
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005976-55.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANA MARIA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MICHELLE TEIXEIRA DE CARVALHO - SP282875-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005976-55.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANA MARIA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MICHELLE TEIXEIRA DE CARVALHO - SP282875-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, ajuizado por Ana Maria Vieira Rodrigues em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Contestação, na qual sustenta o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Houve réplica.
Foi indeferida a prova pericial.
Sentença pela improcedência do pedido.
Apelação da parte autora, pelo reconhecimento dos períodos especiais pleiteados e concessão do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005976-55.2020.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANA MARIA VIEIRA RODRIGUES
Advogado do(a) APELANTE: MICHELLE TEIXEIRA DE CARVALHO - SP282875-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Inicialmente, insta observar que o julgamento antecipado do mérito somente é cabível nas hipóteses previstas nos incisos do artigo 355 do Código de Processo Civil:
“Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;
II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.”
Nesse contexto, verifico que a controvérsia colocada em Juízo envolve o reconhecimento da alegada natureza especial dos períodos pleiteados na exordial.
Observo que, a partir da edição do Decreto nº 2.172/97, tornou-se demasiadamente penosa para a parte autora a comprovação da natureza especial das atividades exercidas em condições insalubres, perigosas ou penosas. Diante de verdadeiro cipoal de leis e normas incompreensíveis ao segurado comum e da quase inexistente fiscalização por parte do Poder Público, no tocante ao efetivo exercício de funções em condições especiais, a parte autora não consegue que lhe sejam fornecidos os formulários de insalubridade e laudos periciais exigidos pela vigente legislação.
Tendo a parte autora desenvolvido atividades em ambiente hospitalar, mostra-se razoável o argumento da exposição a agentes biológicos, transmitidos pelo ar e presentes em superfícies contaminadas, decorrente da particularidade do contexto laboral. Também se apresenta plausível a assertiva de que os trabalhadores de unidades de saúde estejam, em regra, mais expostos a elementos biológicos nocivos à saúde, pela exposição constante a diversos pacientes e usuários desses estabelecimentos.
Nesse sentido, esta e. Décima Turma reconheceu diversas vezes a atividades especial de trabalhadores em ambiente hospitalar, ainda que desenvolvendo atividades administrativas:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA CONDICIONAL. NULIDADE. CAUSA MADURA. REVISÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. LEI VIGENTE À ÉPOCA DO EXERCÍCIO LABORAL. AGENTES BIOLÓGICOS. AMBIENTE HOSPITALAR. PROVA EMPRESTADA. AUSÊNCIA DE EPI EFICAZ. BENEFÍCIO DEVIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(...)
- A exposição do trabalhador a agentes biológicos tem sua intensidade medida por análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do trabalho, uma vez que não estabelece limites de tolerância ou quaisquer especificações no que tange à concentração dos agentes.
- A exposição aos citados agentes biológicos é inerente às funções exercidas em ambiente hospitalar ou de saúde, de modo que, ainda que a parte autora tenha exercido função de auxiliar de contabilidade, consta da perícia judicial que esteve exposta aos agentes biológicos em virtude de contato permanente com pacientes ou materiais infecto-contagiantes.
(...)
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5034091-50.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 07/02/2024, DJEN DATA: 14/02/2024)
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. RECEPCIONISTA DE HOSPITAL. CONTATO DIRETO. AGENTES BIOLÓGICOS. LAUDO PERICIAL. EPI. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DO INÍCIO DO BENEFÍCIO. EFEITOS FINANCEIROS. TEMA 1.124 DO STJ. VERBAS ACESSÓRIAS.
I – Remessa Oficial tida por interposta, nos termos da Súmula 490 do E. STJ.
II - Comprovada a prejudicialidade do período controverso através da apresentação da CTPS e PPP, indicando que a parte autora laborou exposta a agentes biológicos em ambiente hospitalar, devendo ser mantido o reconhecimento da especialidade.
III – O fato de PPP/laudo pericial ter sido elaborado posteriormente à prestação do serviço, não afasta a validade de suas conclusões, vez que tal requisito não está previsto em lei e, ademais, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
IV- As aferições vertidas no laudo pericial devem prevalecer, pois foi levada em consideração a experiência técnica do Perito Judicial, bem como baseada nas atividades e funções exercidas pelo autor em seu local de trabalho, tendo sido emitido por profissional habilitado (engenheiro de segurança do trabalho) equidistante das partes, não tendo o INSS demonstrado qualquer vício a elidir suas conclusões.
V- Na hipótese de exposição do trabalhador a outros agentes nocivos (químicos, biológicos, etc.), a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial, uma vez que a multiplicidade de tarefas desenvolvidas pelo autor demonstra a impossibilidade de atestar a utilização do EPI durante toda a jornada diária; normalmente todas as profissões, como a do autor, há multiplicidade de tarefas, que afastam a afirmativa de utilização do EPI em toda a jornada diária, ou seja, geralmente a utilização é intermitente.
VI - Acerca da habitualidade e permanência de exposição ao agente nocivo, o cotejo das provas carreadas aos autos, mormente das descrições das atividades desenvolvidas pelo interessado, permite concluir que, durante a jornada de trabalho, o requerente ficava habitual e permanentemente exposto aos agentes nocivos indicados nos formulários previdenciários e eventualmente no laudo pericial.
VII – Ressalte-se que o C. STJ, no julgamento do REsp nº 1.759.098/RS, publicado no DJe em 01.08.2019, submetido ao rito do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença – seja acidentário ou previdenciário – faz jus ao cômputo desse período como especial.
VIII- Os períodos de atividade especial objeto da presente ação totalizam mais de 25 anos de atividade exclusivamente especial na data do requerimento administrativo, suficiente à concessão de aposentadoria especial.
IX – Termo inicial do benefício fixado na data do requerimento administrativo, conforme entendimento jurisprudencial sedimentado nesse sentido. Não há parcelas atingidas pela prescrição quinquenal. Em relação ao termo inicial dos efeitos financeiros, ante à afetação do tema 1.124, cumpre consignar que sua solução dar-se-á por ocasião da liquidação do julgado, observando-se o que for decidido no referido tema.
X - Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal.
XI - Mantidos os honorários advocatícios fixados na forma da sentença.
XII - Encerrado o vínculo empregatício na atividade especial, não há mais óbice à imediata concessão do benefício em aposentadoria especial (Tema 709/STF).
XIII – Parcialmente providas a apelação do réu e a remessa oficial tida por interposta.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5156696-95.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 31/05/2023, DJEN DATA: 05/06/2023)
"[...] No presente caso, a parte autora demonstrou ter laborado em atividade especial de forma habitual e permanente nos períodos de 18/03/1983 a 30/04/1984, 06/03/1997 a 31/08/1998 e de 01/09/1998 a 30/04/2008. É o que comprova o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, elaborado nos termos dos arts. 176 a 178, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20, de 11 de outubro de 2007 (DOU - 11/10/2007) e art. 68, § 2º, do Decreto nº 3.048/99 (Id 66340230, páginas 03/04), trazendo a conclusão de que a parte autora desenvolveu sua atividade profissional nas funções de copeira, atendente e auxiliar de enfermagem, em ambiente hospitalar, com exposição a agentes biológicos. Referida atividade e agente agressivo são classificados como especial, conforme os códigos 1.3.2 e 2.1.3 do Decreto nº 53.831/64 e códigos 1.3.4 e 2.1.3 dos Anexos I e II do Decreto nº 83.080/79, em razão da habitual e permanente exposição aos agentes ali descritos.
Ademais, há precedentes jurisprudenciais que consideram como especial a atividade desenvolvida nas dependências de hospitais, em que o trabalhador, durante sua jornada laborativa, esteja exposto de forma habitual e permanente a agentes biológicos nocivos à saúde, ainda que não esteja expressamente mencionada nos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, conforme se verifica a seguir:
"A jurisprudência desta Corte é no sentido de que ao trabalhador que exerce atividade insalubre, ainda que não inscrita em regulamento mas comprovada por perícia judicial, é devido o benefício de aposentadoria especial." (STJ; REsp nº 228100/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 13/11/2000, DJ 05/02/2001, p. 122).
No mesmo sentido:
"Indiscutível a condição especial do exercício das atividades de auxiliar de serviços gerais exercida em hospital, bem como a de maqueiro, por estarem as mesmas enquadradas como insalubres e perigosas, por força dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79 e Lei nº 8.213/91, até edição da Lei nº 9.032/95". (TRF - 5ª Região; AC nº 291613/RN, Relator Juiz Federal Petrucio Ferreira, j. 05/10/2004, DJ 25/11/2004, p. 433).
"Tendo a parte autora logrado comprovar que, no exercício de suas atividades de lavanderia junto ao Hospital de Caridade de Mata, ficava exposto a condições prejudiciais à saúde, de modo habitual e permanente, é de ser considerado especial o período de 2.1.77 a 2.1.87, com a devida conversão pelo fator 1,20." (TRF - 4ª Região; AC nº 535079/RS, Relator Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 16/12/2003, DJU 11/02/2004, p. 333)."
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000284-27.2017.4.03.6136, Rel. Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA, julgado em 12/11/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/11/2020)
Com efeito, verifico que os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante os períodos laborados.
Ao Tribunal, por também ser destinatário da prova, é permitido o reexame de questões pertinentes à instrução probatória, não sendo alcançado pela preclusão. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é neste sentido:
“PROVA. DISPENSA PELAS PARTES. DILAÇÃO PROBATÓRIA DETERMINADA PELA 2ª INSTÂNCIA. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO.
Em matéria de cunho probatório, não há preclusão para o Juiz. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido (...)”. (REsp 262.978 MG, Min. Barros Monteiro, DJU, 30.06.2003, p. 251)
“PROCESSO CIVIL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO POR PERPLEXIDADE DIANTE DOS FATOS. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO QUE NÃO RENOVA PRAZO RECURSAL CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PROVA PERICIAL CONTÁBIL. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROSSIGA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO.
Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.
A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.
Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas (...)”. (REsp 345.436 SP, Min. Nancy Andrighi, DJU, 13.05.2002, p. 208)
A inexistência de prova pericial, com prévio julgamento da lide por valorização da documentação acostada aos autos caracterizou, por conseguinte, cerceamento de defesa. Desta forma, impõe-se a anulação da r. sentença, a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos.
Ante o exposto, ANULO, de ofício, a sentença proferida nos autos, por cerceamento de defesa, decorrente da não produção de necessária da prova pericial. Prejudicada a análise do mérito recursal.
Retornem os autos ao Juízo de origem para regular processamento do feito, oportunizando-se a nomeação de perito judicial para a produção da indispensável prova pericial e oportuna prolação de nova decisão de mérito.
Acaso encerradas as atividades das empresas ou destruídas as instalações nas quais as funções indicadas na exordial foram laboradas, deverá a perícia técnica ser realizada em outras empresas de características semelhantes ou idênticas, por similaridade.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. Os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante os períodos em que laborou nas empresas elencadas na peça inaugural.
2. A inexistência de prova pericial, com prévio julgamento da lide por valorização da documentação acostada aos autos caracterizou, por conseguinte, cerceamento de defesa.
3. Anulada a r. sentença, de ofício, a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos.
4. Sentença anulada de ofício. Apelação prejudicada.
