Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2076405 / SP
0002229-06.2013.4.03.6127
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NULIDADE.
CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. ATIVIDADE RURAL. POSTERIOR A
31/10/1991. SEM RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÃO. NÃO RECONHECIDO. ATIVIDADE
ESPECIAL. TENSÃO SUPERIOR A 250 VOLTS. RECONHECIMENTO. TEMPO SUFICIENTE.
BENEFÍCIO PROPORCIONAL CONCEDIDO. REGRAS ANTERIORES À EC 20/98.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO
DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Rejeitada a preliminar de nulidade da instrução por cerceamento de defesa, em razão da
preclusão da oportunidade para suscitá-la. Isto porque, caberia à parte impugnar a decisão de
primeiro grau que indeferiu a produção de prova técnica na primeira oportunidade que tivesse
para se manifestar nos autos, consoante preleciona o art. 245 do CPC/73, mediante a
interposição de agravo, medida que não adotou.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais
documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP,
adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento
de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior
àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
7 - Pretende o autor o reconhecimento do trabalho rural no intervalo de 20/11/2000 a
27/04/2011. Contudo, não comprovou o recolhimento das contribuições do período vindicado,
tornando impossível o reconhecimento do labor, tendo em vista o disposto no art. 55, § 2º, da
Lei nº 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto nº 3.048/99.
8 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
9 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
10 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
11 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
12 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao
agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade
desempenhada pelo trabalhador. Pacífica a jurisprudência no sentido de ser dispensável a
comprovação dos requisitos de habitualidade e permanência à exposição ao agente nocivo para
atividades enquadradas como especiais até a edição da Lei nº 9.032/95, visto que não havia tal
exigência na legislação anterior.
13 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
14 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
15 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
16 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
17 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
18 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
19 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
20 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
21 - Controvertida, na demanda, a especialidade dos períodos de 10/05/1977 a 20/09/1999.
22 - Durante o labor na "Elektro - Eletricidade e Serviços S/A", o formulário DSS-8030,
secundado pelo laudo técnico (fls. 48/52), informa a submissão do autor à " tensão elétrica
superior a 250 volts", no desempenho de seus encargos nas "redes e linhas de distribuição de
energia elétrica e pátio de subestações", no intervalo de 10/05/1977 a 29/04/1995.
23 - A saber, o trabalho em tensão superior a 250 volts é classificado como especial pelo item
1.1.8 do Decreto nº 53.831/64 e com respaldo no REsp nº 1.306.113/SC.
24 - Importante esclarecer que, nos casos em que resta comprovado o exercício de atividades
com alta eletricidade (tensão acima de 250 volts), a sua natureza já revela, por si só, que
mesmo na utilização de equipamentos de proteção individual, tido por eficazes, não é possível
afastar o trabalho em condições especiais, tendo em vista a periculosidade a que fica exposto o
profissional. Precedentes.
25 - Ressalta-se que os requisitos de "habitualidade" e "permanência" devem ser interpretados
com granus salis. Exigir-se do trabalhador a exposição ininterrupta aos agentes agressivos, por
toda a sua jornada de trabalho, ficaria restrita somente àqueles que tivessem sua saúde
esmigalhada. Habitualidade pressupõe frequência, que, por sua vez, é atingida com o exercício
cotidiano de determinado trabalho ou função. Portanto, o conceito de moderado ou, até mesmo,
alternado não são auto-excludentes da ideia de habitualidade. A questão da permanência deve
ser encarada da mesma forma. A ideia é de que a exposição seja duradoura, capaz de
prejudicar a saúde do trabalhador. Mas não se exige seja ininterrupta, pois, a seguir esse
raciocínio, somente faria jus à aposentadoria especial o trabalhador doente. Por esta razão, é
que a situação de intermitência não afasta a especialidade do labor, desde que a exposição se
dê rotineiramente, de maneira duradoura.
26 - Desta forma, constata-se que o requerente trabalhou sujeito à alta tensão no período de
10/05/1977 a 29/04/1995, o qual se reputa enquadrado como especial.
27 - Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum,
independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da
conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
28 - Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do
Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
29 - Conforme planilha anexa, somando-se o tempo de serviço comum (resumo de documentos
- fl. 32) ao especial, reconhecido nesta demanda, convertido em comum, verifica-se que o autor
alcançou 30 anos, 11 meses e 7 dias de serviço na data do requerimento administrativo
(07/07/2011 - fls. 32), fazendo jus à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, com
base na legislação pretérita à Emenda Constitucional nº 20/98 (art. 3º, direito adquirido).
30 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(07/07/2011 - fls. 32), consoante preleciona a Lei de Benefícios.
31 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual
de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei
nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob
a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de
variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
32 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por
refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
33 - Quanto aos honorários advocatícios, ante a sucumbência mínima da parte autora, estes
serão integralmente arcados pelo INSS. É inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
34 - Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora, para reconhecer o trabalho especial no intervalo de 10/05/1977 a
29/04/1995 e, por conseguinte, para condenar o INSS na implantação do benefício de
aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, com base na legislação pretérita à
Emenda Constitucional nº 20/98, a partir da data do requerimento administrativo (07/07/2011),
sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de
mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, assim como
condená-lo em honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a
data da sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Referência Legislativa
LEG-FED EMC-20 ANO-1998***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-245 ART-20 PAR-4***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-11 INC-7 ART-55 PAR-2 PAR-3 ART-57 PAR-4 PAR-5*****
STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-149 SUM-111***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-543C***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ART-60 INC-10 ART-70LEG-FED LEI-9032 ANO-1995LEG-
FED DEC-611 ANO-1992 ART-292LEG-FED LEI-9528 ANO-1997LEG-FED LEI-9711 ANO-
1998 ART-28LEG-FED DEC-53831 ANO-1964 ITE-1.1.8LEG-FED LEI-11960 ANO-2009LEG-
FED EMC-20 ANO-1998
Veja
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810;
STJ RESP 1.306.113/SCREPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIATEMA 534;
STJ RESP 1.348.633/SPREPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIATEMA 638.
