Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6087456-70.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
20/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL.
RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS
PREENCHIDOS. CONSECTÁRIOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- Conjunto probatório suficiente ao reconhecimento do labor rural requerido,independentemente
do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, §
2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.48/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o
enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n.
9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Laudo técnico judicial atestou o exercício dos ofícios de “auxiliar de cozinha” e de “copeira” em
ambiente hospitalar, com exposição a agentes biológicos infectocontagiosos, em razão do contato
com pacientes - fato que permite o enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do
Decreto n. 53.831/64, 1.3.4 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e itens 3.0.1 dos anexos dos
Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99.
- A parte autora preenche os requisitos necessáriosà concessão daaposentadoria por tempo de
contribuição integralrequerida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
O termo inicial do benefício corresponde à data do requerimento na via administrativa.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Fica o INSS condenado a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já
aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença),
consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia,
na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
- A autarquia previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6087456-70.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SONIA APARECIDA VALVERDE GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, ELIZELTON
REIS ALMEIDA - SP254276-A, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA - SP185933-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SONIA APARECIDA
VALVERDE GONCALVES
Advogados do(a) APELADO: ELIZELTON REIS ALMEIDA - SP254276-A, GUILHERME
DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA -
SP185933-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6087456-70.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SONIA APARECIDA VALVERDE GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, ELIZELTON
REIS ALMEIDA - SP254276-A, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA - SP185933-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SONIA APARECIDA
VALVERDE GONCALVES
Advogados do(a) APELADO: ELIZELTON REIS ALMEIDA - SP254276-A, GUILHERME
DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA -
SP185933-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
AExma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: Trata-se de ação de conhecimento
proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de labor rural e de
atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer o labor rural
desempenhado, sem registro em CTPS, nos interstícios intercalados aos períodos anotados em
carteira, durante o intervalo estabelecido entre 1º/8/1984 e 19/5/1991; (ii) determinar a
sucumbência recíproca.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual requer o reconhecimento da
atividade rural até 1994, bem como pleiteia o enquadramento dos intervalos de 1º/8/2004 a
10/2/2006 e de 1º/7/2007 a 2/3/2017. Pugna, ainda, pela concessão do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (2/3/2017
DER).
Também não resignado, o INSS interpôs apelação, na qual sustenta a impossibilidade do
reconhecimento do labor rural efetuado.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6087456-70.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SONIA APARECIDA VALVERDE GONCALVES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: GUILHERME DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, ELIZELTON
REIS ALMEIDA - SP254276-A, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA - SP185933-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SONIA APARECIDA
VALVERDE GONCALVES
Advogados do(a) APELADO: ELIZELTON REIS ALMEIDA - SP254276-A, GUILHERME
DEMETRIO MANOEL - SP376063-N, MARCIO NEIDSON BARRIONUEVO DA SILVA -
SP185933-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: Os recursos atendem aos pressupostos
de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser:"(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência."(AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, oSuperior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
A parte autora pretende o reconhecimentodaatividade agrícola desenvolvida durante os
interstícios intercalados aos períodos anotados em carteira, durante o intervalo estabelecido entre
1º/8/1984 e 1º/9/1994.
Nosautos, há início razoável de prova material, consubstanciado nas cópias da CTPS da autora,
que atestam o exercício deatividade agrária de 1984 a 1994.
Para completar a prova do trabalho rural, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório,
corroboraram o mourejo asseverado, estando esclarecidos na r. sentença.
Saliente-se que, consoante entendimento desta Nona Turma, é possível o reconhecimento do
tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Todavia, cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou
na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da
legislação previdenciária em comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos
previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla
a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição.
Assim,in casu, entendo demonstrado o labor rural desempenhado nos interstíciosde 17/11/1984 a
27/5/1985, de 6/8/1985 a 23/3/1986, de 5/6/1986 a 8/6/1986, de 1º/11/1986 a 10/11/1986, de
10/5/1987 a 18/5/1987, de 16/11/1987 a 1º/12/1987, de 1º/5/1988 a 22/5/1988, de 1º/11/1988 a
9/4/1989, de 27/5/1989 a 4/6/1989, de 23/11/1989 a 8/2/1990, de 29/4/1990 a 9/5/1990, de
31/12/1990 a 19/5/1991, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins
de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n.
8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
In casu, em relação aos interstícios de 1º/8/2004 a 10/2/2006 e de 1º/7/2007 a 2/3/2017, nos
quais a requerente exerceu os ofícios de “auxiliar de cozinha” e de“copeira” em ambiente
hospitalar, consta dos autos, laudo técnico judicial, que atesta a exposição a agentes biológicos
infectocontagiosos, em razão do contato com pacientes - fato que permite o enquadramento nos
termos dos códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n. 53.831/64, 1.3.4 do anexo do Decreto n.
83.080/79 e itens 3.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades
desenvolvidas de 1º/8/2004 a 10/2/2006 e de 1º/7/2007 a 2/3/2017.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/91:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/91.
Quanto ao tempo de serviço, somados os períodos ora reconhecidos aos incontroversos, a parte
autora contava30 anos de serviço na data do requerimento administrativo (DER 2/3/2017).
Em decorrência, conclui-sepelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral deferida (regra permanente do artigo 201, § 7º,
da CF/88).
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referência (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, decidiu pela não
modulação dos efeitos.
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC/2015),
à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a
taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em
vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal
de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autorapara, nos termos da
fundamentação: (i) reconhecer a natureza especial dos interstícios de 1º/8/2004 a 10/2/2006 e de
1º/7/2007 a 2/3/2017; (ii) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
desde a data do requerimento administrativo (2/3/2017 DER); (iii) fixar os consectários legais;
bem como nego provimento à apelação autárquica.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL.
RECONHECIMENTO. ATIVIDADE ESPECIAL. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS
PREENCHIDOS. CONSECTÁRIOS.
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- Conjunto probatório suficiente ao reconhecimento do labor rural requerido,independentemente
do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, §
2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.48/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- A jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no sentido de que o
enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n.
9.032/1995). Precedentes.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Laudo técnico judicial atestou o exercício dos ofícios de “auxiliar de cozinha” e de “copeira” em
ambiente hospitalar, com exposição a agentes biológicos infectocontagiosos, em razão do contato
com pacientes - fato que permite o enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do
Decreto n. 53.831/64, 1.3.4 do anexo do Decreto n. 83.080/79 e itens 3.0.1 dos anexos dos
Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99.
- A parte autora preenche os requisitos necessáriosà concessão daaposentadoria por tempo de
contribuição integralrequerida (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
O termo inicial do benefício corresponde à data do requerimento na via administrativa.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Fica o INSS condenado a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já
aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença),
consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia,
na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
- A autarquia previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora provida.
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação autoral e negar provimento à apelação
autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
