
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014100-27.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIME JOSE PIRES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE QUEIROZ FERNANDES MACEDO - SP128529-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014100-27.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIME JOSE PIRES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE QUEIROZ FERNANDES MACEDO - SP128529-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda ajuizada em 20/11/2020, com pedido de teor abaixo transcrito:
1) TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA para restabelecimento do Benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição Integral (NB 184.215.873-0), e/ou concessão do Benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição (DER 04/05/2020) e/ou concessão do Benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição (NB 195.766.843-9 – DER 04/05/2020), sucessiva/subsidiariamente, inaldita altera pars.
2) O Reconhecimento dos Vínculos “Contribuinte em Dobro”, constante no CNIS, relativo ao período de 1º/09/1983 a 30/11/1983, para efeito de contagem de tempo de serviço/contribuição;
3) Restabelecimento do Benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição, NB 184.215.873-0, suspenso desde 1º/09/2019, com a declaração de inocência do Autor;
4) Declaração de Inexigibilidade dos Valores recebidos de boa-fé ou Deferimento do parcelamento da dívida em parcelas iguais e consecutivas equivalentes a 30% (trinta por cento) do valor do benefício a que teria direito, tendo em vista o caráter alimentar da renda mensal do benefício;
5) O Reconhecimento dos Períodos descritos nos itens “B” (05/12/1983 a 05/10/1988) e “C” (1º/11/1988 a 10/10/2018) como Período de Trabalho Penoso como Bancário;
6) CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO com vigência a partir da DER, qual seja, 30/09/2018, somados os períodos de contribuição relatados nos itens de “A” à “D”, com a conversão dos períodos laborados em atividades especiais, nocivas à saúde do Autor, em atividade comum, considerando como tempo de contribuição 49 (quarenta e nove) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias até a DER (30/09/2018), portanto, tempo suficiente para a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, com o pagamento das prestações vencidas desde a DER e as vincendas, acrescidas de juros de mora e correção monetária até o efetivo pagamento;
ou
7) CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO com vigência a partir da DER, qual seja, 30/09/2018, considerando como tempo de contribuição/tempo de serviço 35 (trinta e cinco) anos, 04 (quatro) meses e 17 (dezessete) dias até a DER (30/09/2018), portanto, tempo suficiente para a Aposentadoria por Tempo de Contribuição (Comum), com o pagamento das prestações vencidas desde a DER e as vincendas, acrescidas de juros de mora e correção monetária até o efetivo pagamento;
Ou
8) CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, com vigência a partir da DER, qual seja, 04/05/2020, considerando como tempo de contribuição / tempo de serviço 35 (trinta e cinco) anos, 07 (sete) meses e 17 (dezessete) dias, com o pagamento das prestações vencidas desde a DER e as vincendas, acrescidas de juros de mora e correção monetária até o efetivo pagamento;
9) INAPLICABILIDADE DO FATOR PREVIDENCIÁRIO sobre o salário de Benefício para fins de apuração da Renda Mensal Inicial, ante a sua inconstitucionalidade, de tudo fundamentado consoante os dizeres dos artigos 93, IX e §1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988..
Foi deferida parcialmente a tutela para conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, num total de 35 anos, 3 meses e 2 dias, com o cálculo de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário.
A sentença manteve a tutela de urgência e julgou parcialmente procedente a demanda, para o fim de conceder a aposentadoria por tempo de contribuição com reafirmação da DER para 31/12/2018, num total de 35 anos, 3 meses e 2 dias, com a incidência do fator previdenciário, bem como para impedir o INSS de efetuar a cobrança dos valores recebidos a título de aposentadoria sob NB 184.215.873-0. Determinou que a correção monetária deverá observar o índice do INPC no período de setembro/2006 a junho/2009 e, a partir dessa data, o IPCA-E. Juros de mora devidos à razão de 6% (seis por cento) ao ano, contados a partir da citação, nos termos do artigo 240 do Código de Processo Civil. A partir da vigência do novo Código Civil, Lei n.º 10.406/2002, deverão ser computados nos termos do artigo 406 deste diploma, em 1% (um por cento) ao mês, nesse caso até 30/06/2009. A partir de 1.º de julho de 2009, incidirão, uma única vez, até a conta final que servir de base para a expedição do precatório, para fins de juros de mora, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Sem custas para a autarquia, em face da isenção de que goza. Em face de sucumbência recíproca, condenou o INSS ao pagamento de 7% sobre o valor da condenação, com base no §§ 2º, 3º e 4º, todos do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015, considerando as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça. Por outro lado, condenou a parte autora ao pagamento de 3% sobre o valor da condenação, observando-se o disposto no artigo 98, §3º do Código de Processo Civil/2015. Ressaltou o entendimento de que os percentuais enumerados em referido artigo somente se referem à sucumbência total (e não parcial) da Fazenda Pública. Isso porque interpretar que o limite mínimo serviria para fins de sucumbência parcial poderia gerar a equivalência entre a sucumbência parcial e total ou impor condenações indevidamente elevadas mesmo em casos de considerável sucumbência da parte autora. Salientou que não se trata de compensação de honorários – o que é vedado pelo §14º do mesmo dispositivo –, uma vez que haverá pagamento de verba honorária e não simples compensação dos valores.
O INSS apela, alegando, em síntese, que o recebimento indevido de benefício deve ser ressarcido, independentemente da boa-fé no seu recebimento, pouco importando tenha a concessão advindo de erro administrativo. Aduz o uso indevido do instituto da reafirmação da DER, tendo sido concedido o benefício em data anterior ao ajuizamento da ação e com condenação do INSS ao pagamento dos juros de mora. Impugna a atualização monetária fixada na sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014100-27.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIME JOSE PIRES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANE QUEIROZ FERNANDES MACEDO - SP128529-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O compulsar dos autos revela que o autor obteve uma aposentadoria por tempo de contribuição sob NB 184.215.873-0, em 16/8/2017 (DER), sendo o benefício selecionado posteriormente para revisão de autotutela administrativa, devido ao inquérito da Polícia Federal nº 210/2018, que originou a operação Barbour, deflagrada em 26/11/2018.
As investigações “demonstraram a existência de uma organização criminosa que apresentava Perfil Profissiográfico Previdenciário — PPP - falso no requerimento de aposentadorias pretendendo comprovar períodos trabalhados em condições especiais que na realidade não existiam. Os requerimentos estariam relacionados aos funcionários de bancos públicos e privados, além de empresas de telefonia, os protocolos ocorriam por intermédio de um mesmo procurador, as concessões eram realizadas pelo• mesmo servidor e na APS de Diadema”.
No caso do autor, constatou-se que os dois Perfis Profissiográficos Previdenciários apresentados no requerimento de aposentadoria, supostamente emitidos pelos Bancos Bradesco e Santander, eram falsos, porquanto a autarquia solicitou, junto às instituições financeiras, os PPP’s verdadeiros do segurado, cujas informações são divergentes.
Ademais, observou-se que a aposentadoria foi concedida com o tempo de 38 anos, 1 mês e 28 dias, tendo sido reconhecida a especialidade, por categoria profissional, dos períodos de 1.º/11/1988 a 28/4/1995 (BANCO SANTANDER) e 5/12/1983 a 5/10/1988 (BANCO BRADESCO). Ocorre que as funções descritas nos PPP’s obtidos diretamente com os bancos eram administrativas, sem enquadramento por categoria profissional, e os PPP’s não apontaram nenhum agente nocivo.
Por conseguinte, sem os períodos convertidos, chegou-se ao total de 33 anos, 10 meses e 17 dias, insuficiente para a concessão da aposentadoria.
O autor sustentou o direito ao restabelecimento, mediante o cômputo do período de 1/9/1983 a 30/11/1983, em que consta a informação no CNIS de “contribuinte em dobro”, e sob a alegação de que foram exercidas atividades nos bancos em condições penosas.
A sentença acolheu o pedido para cômputo do período de 1.º/9/1983 a 30/11/1983, mas não reconheceu os períodos de 5/12/1983 a 5/10/1988 e 1.º/11/1988 a 10/10/2018 como especiais, concedendo a aposentadoria a partir de 31/12/2018, com base na reafirmação da DER, impedindo o INSS de efetuar a cobrança dos valores recebidos a título de aposentadoria sob NB 184.215.873-0.
Em seu recurso o INSS não impugna o reconhecimento do período de 1.º/9/1983 a 30/11/1983, mas somente a utilização, que acredita equivocada, da reafirmação da DER, pleiteando, ainda, o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, independentemente da boa-fé no seu recebimento, além de questionar os índices apontados para atualização do débito.
Assim, tem-se que o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício em 31/12/2018 é incontroverso.
Verifica-se que o autor efetuou requerimento administrativo em 16/8/2017, esse efetuado com documentos fraudulentos, que lhe garantiram a concessão, em 17/10/2017, do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 184.215.873-0, com DIB em 16/8/2017, o qual foi cessado em 1.º/9/2019.
Importante destacar que em sua defesa administrativa a parte autora afirmou que, em 2017, fez o requerimento de aposentadoria junto ao INSS através de um procurador, Sr. Adair Saar, para o qual forneceu toda a documentação necessária, salientando que trabalhara como auxiliar de escritório, e depois como caixa, sempre em atividade bancária, nunca tendo exercido qualquer atividade gráfica ou editorial, apontando que a ilicitude decorreu de conduta do agente administrativo ou do procurador, não tendo participado de qualquer fraude.
Ademais, o inquérito policial identificou a participação de Adair Saar (procurador) e do servidor do INSS Vitor Mendonça de Souza, matrícula 6892864, que foram presos, não tendo sido imputada qualquer responsabilidade ao autor.
Na defesa administrativa protocolada em 7/10/2019, o autor pleiteou, caso fosse reconhecida como indevida a aposentadoria com DIB em 17/10/2017, a concessão do benefício com DIB em 30/9/2018 (Id. 165383053 - Pág. 130), o que foi indeferido, uma vez que nessa data (30/9/2018) possuía apenas 34 anos, 9 meses e 13 dias de tempo de serviço, insuficientes à concessão pretendida.
Em 4/5/2020 efetuou novo requerimento administrativo (Id. 165383058 - Pág. 3), o qual foi indeferido pelos seguintes fundamentos: “tendo em vista que o(a) requerente está recebendo benefício no âmbito da Seguridade Social, sob no. 184.215.873-0, desde 16/08/2017.” e “Seu Benefício foi indeferido também pelo motivo 024 - Falta de tempo de contribuicao ate 16/12/98 ou ate a data de entrada do requerimento” – Id. Num. 165383058 - Pág. 80.
Note-se que conforme CNIS juntado aos autos (Id. 165383059 - Pág. 8/9) houve a cessação do pagamento do benefício NB 1842158730 no mês 9/2019. Também é relevante destacar as contribuições como contribuinte individual após a primeira aposentação (considerada fraudulenta) entre 1º/6/2018 e 31/12/2018.
Registre-se que a parte autora formulou pedido expresso na exordial, ou de restabelecimento do benefício NB 1842158730, com DIB em 17/10/2017, ou de concessão de aposentadoria desde a data dos requerimentos administrativos, em 30/9/2018 ou 4/5/2020.
No julgamento do Recurso Especial Repetitivo da Controvérsia n.º 1.727.063/SP (Tema 995), em 23/10/2019, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, o E. Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
Firmou-se o entendimento no referido Recurso Repetitivo pela possibilidade de acolher fato superveniente constitutivo do direito, atrelado à causa de pedir.
Nesse sentido, confiram-se excertos do voto do Recurso Repetitivo n.º 1.727.063/SP:
O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontre. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir.
(...)
A reafirmação da DER se mostra compatível com a exigência da máxima proteção dos direitos fundamentais, com a efetiva tutela de direito fundamental. Não se deve postergar a análise do fato superveniente para novo processo, porque a Autarquia previdenciária já tem conhecimento do fato, mercê de ser a guardiã dos dados cadastrados de seus segurados, referentes aos registros de trabalho, recolhimentos de contribuições previdenciárias, ocorrências de acidentes de trabalho, registros de empresas que desempenham atividades laborais de risco ou ameaçadoras à saúde e à higiene no trabalho.
(...)
O fato superveniente constitutivo do direito, que influencia o julgamento do mérito, previsto no artigo 493 do CPC/2015, não implica inovação, consiste, em verdade, em um tempo de contribuição, o advento da idade, a vigência de nova lei. (...)
Reafirmar a DER não implica na alteração da causa de pedir. O fato superveniente deve guardar pertinência temática com a causa de pedir. O artigo 493 do CPC/2015 não autoriza modificação do pedido ou da causa de pedir. O fato superveniente deve estar atrelado/interligado à relação jurídica posta em juízo.
(...)
Importante dizer que o fato superveniente não deve demandar instrução probatória complexa, deve ser comprovado de plano sob o crivo do contraditório, não deve apresentar contraponto ao seu reconhecimento. Assim, os fatos ocorridos no curso do processo podem criar ou ampliar o direito requerido, sempre atrelados à causa de pedir.
O fato alegado e comprovado pelo autor da ação e aceito pelo INSS, sob o crivo do contraditório, pode ser conhecido nos dois graus de jurisdição.
Consoante artigo 933 do CPC/2015, se o Relator no Tribunal constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem.
(...)
O fato superveniente a ser considerado pelo julgador, portanto, deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
Entendo não ser possível a reafirmação da DER na fase de execução. É que efetivamente precisa-se da formação do título executivo, para ser iniciada a fase de liquidação e execução.
Destarte, há possibilidade de a prova do fato constitutivo do direito previdenciário ser realizada não apenas na fase instrutória no primeiro grau de jurisdição, mas após a sentença, no âmbito da instância revisora.
Desse modo, verifica-se que, in casu, não se trata de reafirmação da DER nos moldes exatos da tese firmada por ocasião do julgamento do REsp n.º 1.727.063/SP, uma vez que não há fato superveniente à propositura da ação, não tendo o autor pleiteado a concessão do benefício quando implementados seus requisitos. O pedido foi certo: ou restabelecer a aposentadoria anterior cassada ou conceder nova aposentadoria em 30/9/2018 ou 4/5/2020, na data dos requerimentos administrativos, datas essas anteriores à propositura da ação.
Assim, a sentença incorreu em julgamento ultra petita, em vedação ao disposto nos artigos 141 e 492 do CPC.
Nesses termos, não tendo cumprido os requisitos para aposentação em 30/9/2018, a DIB deve ser fixada em 4/5/2020, conforme pleiteado na inicial.
No mais, no caso em tela não existe indício da efetiva participação do autor na fraude que resultou na concessão de sua aposentadoria, de modo que não restou demonstrado nos autos a existência de malícia ou conhecimento das irregularidades cometidas pelo requerente para conseguir o benefício previdenciário.
É importante assinalar que o inquérito policial apontou a participação de servidor do INSS, não havendo acusação contra o autor de participação nos atos de fraude praticados pela quadrilha fraudadora.
Tanto é que na sua apelação o INSS alega que o recebimento indevido de benefício deve ser ressarcido, independentemente da boa-fé no seu recebimento, pouco importando tenha a concessão advindo de erro administrativo. Em nenhum momento mencionou que o segurado havia agido de má-fé ou que participara de qualquer fraude.
A respeito da questão de fundo, o Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão de afetação cuja ementa segue transcrita:
“DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016.”
Sobreveio, em 10/3/2021, através do julgamento do REsp 1.381.734/RN (tema repetitivo 979), decisão de seguinte teor:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da
boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá
ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.381.734 - RN (2013/0151218-2). Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Órgão julgador 1ª SEÇÃO. Data do julgamento 10/3/2021. Data de publicação DJ. 23/4/2021)
Do voto do Ministro relator se infere que, face ao poder-dever da Administração Pública de rever seus próprios atos, quando eivados de vícios insanáveis, é imperativo, diante de erro administrativo no deferimento de benefícios previdenciários, instaure-se, incontinenti, processo administrativo de suspensão, respeitado o devido processo legal, em atendimento ao quanto preconizado pela Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos".
A jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que, nos casos de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, por parte da Administração Pública, ora representada pelo ente autárquico, não pode ser o beneficiário penalizado com a devolução de verba de caráter alimentar paga além do devido, irrepetível, portanto, na medida em que não é razoável imputar-lhe a necessidade de profundo conhecimento das leis previdenciárias e processuais, a indicar possível erro administrativo nos cálculos. Presume-se, destarte, a boa-fé o objetiva do beneficiário, cabendo ao ente autárquico cercar-se da cautela necessária na aplicação dos ditames normativos.
Diversa é a situação em que o recebimento indevido decorre de erro da Administração Previdenciária, em que se deve aprofundar a avaliação do quadro fático de forma a determinar se, in casu, o beneficiário “tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária”, conforme registrou o Eminente Relator, que concluiu poder-se “afirmar com segurança que o caso de erro material ou operacional, para fins de ressarcimento administrativo do valor pago indevidamente, deve averiguar a presença da boa-fé do segurado/beneficiário, concernente na sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento”.
Nesse sentido, restou aprovada tese no sentido de que “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
Como se vê, e na linha do quanto decidido pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos ao fixar a tese a que se fez referência, supra, diante de casos de erro material ou operacional, como o que ora se analisa, uma vez que não resta dúvida da participação do servidor do INSS na concessão da aposentadoria indevida, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento indevido.
Em suma, diante do reconhecimento da boa-fé do autor quanto ao recebimento e gozo de valores de benefício cujos valores ora se pretende reaver, deve o INSS arcar com os custos decorrentes do erro material/operacional verificado, de modo que a sentença, nesse tópico, merece ser mantida.
No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. DECLARATÓRIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS MEDIANTE FRAUDE. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DA PARTE AUTORA. INEXIGIBILIDADE.
1. No caso presente, diversamente das alegações do INSS, a parte autora afirma que, em 2017, contratou os serviços de um especialista em concessão de aposentadoria junto ao INSS, Sr. Adair Saar, responsável pela concessão de alguns benefícios de colegas e funcionários bancários.
2. Assim, o autor passou a cumprir as orientações e exigências feitas por ele, com o fim de ter deferida a concessão de seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
3. No caso em tela, não existe prova suficiente apontando para efetiva participação do autor na fraude que resultou na concessão de sua aposentadoria, de modo que não restou demonstrado nos autos a existência de malícia ou conhecimento das irregularidades cometidas pelo requerente para conseguir o benefício previdenciário.
4. É importante assinalar que o próprio INSS, ao analisar o processo administrativo, referente à concessão do benefício em questão, deixou claro que não havia acusação contra o autor de participação nos atos de fraude praticados pela quadrilha fraudadora.
5. Acrescento, ainda, que referido entendimento foi recentemente confirmado pelo C. STJ no julgamento do Recurso Especial n.º 1.381.734/RN, Representativo de Controvérsia (Tema 979).
6. Apelação do INSS improvida.
(TRF3R, ApCiv n.º 5004119-21.2019.4.03.6114, 8ª Turma, Relator: Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 04/04/2023, DJEN Data: 11/04/2023).
Por fim, quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, com trânsito em julgado em 3/3/2020, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado.
A partir da publicação da EC n.º 113/2021, em 9/12/2021, “para fins de atualização monetária (...) e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”, ficando vedada a incidência da taxa Selic cumulada com juros e correção monetária.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação para fixar a data do início do benefício em 4/5/2020 e fixar os critérios de atualização monetária na forma da fundamentação, supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. FIXAÇÃO DA DIB. LIMITES DO PEDIDO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS MEDIANTE FRAUDE. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ DA PARTE AUTORA. INEXIGIBILIDADE. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA.
- In casu, não se trata de reafirmação da DER nos moldes exatos da tese firmada por ocasião do julgamento do REsp n.º 1.727.063/SP, uma vez que não há fato superveniente à propositura da ação, não tendo o autor pleiteado a concessão do benefício quando implementados seus requisitos. O pedido foi certo: ou restabelecer a aposentadoria anterior cassada ou conceder nova aposentadoria em 30/9/2018 ou 4/5/2020, na data dos requerimentos administrativos, datas essas anteriores à propositura da ação.
- Não tendo cumprido os requisitos para aposentação em 30/9/2018, a DIB deve ser fixada em 4/5/2020, conforme pleiteado na inicial, em atenção aos limites do pedido.
- Aplicação da Tese 979 do mesmo Tribunal Superior - “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” – obsta o reconhecimento da repetibilidade dos valores recebidos indevidamente.
- Não demonstrada a má-fé da parte autora e considerando o caráter alimentar do benefício, deve ser aplicado o princípio da irrepetibilidade dos valores pagos pelo INSS.
- Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, com trânsito em julgado em 3/3/2020, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado. A partir da publicação da EC n.º 113/2021, em 9/12/2021, “para fins de atualização monetária (...) e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente”, ficando vedada a incidência da taxa Selic cumulada com juros e correção monetária.
- Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL