o momento em que implementados os requisitos legais.
Consoante informação da autarquia (Id. 285326214), a aposentadoria por tempo de contribuição foi implementada com DIB em 2/6/2019 e DIP em 1.º/9/2023.
Registre-se que, no presente caso, não incide a tese firmada no Tema n.º 995/STJ, tendo em vista a ausência de cômputo de tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da presente ação (30/5/2023).
Não há que se falar em prescrição quinquenal das parcelas, considerando que o requerimento administrativo foi formulado em 2/6/2016, com recurso especial apreciado pela 1.ª Câmara de Julgamento do CRPS em 17/3/2022 (Id 285326151), tendo a presente ação sido ajuizada em 30/5/2023.
Deixa-se de apreciar o termo inicial de concessão do benefício previdenciário e efeitos financeiros, à míngua de recurso sobre tal matéria.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, com trânsito em julgado em 3/3/2020, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado.
A partir da publicação da EC n.º 113/2021, em 9/12/2021, “para fins de atualização monetária (...) e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”, ficando vedada a incidência da taxa Selic cumulada com juros e correção monetária.
No tocante à alegação de necessidade de a parte autora ser intimada para apresentar autodeclaração, não assiste razão ao INSS.
Com efeito, trata-se de procedimento da entidade autárquica no âmbito administrativo, na qual dispensa-se a determinação judicial.
No momento do cumprimento de sentença, deverão ser deduzidos os valores recebidos da aposentadoria implementada por força da tutela antecipada deferida.
No que tange à possibilidade de cobrança de astreintes do INSS, sua aplicação como meio coercitivo para o cumprimento de obrigação de fazer tem respaldo nos arts. 536, § 1.º, e 537 do Código de Processo Civil.
Em julgamentos a respeito, o Superior Tribunal de Justiça assim enfrentou o tema:
“O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que ‘ordem judicial não se discute, se cumpre’. Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis.
O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.”
(STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020184)
“A respeito do montante da multa diária, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que o valor das astreintes deve guardar relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, evitando-se, assim, o desvirtuamento da medida coercitiva, que poderia i) ser mais atrativa ao demandado, por ser a transgressão mais lucrativa que o cumprimento da obrigação (insuficiência da penalidade), ou ii) ser mais vantajosa ao demandante, que enriqueceria abruptamente às custas do réu (penalidade excessiva).
Com efeito, a multa cominatória tem por finalidade constranger o devedor a adotar um comportamento tendente à implementação da obrigação, e não servir de compensação pela deliberada inadimplência.
Assim, para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante.
A esse respeito, confiram-se: REsp nº 1.475.157/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6/10/2014, e AgRg no AREsp nº 394.283/SC, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 26/2/2016.
(...)
No julgamento do AgInt no AgRg no AREsp nº 738.682/RJ, o Ministro Luis Felipe Salomão, ao discorrer acerca dos parâmetros normalmente admitidos pela jurisprudência desta Corte Superior para fins de fixação da multa cominatória, constatou que, por vezes, eles apresentam certa incompatibilidade: (...)
Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que 'a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta' (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016).
Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss).”
(STJ, REsp 1840693/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/5/2020, DJe 29/5/2020)
Para tanto, imprescindível a devida intimação do representante legal da autarquia a respeito da decisão que fixou a referida multa, nos termos da Súmula 410 do E. STJ, assim ementada:
"A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer."
Nos termos do art. 537, § 1.º, do Código de Processo Civil, a multa pode ser excluída, ou seu valor alterado, caso se verifique insuficiente ou excessiva, bem como se o obrigado demonstre cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
A cominação de astreintes deve ser compatível com a obrigação de fazer imposta à autarquia previdenciária, já que tem como objetivo de compeli-la ao efetivo cumprimento do encargo, não podendo, entretanto, servir ao enriquecimento sem causa.
Em suma, o magistrado deve ajustar o valor e a periodicidade da multa consoante as circunstâncias concretas, com vista à obtenção do resultado específico da obrigação reclamada, mas sempre atento à razoabilidade, a fim de não fixar prazo exíguo para cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer.
Com essas considerações, passa-se a analisar o pedido de redução da multa diária.
Esta 8.ª Turma, no mesmo sentido de julgados do STJ (REsp nº 708.290/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 26/06/2007, v.u., DJ 06/08/2007), orienta-se no sentido de que a multa diária na proporção de 1/30 do benefício atende tanto a intimidação do devedor para a força cogente das decisões judiciais quanto a relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal (TRF3, AI 5020142-17.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 10/12/2020; AI 5008272-72.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. David Dantas, j. 20/10/2020; ApCiv 0000558-74.2010.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Newton de Lucca, j. 04/11/2019).
Veja-se que, fixado prazo de 30 dias para o cumprimento da determinação de implantação do benefício, caso descumprido, o INSS passaria a pagar o valor correspondente a uma prestação do benefício previdenciário a mais por mês.
Dessa forma, cabível a imposição de astreintes ao INSS, assim como a redução do valor da multa diária fixada para 1/30 do valor do benefício.
Quanto ao prazo fixado para a implantação do benefício, dispõe o art. 537 do Código de Processo Civil o seguinte:
"A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito."
Portanto, considerando-se que são normalmente necessários diversos procedimentos administrativos para cumprimento das múltiplas determinações judiciais recebidas pela autarquia, reputa-se razoável o prazo de 30 dias para cumprimento, sendo aceitável, contudo, justificadamente, a sua excepcional prorrogação em 15 dias, totalizando 45 dias, prazo previsto pelo § 5.º, do art. 41-A, da Lei n.º 8.213/91 (TRF3, ApCiv 5238202-30.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, j. 25/03/2021; AI 5024330-53.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 11/03/2021; ApCiv 5824510-46.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Newton de Lucca, j. 27/11/2019; ApCiv 5196659-81.2019.4.03.9999 , Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 23/03/2021):
“§ 5.º O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão.”
Posto isso, não conheço da apelação do autor e dou parcial provimento ao recurso do INSS para fixar a multa diária nos termos expostos, bem como determinar, no momento do cumprimento de sentença, a dedução dos valores recebidos da aposentadoria implementada por força da tutela antecipada deferida, estabelecendo os critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora, conforme fundamentação supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. IMPLEMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À APOSENTAÇÃO.
- Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço.
- A regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
- Cumpridos os requisitos previstos no artigo 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
- É assegurada a aposentadoria por tempo de contribuição, nos moldes estabelecidos pela EC n.º 20/98, ao segurado que, até a data da entrada em vigor do novo regramento, tiver vertido 35 anos de contribuição, se homem, ou 30 anos de contribuição, se mulher.
- Para o trabalho exercido até o advento da Lei n.º 9.032/95, bastava o enquadramento da atividade especial de acordo com a categoria profissional a que pertencia o trabalhador, segundo os agentes nocivos constantes nos róis dos Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79, cuja relação é considerada como meramente exemplificativa.
- Com a promulgação da Lei n.º 9.032/95 passou-se a exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos, para fins de reconhecimento da agressividade da função, através de formulário específico, nos termos da lei.
- Somente a partir da publicação do Decreto n.º 2.172/97 tornou-se legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários SB-40 ou DSS-8030.
- Legislação aplicável à época em que foram prestadas as atividades, e não a do momento em que requerida a aposentadoria ou implementadas as condições legais necessárias.
- A partir de 1/1/2004, o PPP constitui-se no único documento exigido para fins de comprovação da exposição a agentes nocivos, em substituição ao formulário e ao laudo técnico pericial.
- O PPP que contemple períodos laborados até 31/12/2003 mostra-se idôneo à comprovação da atividade insalubre, dispensando-se a apresentação dos documentos outrora exigidos.
- A deficiência nas informações constantes do PPP, no tocante à habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos e à eficácia do EPI, não faz prova, por si só, em desfavor do segurado.
- Atividades especiais comprovadas por meio de prova técnica que atesta a exposição a níveis de ruído superiores aos permitidos, consoante Decretos n.º 53.381/64, n.º 83.080/79, Decreto n.º 2.172/97 e n.º 3.048/99.
- Contando mais de 35 anos de serviço, devida a aposentadoria por tempo de contribuição, nos moldes da regra contida no art. 201, § 7.º, inciso I, da CF, com a redação dada pela EC n.º 20/98.
