
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5168144-65.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VILSON BELCHIOR
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5168144-65.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VILSON BELCHIOR
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural (30/1/1973 a 30/11/1991) e da atividade especial exposta a “calor solar na atividade de trabalhador rural desde 30 de janeiro de 1973 até 30 de novembro de 1991 e do período posterior de labor rural registrado em CTPS.”
O juízo a quo acolheu a preliminar de coisa julgada suscitada em contestação e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. V, do CPC. Condenou o requerente ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, observado, contudo, o disposto no art. 98, § 3.º, do CPC. Por considerar o autor litigante de má-fé, condenou-o ao pagamento de multa fixada em 10% sobre o valor da causa, não abrangida pela gratuidade.
O autor apela, sustentando, em síntese, a não ocorrência de coisa julgada e da litigância de má-fé.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5168144-65.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VILSON BELCHIOR
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
Nos termos do art. 502 e art. 337, §1º, §2º e §4º, ambos do CPC, ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito não mais sujeita a recurso.
Conforme se verifica dos documentos juntados aos autos, o autor ajuizou perante o Juizado Especial Federal de São João da Boa Vista/SP, em 9/12/2016, a ação n.º 0002390-39.2016.4.03.6344, na qual formulou o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural (30/1/1973 a 30/11/1991) e da atividade especial, exposta a calor solar, na atividade de trabalhador rural desde o ano de 1973 a novembro de 1991, bem como do período posterior de labor rural registrado em CTPS, consoante trecho abaixo reproduzido (Id. 203928283):
“(...)
2. POR TODO O EXPOSTO, respeitosamente, requer a Vossa Excelência, que se digne em julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a presente ação reconhecendo O DIREITO DA AVERBAÇÃO DO TEMPO DE ATIVIDADE RURAL ANTERIOR A NOVEMBRO DE 1991 DESDE O ANO DE 1973 ATÉ NOVEMBRO DE 1991, sem registro MEDIANTE FORTE INDÍCIO MATERIAL que será corroborado com PROVA TESTEMUNHAL, para assim, condenar a Requerida a conceder e implantar o benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INTEGRAL INDEPENDENTE DE IDADE MÍNIMA OU “PEDÁGIO”, desde a citação, com fulcro nos argumentos supra expendidos, condenando a Requerida em custas, despesas processuais e honorários advocatícios como medida de inteira e salutar Justiça!
3. POR TODO O EXPOSTO, respeitosamente, requer a Vossa Excelência, que se digne em julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a presente ação reconhecendo O DIREITO DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM mediante a utilização do fator multiplicador 1.4 (através da realização de PROVA PERCIAL que desde já se requer), eis que o Autor FICOU EXPOSTO PERMANENTEMENTE COM AGENTES AGRESSIVOS À SAÚDE – CALOR EXCESSIVO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA (INCLUSIVE EM AMBIENTE EXTERNO COM CARGA SOLAR) desde o ano de 1973 até os dias atuais para assim, condenar a Requerida a conceder e implantar o benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INTEGRAL INDEPENDENTE DE IDADE MÍNIMA OU “PEDÁGIO”, desde a citação, com fulcro nos argumentos supra expendidos, condenando a Requerida em custas, despesas processuais e honorários advocatícios como medida de inteira e salutar Justiça!” (grifos no original)
Na ação supra mencionada, a sentença considerou precluso o pedido de produção de prova pericial, sob o fundamento de que o “pleito para realização de perícia para constatação dos períodos especiais teve sua análise postergada (Anexo 25) e a parte autora nada reiterou por ocasião da audiência de instrução e julgamento, mencionando o seu desinteresse na produção probatória adicional. Sendo assim, deve o processo ter sua regular continuidade com a prolação de sentença de mérito.” No mérito, julgou improcedente o pedido (Id. 283928284).
A Sétima Turma Recursal do Juizado Especial Federal Cível da 3.ª Região rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa, indeferindo a produção da prova pericial e, no mérito, deu parcial provimento ao recurso do autor apenas para “reconhecer como especiais os períodos de 13/01/ 1982 a 08/05 1982, laborado na empresa Virgolino de Oliveira S/A Açúcar e Àlcool; de 13/01/1992 a 11/04/1992, 13/04/1992 a 12/12/1992, 04/01/1993 a 17/04/1993, e de 19/04/1993 a 04/12/1993, laborados na empresa Dedini S/A Agro Indústria”, sob o fundamento de que “os trabalhadores rurais que exercem atividades agrícolas como empregados em empresas agroindustriais e agrocomerciais, fazem jus ao cômputo de suas atividades como tempo de serviço especial” (Id. 203928285).
O referido acórdão transitou em julgado em 12/3/2018 (Id. 203928287).
Na presente ação, ajuizada perante a 1.ª Vara da Comarca de Vargem Grande do Sul/SP, em 13/3/2018, o autor requer a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural (30/1/1973 a 30/11/1991) e da atividade especial exposta a “calor solar na atividade de trabalhador rural desde 30 de janeiro de 1973 até 30 de novembro de 1991 e do período posterior de labor rural registrado em CTPS.”
Sustenta o apelante, em síntese, que “o PEDIDO DE ESPECIALIDADE RURAL não foi corretamente apreciado pelo Juizado Federal, eis que o DIREITO À PERICIA JUDICIAL LHE FOI NEGADO, possuindo, portanto, o Autor, direito a NOVO PEDIDO PARA A CORRETA APRECIAÇÃO DA ESPECIALIDADE RURAL NA CONCESSÃO DE SUA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO!!! A R. Sentença do PROCESSO ANTERIOR – FLS. 107 DOS AUTOS, Nobre Excelência, se pautou na FALTA DE PROVA MATERIAL do labor rural, apenas reconhecendo o LABOR RURAL CONSTANTE NA CTPS DO APELANTE antes de Novembro de 1991 – SEQUER APRECIANDO A PROVA TESTEMUNHAL” (Id. 203928315).
Alega, ainda, ser necessária a elaboração de prova pericial e apreciação da prova testemunhal produzida na ação anteriormente ajuizada, devendo ser observado, outrossim, o precedente firmado no Recurso Especial n.º 1.352.721/SP.
Da análise dos autos acima mencionados, constata-se a existência de identidade de partes, causa de pedir e pedido, tendo em vista que o demandante requereu, em ação anterior, a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento das atividades rurais e especiais referentes aos mesmos períodos e agente nocivo (enquadramento por categoria profissional e exposição a calor decorrente da radiação solar).
Ressalta-se que o aresto proferido na ação anteriormente ajuizada transitou em julgado em 12/13/2018 (Id. 203928287).
Deveria o autor ter ingressado com o recurso cabível na ação anterior, a fim de que o pedido formulado na petição inicial fosse integralmente deferido, inclusive no que tange aos pedidos de produção de prova pericial e consideração da prova testemunhal produzida, sendo defeso o ingresso de nova ação, em especial, no dia imediatamente posterior ao trânsito em julgado.
Dessa forma, impõe-se a aplicação do disposto no art. 508 do Código de Processo Civil:
“Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.”
Nesse sentido, transcrevo julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. COISA JULGADA. AÇÃO DECLARATÓRIA. MODIFICAÇÃO. DESCABIMENTO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem o firme entendimento de que, ‘transitada em julgado a decisão de mérito, devem ser consideradas deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido, não sendo possível a relativização da coisa julgada, em virtude da eficácia preclusiva da coisa julgada material' (AgInt no AREsp n. 1.825.446/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 17/2/2023.)
2. Caso em que o Tribunal de origem considerou a pretensão fulminada pela eficácia preclusiva da coisa julgada, nos termos dos arts. 508 do CPC/2015 (antigo 474 do CPC/1973), ao fundamento de que a parte autora deveria ter postulado a alteração da data de início do benefício em sede recursal na demanda anterior, mas não o fez.
3. O fato de o julgamento do Tema 995 do STJ somente ter ocorrido em 2019 não socorre ao recorrente, porquanto a prática da reafirmação da DER era permitida pela própria autarquia, conforme disposto no art. 457, § 4º, da Instrução Normativa n. 84, de 17/12/2002 (atualmente previsto no art. 577 da IN n. 128/2022).
4. Agravo interno desprovido.”
(AgInt. no AgInt. no AREsp. n.º 1.208.838/RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 2/10/2023.)
Ressalte-se que o Tema 629/STJ (Recurso Especial Repetitivo n.º 1.352.875/SP), mencionado pelo recorrente, não se aplica ao presente caso, à míngua da apresentação de novas provas materiais do labor rural ou alegação de fatos novos.
Em verdade, discordante do encaminhamento dado pelo órgão julgador na ação anteriormente ajuizada perante o Juizado Especial Federal de São João da Boa Vista/SP (0002390-39.2016.4.03.6344), o que se tem é o autor pretendendo sua rediscussão nos presentes autos, vedada pelo art. 508 do CPC acima mencionado.
No que concerne à condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé, não merece reforma a sentença proferida.
Como bem asseverado pelo juízo a quo: “Não se pode admitir que, por vias oblíquas, o autor venha tentar alterar a coisa julgada que não lhe foi favorável, o que, aliás, tem ocorrido com uma certa frequência nesta Comarca. Outrossim, constata-se que o trânsito em julgado do V. Acórdão ocorreu em 12 de março de 2018 (fls. 117) e já no dia seguinte (13 de março de 2018), sem o menor constrangimento (para se dizer o mínimo), o autor, representado pelo mesmo advogado que o representou no Juizado Especial Federal de São João da Boa Vista (autos n. 0002390-39.2016.4.03.6344) distribuiu esta ação. Verifica-se, portanto, situação que conduz à extinção sem resolução do mérito. Por fim, é mesmo o caso para condenar o autor às penas decorrentes da litigância de má-fé, eis que, ao pretender rediscutir questão acobertada pelo manto da coisa julgada, o autor tentou alterar a verdade dos fatos e induzir em erro o julgador (CPC, artigo 80, I, II, V)” (Id. 203928310).
Com efeito, da leitura da petição inicial, verifica-se que o autor não informou sobre a ação anteriormente ajuizada, justificando, ao revés, o ingresso da presente ação na comarca de competência delegada sob o fundamento de que o Juizado Especial Federal não admite a produção de prova pericial “por ser prova complexa, incompatível com a Sistemática dos Juizados Especiais, não possuindo outra alternativa, senão, em ingressar com a presente demanda nesta R. Vara Cível, por ser medida de Justiça! E mais, Nobre Excelência, em caso de improcedência da demanda perante as Turmas Recursais, não será possível o(a) Autor(a) se socorrer de Ação Rescisória (Enunciado 44 do FONAJEF), nem de Recurso Adesivo (Enunciado 59 do FONAJEF) e pior, nos termos da SÚMULA 640 DO STF, somente será cabível o RECURSO EXTRAORDINÁRIO contra as decisões proferidas por Turma Recursal, e somente quando envolver questão constitucional com a necessidade da comprovação da repercussão geral, o que, obviamente, caracteriza um enorme cerceamento de defesa ao(à) Autor(a) na hipótese de distribuir a presente demanda perante a Justiça Federal” (Id. 203928272).
Observa-se que o demandante, na verdade, alterou a verdade dos fatos, pois já havia ingressado com anterior ação judicial perante o Juizado Especial Federal de São João da Boa Vista/SP, tendo sido expressamente indeferida a produção da prova pericial, não em razão de se tratar de “prova complexa incompatível com a Sistemática dos Juizados Especiais”, mas sim sob o fundamento de que a “parte autora nada reiterou por ocasião da audiência de instrução e julgamento, mencionando o seu desinteresse na produção probatória adicional” (Id. 203928284).
Outrossim, afirmou na exordial que, “em caso de improcedência da demanda perante as Turma Recursais” não seria possível o ingresso de ação rescisória e recurso adesivo. Entretanto, conforme acima já consignado, a Turma Recursal já havia apreciado o recurso interposto pelo autor, cujo acórdão transitou em julgado no dia imediatamente anterior ao ajuizamento da presente demanda.
Dessa forma, impõe-se a manutenção da sentença proferida.
Tratando-se de sentença publicada na vigência da Lei n.º 13.105/2015, cabível o arbitramento de honorários recursais (Enunciado Administrativo n.º 7 do STJ).
Assim, tendo em vista o não provimento do recurso, os honorários fixados pelo juízo a quo devem, in casu, ser majorados em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC, observando-se a gratuidade da justiça deferida.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do autor, majorando-se os honorários recursais nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. ATIVIDADE ESPECIAL. COISA JULGADA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
- Nos termos do art. 502 e art. 337, §1º, §2º e §4º, ambos do CPC, ocorre coisa julgada material quando se reproduz ação idêntica à outra - mesmas partes, pedido e causa de pedir - já decidida por sentença de mérito não mais sujeita a recurso.
- Quando do ajuizamento dos presentes autos, já havia ocorrido o trânsito em julgado da ação n.º 0002390-39.2016.4.03.6344.
- Constata-se a existência de identidade de partes, causa de pedir e pedido, tendo em vista que o demandante requereu, em ação anterior, a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento das atividades rurais e especiais referentes aos mesmos períodos e agente nocivo (enquadramento por categoria profissional e exposição a calor decorrente da radiação solar).
- Deveria o autor ter ingressado com o recurso cabível na ação anterior, a fim de que o pedido formulado na petição inicial fosse integralmente deferido, inclusive no que tange aos pedidos de produção de prova pericial e consideração da prova testemunhal produzida, sendo defeso o ingresso de nova ação.
- Litigância de má-fé configurada, devendo ser mantida a condenação do autor ao pagamento da multa imposta na sentença.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA
