
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017027-92.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA FIGUEIRA CAPELO
Advogado do(a) APELADO: BRUNO MESKO DIAS - SP447904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017027-92.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA FIGUEIRA CAPELO
Advogado do(a) APELADO: BRUNO MESKO DIAS - SP447904-A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de aposentadoria, ajuizado por Terezinha Figueiredo Capelo em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo qual almeja a concessão de aposentadoria especial.
Contestação na qual sustenta o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Réplica da parte autora.
Sentença pela parcial procedência do pedido para reconhecer a natureza especial das atividades desempenhadas no período de 24.01.1997 a 05.08.2021, para conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de reafirmação da entrada do requerimento administrativo (31.12.2021) e para fixar a sucumbência.
Opostos embargos de declaração pela parte autora, estes foram rejeitados.
Inconformado, o INSS interposto recurso de apelação por meio do qual pleiteou, preliminarmente, a atribuição de efeito suspensivo, a declaração de nulidade da sentença por ausência de fundamentação e o conhecimento da remessa necessária. No mérito, requereu a reforma integral da sentença e a inversão da sucumbência.
A parte autora, por sua vez, apelou e pleiteou a reforma parcial da sentença para que seja reconhecida a exigência de tempo especial correspondente a 20 (vinte) anos sob exposição à pressão atmosférica anormal, na qualidade de aeronauta e, ao final, a concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021).
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017027-92.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA FIGUEIRA CAPELO
Advogado do(a) APELADO: BRUNO MESKO DIAS - SP447904-A
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 07.11.1973, o reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos indicados na exordial e a concessão do benefício de aposentadoria especial a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021).
Do efeito suspensivo.
Em relação à suspensão do cumprimento da tutela provisória de urgência concedida na sentença, em face da concessão do efeito suspensivo ao recurso, o pedido não prospera.
É pacífico o entendimento nesta Corte quanto ao cabimento da antecipação dos efeitos da tutela para adiantar total ou parcialmente os efeitos pretendidos pela parte autora ante o caráter alimentar do benefício previdenciário, afastando-se os riscos decorrentes da demora na execução definitiva do julgado (Nesse sentido: AC 0010241-11.2008.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, e-DJF3 Judicial 1 de 14/11/2014).
Além do mais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da possibilidade de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública em hipóteses como a dos autos (Conforme AgRg no Ag 1230687/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19.12.2011, e AgRg no Ag 1405103/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 16/02/2012). Nessa esteira:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PRELIMINAR. TUTELA ANTECIPADA. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO. I - O entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença. II - (...). VII - Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS e remessa oficial parcialmente provida.”. (ApReeNec 5070736-79.2018.4.03.9999, Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, TRF3 - 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 14/06/2019).
Da nulidade da sentença por ausência de fundamentação.
Rejeito a matéria preliminar suscitada pelo réu de nulidade da sentença, porquanto o Juízo de origem, embora de forma concisa, expôs as razões de seu convencimento, restando plenamente atendidos os requisitos do artigo 489 do Código de Processo Civil.
Da remessa necessária.
Anoto que a sentença foi proferida já na vigência do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015 -, razão pela qual se deve observar o disposto no art. 496, §3º, I. No caso dos autos, não obstante a sentença ser ilíquida, é certo que o proveito econômico obtido pela parte autora não superará o valor de 1.000 salários-mínimos.
Neste sentido observo que a 1ª Turma do C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS, em decisão proferida em 08.10.2019, entendeu que, não obstante a iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos. Assim, na vigência do Código de Processo Civil/2015, em regra, a condenação em ações previdenciárias não alcança o valor de mil salários-mínimos, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, restando afastado o duplo grau necessário.
Não é o caso, portanto, de submissão da sentença à remessa necessária.
Do mérito.
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que “(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)”. Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
§ 2º Deverão constar do laudo técnico referido no parágrafo anterior informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica deste documento (...)”.
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM - POSSIBILIDADE - LEI 8.213/91 - LEI 9.032/95 - LAUDO PERICIAL INEXIGÍVEL - LEI 9.528/97.
(...)
- A Lei nº 9.032/95 que deu nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91 acrescentando seu § 5º, permitiu a conversão do tempo de serviço especial em comum para efeito de aposentadoria especial. Em se tratando de atividade que expõe o obreiro a agentes agressivos, o tempo de serviço trabalhado pode ser convertido em tempo especial, para fins previdenciários.
- A necessidade de comprovação da atividade insalubre através de laudo pericial, foi exigida após o advento da Lei 9.528, de 10.12.97, que convalidando os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91, passando a exigir a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Tendo a mencionada lei caráter restritivo ao exercício do direito, não pode ser aplicada à situações pretéritas, portanto no caso em exame, como a atividade especial foi exercida anteriormente, ou seja, de 17.11.75 a 19.11.82, não está sujeita à restrição legal.
- Precedentes desta Corte.
- Recurso conhecido, mas desprovido” (STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482).
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. DESAFETAÇÃO DO PRESENTE CASO. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
1. Considerando que o Recurso especial 1.398.260/PR apresenta fundamentos suficientes para figurar como representativo da presente controvérsia, este recurso deixa de se submeter ao rito do art.543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
2. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
3. O limite de tolerância para configuração da especial idade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, não sendo possível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ.
4. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço especial implica indeferimento do pedido de aposentadoria especial por falta de tempo de serviço.
5. Recurso especial provido” (REsp 1401619/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014).
Dessa forma, é de se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superior a 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos, em virtude de acolhimento na via administrativa, totalizam, até a data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021), 27 (vinte e sete) anos, 5 (cinco) meses e 16 (dezesseis) dias de tempo de contribuição, não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial (ID 4597566 – págs. 41/44).
Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 24.01.1997 a 05.08.2021, acolhido pela sentença recorrida.
De início, observo que, de acordo com a carteira de trabalho e previdência social – CTPS, o contrato de trabalho cuja natureza especial a parte autora pretende reconhecimento inicia-se em 24.11.1997 (ID 292108729 – pág. 09). Assim, por se tratar de evidente erro material, corrijo-o de ofício.
Passo ao exame da natureza especial do labor desenvolvido pela parte autora.
No período de 24.11.1997 a 05.08.2021, a parte autora, no exercício das atividades de comissária de voo, esteve exposta a radiações ionizantes e não ionizantes, bem como à pressão atmosférica anormal, devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades desempenhadas, conforme laudos periciais (ID 292108727 – págs. 42/67 e ID 292108728 – págs. 09/69), de acordo com os anexos 5, 6 e 7 da NR – 15 do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
No que tange ao pedido de redução do tempo de exposição a agentes nocivos, de 25 (vinte e cinco) anos para 20 (vinte) anos, em julgados semelhantes, reconheci que a submissão à pressão atmosférica anormal não se traduz na contagem diferenciada de 20 (vinte) anos de tempo especial uma vez que as atividades exercidas por aeronautas não são equiparáveis àquelas em que se exige aludido lapso temporal. Neste sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NATUREZA ESPECIAL DA ATIVIDADE LABORADA RECONHECIDA. COMISSÁRIA DE VOO. PRESSÃO ATMOSFÉRICA ANORMAL. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS.
1. A aposentadoria especial é devida ao segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 64 do Decreto nº 3.048/99). E a aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 201, § 7º, da constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 20/98, é assegurada após 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. Nos dois casos, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado.
2. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99.
3. Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
4. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.5. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
6. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes físicos agressores à saúde.
7. No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 25 (vinte e cinco) anos, 03 (três) meses e 09 (nove) dias (ID 146881855 – págs. 01/02), não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial de todo o período pleiteado. Ocorre que, no período de 15.10.1997 a 07.12.2017, a parte autora, na atividade de comissária de voo, esteve exposta a pressão atmosférica anormal, em condições semelhantes as existentes no interior de câmaras hiperbáricas (ID 156881858, ID 15681859 e ID 156881860), devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesse período, conforme código 2.0.5 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.5 do Decreto nº 3.048/99. Finalizando, os períodos de 13.08.1990 a 29.03.1991, 19.04.1991 a 15.08.1992, 01.10.1992 a 13.10.1992, 14.10.1992 a 17.06.1994 e 03.08.1994 a 14.03.1997 devem ser reconhecidos como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos.
8. Quanto à prova emprestada, observo que se trata de casos em que os terceiros realizavam a mesma atividade, nas mesmas condições da autora, sendo a perícia efetuada por profissional equidistante das partes, em empresas do mesmo ramo. Ainda, houve o contraditório, possibilitando ampla defesa à Autarquia. Ademais, com a nova redação do artigo 372 do CPC, que prescreve: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”, entendo cabível a utilização da prova emprestada nas condições acima descritas. É neste sentido o entendimento da Turma. Precedentes.
9. Com relação ao pedido de reconhecimento da atividade como especial, em razão da exposição ao agente nocivo "pressão atmosférica", nos termos do código 1.1.6, do Decreto n. 83.080/79, que prevê o tempo mínimo de exposição de 20 anos, observo que tal pleito não constou da petição inicial, tampouco do recurso de apelação, conforme salientado pelo próprio advogado em sua sustentação oral. Todavia, por estar inserido no pedido de reconhecimento da especialidade da atividade, entendo não estar configurada a inovação recursal. Contudo, incabível o enquadramento da atividade no código 1.1.6, do Decreto n. 83.080/79, uma vez que a descrição das atividades ali inseridas (“Trabalhos em caixões ou câmaras pneumáticas subaquáticas e em tubulões pneumáticos. Operação com uso de escafandro. Operações de mergulho. Trabalho sob ar comprimido em túneis pressurizados”), diferem das executadas pela parte autora. Ademais, ao fazer referência à atividade de aeronauta, o Decreto n. 83.080/79 o fez de forma expressa, no código 2.4.3, com tempo mínimo de exposição de 25 anos. (grifou-se).
10. Sendo assim, somados todos os períodos especiais, totaliza a parte autora 20 (vinte) anos, (01) mês e 23 (vinte e três) dias de tempo especial na data da entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 07.12.2017), insuficientes para a concessão de aposentadoria especial. Observo que, ainda que se reafirmasse a D.E.R., a parte autora não atingiria o tempo necessário para a concessão do benefício. Entretanto, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 30 (trinta) anos, 05 (cinco) meses e 17 (dezessete) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 07.12.2017).
11. O benefício é devido a partir da data do requerimento administrativo (D.E.R. 07.12.2017).
12. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante nº 17.
13. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
14. Reconhecido o direito da parte autora à aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 07.12.2017), observada eventual prescrição quinquenal, ante a comprovação de todos os requisitos legais. 15. Apelação parcialmente provida. Fixados, de ofício, os consectários legais.” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004466-52.2018.4.03.6126, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 14/12/2021, Intimação via sistema DATA: 17/12/2021).
Quanto à prova emprestada, observo que se trata de caso em que terceiro laborava nas mesmas atividades, setor e condições do autor, sendo a perícia realizada por profissional equidistante das partes. Ainda, foi observado o contraditório, possibilitando ampla defesa à Autarquia.
Ademais, com a nova redação do artigo 372 do CPC, que prescreve: “o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”, entendo cabível a utilização da prova emprestada nas condições acima descritas. É neste sentido o entendimento desta Turma, conforme julgado abaixo transcrito:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO A DECISÃO MONOCRÁTICA. PRELIMINAR REJEITADA. ATIVIDADE ESPECIAL. LAUDO PERICIAL EM NOME DE TERCEIRO. EMPRESA DO MESMO RAMO POSSIBILIDADE.
(...)
III - A decisão agravada esclareceu que foram trazidos aos autos para a comprovação da especialidade laborativa dos períodos controversos os seguintes documentos em relação às respectivas empresas: Varig S/A Viação Aérea Rio-Grandense - em Recuperação Judicial, CTPS e PPP (sem constar assinatura do profissional legalmente habilitado), equivalente a formulário, que retrata o exercício da função de comissário de bordo, no interregno de 15.05.1986 a 02.08.2006, constando na descrição da atividade do referido PPP que a autora no exercício de Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos suas atividades profissionais, estava ela sujeita a variação de pressão e temperatura.
IV - Em complemento, foram apresentados diversos Laudos Técnicos produzidos para fins de instrução de ações previdenciárias propostas por outros segurados e P.P.R.A, em que os Peritos Judiciais concluíram que os comissários de bordo, laborando no interior de aeronaves das empresas Gol Linhas Aéreas S/A e Varig Linhas Aéreas S/A, sujeitam-se a pressões atmosféricas anormais, cuja condição é equiparável àquelas que se dão no interior de caixões ou câmaras hiperbáricas, ou seja, em pressões superiores à atmosférica.
V - O decisum fundamentou ainda que as aferições vertidas nos laudos periciais devem prevalecer, pois foi levada em consideração a experiência técnica dos auxiliares judiciários, bem como realizada em empresa do mesmo ramo em que a autora exerceu suas atividades e funções, tendo sido emitidos por peritos judiciais, equidistante das partes, não tendo a autarquia previdenciária arguido qualquer vício a elidir suas conclusões.
VI - Mantida a decisão agravada que concluiu pelo exercício da atividade especial do intervalo de 29.04.1995 a 02.08.2006 (Viação Aérea Rio-Grandense), dada a sujeição à pressão atmosférica anormal, nos termos do código 2.0.5 do Decreto nº 3.048/1999, conforme se verificou dos mencionados laudos de terceiros elaborados por peritos judiciais, trazidos aos autos, os quais foram levados em consideração.
VII - Preliminar rejeitada. Agravo interno (art. 1.021, CPC/2015) interposto pelo INSS improvido”. (Processo ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5007210-77.2017.4.03.6183 Relator(a) Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO Órgão Julgador 10ª Turma Data do Julgamento 30/06/2020 Data da Publicação/Fonte e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/07/2020) (grifo nosso).
Sendo assim, somados os períodos especiais, a parte autora totalizou 23 (vinte e três) anos, 8 (oito) meses e 12 (doze) dias até o advento da EC 103/2019 (13.11.2019), insuficientes para a concessão de aposentadoria especial.
Por outro lado, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, excluídos os concomitantes, totaliza a parte autora, até o advento da EC 103/2019, 30 (trinta) anos, 1 (um) mês e 16 (dezesseis) dias de tempo de contribuição, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, com valor calculado na forma prevista no art. 29, I, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
O benefício deve ser concedido a partir da data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021).
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, nego provimento à apelação do INSS, dou parcial provimento à apelação da parte autora para conceder-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021) e, de ofício, corrijo o erro material e fixo os consectários legais, tudo na forma acima explicitada.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NATUREZA ESPECIAL DA ATIVIDADE LABORADA RECONHECIDA. COMISSÁRIA DE BORDO. AGENTES FÍSICOS. PRESSÃO ATMOSFÉRICA ANORMAL. RADIAÇÕES IONIZANTES E NÃO-IONIZANTES. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS.
1. É pacífico o entendimento nesta Corte quanto ao cabimento da antecipação dos efeitos da tutela para adiantar total ou parcialmente os efeitos pretendidos pela parte autora ante o caráter alimentar do benefício previdenciário, afastando-se os riscos decorrentes da demora na execução definitiva do julgado.
2. O Juízo de origem, embora de forma concisa, expôs as razões de seu convencimento, restando plenamente atendidos os requisitos do artigo 489 do Código de Processo Civil.
3. Não obstante a sentença ser ilíquida, é certo que o proveito econômico obtido pela parte autora não superará o valor de 1.000 salários-mínimos.
4. A aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 201, § 7º, da constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 20/98, é assegurada após 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. No caso, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado.
5. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99.
6. Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
7. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
8. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
9. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes nocivos à saúde e a integridade física.
10. No caso dos autos, os períodos incontroversos, em virtude de acolhimento na via administrativa, totalizam, até a data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021), 27 (vinte e sete) anos, 5 (cinco) meses e 16 (dezesseis) dias de tempo de contribuição, não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial (ID 4597566 – págs. 41/44). Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba o reconhecimento da natureza especial das atividades desempenhadas no período de 24.01.1997 a 05.08.2021, acolhido pela sentença recorrida. De início, observo que, de acordo com a carteira de trabalho e previdência social – CTPS, o contrato de trabalho cuja natureza especial a parte autora pretende reconhecimento inicia-se em 24.11.1997 (ID 292108729 – pág. 09). Assim, por se tratar de evidente erro material, corrijo-o de ofício. Passo ao exame da natureza especial do labor desenvolvido pela parte autora. No período de 24.11.1997 a 05.08.2021, a parte autora, no exercício das atividades de comissária de voo, esteve exposta a radiações ionizantes e não ionizantes, bem como à pressão atmosférica anormal, devendo ser reconhecida a natureza especial das atividades desempenhadas, conforme laudos periciais (ID 292108727 – págs. 42/67 e ID 292108728 – págs. 09/69), de acordo com os anexos 5, 6 e 7 da NR – 15 do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
11. No que tange ao pedido de redução do tempo de exposição a agentes nocivos, de 25 anos para 20 anos, em julgados semelhantes, reconheci que a submissão à pressão atmosférica anormal não se traduz na contagem diferenciada de 20 (vinte) anos de tempo especial uma vez que as atividades exercidas por aeronautas não são equiparáveis àquelas em que se exige aludido lapso temporal.
12. Quanto à prova emprestada, observo que se trata de caso em que terceiro laborava nas mesmas atividades, setor e condições do autor, sendo a perícia realizada por profissional equidistante das partes. Ainda, foi observado o contraditório, possibilitando ampla defesa à Autarquia. Ademais, com a nova redação do artigo 372 do CPC, que prescreve: “o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”, entendo cabível a utilização da prova emprestada nas condições acima descritas.
13. Somados os períodos especiais, a parte autora totalizou 23 (vinte e três) anos, 8 (oito) meses e 12 (doze) dias até o advento da EC 103/2019 (13.11.2019), insuficientes para a concessão de aposentadoria especial. Por outro lado, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, excluídos os concomitantes, totaliza a parte autora, até o advento da EC 103/2019, 30 (trinta) anos, 1 (um) mês e 16 (dezesseis) dias de tempo de contribuição, observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
14. Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, com valor calculado na forma prevista no art. 29, I, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
15. Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
16. O benefício deve ser concedido a partir da data de entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021).
17. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
18. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
19. Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
20. Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
21. As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
22. Reconhecido o direito da parte autora à aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 05.08.2021), observada eventual prescrição quinquenal, ante a comprovação de todos os requisitos legais.
23. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora parcialmente provida. Consectários legais fixados de ofício.
