
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098268-18.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE CARLOS CAVALHEIRO
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO GIRARDELLI MELO - SP322422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098268-18.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE CARLOS CAVALHEIRO
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO GIRARDELLI MELO - SP322422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de aposentadoria especial, ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, ajuizado por José Carlos Cavalheiro em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Contestação do INSS, na qual sustenta a impossibilidade de acolhimento de período sem registro no CNIS, bem como o não enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como sendo de natureza especial, requerendo, ao final, a improcedência total do pedido.
Houve réplica.
Foram ouvidas testemunhas.
Foi produzida prova pericial.
Sentença, pela parcial procedência do pedido, para reconhecer os períodos de 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018 como sendo de natureza especial e determinar a implantação da aposentadoria por tempo de contribuição da parte autora, na data da entrada do requerimento administrativo, concedendo a antecipação da tutela e fixando a sucumbência.
Apelação do INSS, pela nulidade da perícia realizada, pelo não averbação do período de 01.08.1997 a 14.03.2018, ante ausência de recolhimentos, bem como o não reconhecimento da especialidade dos períodos pleiteados e consequente inversão da sucumbência.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5098268-18.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE CARLOS CAVALHEIRO
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO GIRARDELLI MELO - SP322422-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 22.10.1960, o reconhecimento do exercício de atividades especiais nos períodos de 22.03.1987 a 25.09.1989, 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018, e a concessão do benefício de aposentadoria especial, ou, sucessivamente, aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017).
Não tendo havido recurso da parte autora, passo à análise do ponto controvertido.
Da nulidade da perícia judicial.
Verifico que o perito, equidistante das partes, levou em consideração as funções desenvolvidas pela parte autora, bem como analisou o local em que exercidas as atividades. Além disso, não foram apontados quaisquer vícios que possam afastar suas conclusões. Rejeito, portanto, a preliminar de nulidade da perícia.
Do mesmo modo, afasto a preliminar arguida pelo INSS de competência da Justiça do Trabalho para discussão quanto às condições de desempenho das atividades, pois, no presente feito, a relação jurídica possui caráter essencialmente previdenciário, qual seja, a existência de condições especiais de trabalho a justificar a concessão de aposentadoria especial ou a contagem do tempo com o fator de conversão correspondente. Embora exista nítida intersecção entre as esferas previdenciárias e laboral, isto não basta para a consolidação da competência da Justiça Trabalhista. Note-se que o INSS atua no feito como ente responsável pelo cumprimento da obrigação previdenciária e não como empregador, o que afasta a regra excepcional constante na parte final do inciso I, do art. 109 da Constituição da República.
Em relação à competência da Justiça do Trabalho para retificação do Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, ressalto não se tratar da matéria analisada no presente processo.
A realização de prova técnica, a fim de constatar a especialidade do trabalho, para efeitos previdenciários, não implica a alteração das informações do PPP. Nesse sentido já decidiu este E. Tribunal:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. CALOR. ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO. CONSECTÁRIOS.
(...)
- Não há que se falar em incompetência da Justiça Federal, porquanto o pedido formulado pela parte autora consiste no reconhecimento da especialidade de períodos não enquadrados administrativamente, para fins de conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, e não de retificação de informações contidas em formulário (Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP). Precedentes desta corte.
(...)
(TRF 3 - ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5000521-37.2020.4.03.6110, Desembargadora Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, 9ª Turma, Data do Julgamento: 16/02/2022, Data da Publicação/Fonte: DJEN 22/02/2022).
Por fim, a prova pericial foi realizada por profissional técnico habilitado, sendo, portanto, apta a embasar o Juízo. Nesse sentido:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AGRAVO LEGAL. RUÍDO. LAUDO. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. CARACTERIZAÇÃO DE ATIVIDADE ESPECIAL. LEI 11.960/09. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A parte autora comprovou que exerceu atividade sob condições especiais em determinados períodos, exposta a ruído com nível de 90 dB(A), agente nocivo previsto nos itens 1.1.6, do Decreto 53.831/64, e 1.1.5 do Anexo I do Decreto 83.080/79, de modo habitual e permanente, não ocasional e nem intermitente, conforme Informações e Laudo técnico.
2. A circunstância de ter sido o laudo pericial elaborado por técnico em segurança do trabalho não enseja desconsideração da perícia, pois realizado por profissional especializado e qualificado para tal mister. Ainda que não fosse, nos períodos supramencionados, a parte autora esteve exposta a poeira metálica, agente nocivo previsto no item 1.2.9, do Decreto 53.831/64, bastando para a comprovação os formulários juntados.
3. No que se refere à Lei 11.960/09, a E. 10ª Turma, acompanhando o posicionamento do C. STJ, reformulou seu entendimento, para adotar, a partir de 30.06.09, o Art. 5º, da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao Art. 1º-F, da Lei 9.494/97.
4. Agravo parcialmente provido, para determinar a incidência da Lei 11.960/09, quanto aos juros de mora e correção monetária, a partir de sua vigência.”
(TRF 3 – Décima Turma, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1378064 / SP, 0006284-07.2005.4.03.6183, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA, Data do Julgamento: 15/01/2013, Data da Publicação/Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2013 - grifamos)
Do mérito.
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
Dos vínculos com registro em CTPS.
Registre-se que as anotações constantes em carteira de trabalho constituem prova plena de exercício de atividade e, portanto, de tempo de serviço, para fins previdenciários. Há, ainda, previsão legal no sentido de ser a CTPS um dos documentos próprios para a comprovação, perante a Previdência Social, do exercício de atividade laborativa, conforme dispõe o art. 62, § 1º, inciso I, do Decreto nº 3.038, de 06 de maio de 1999 - Regulamento da Previdência Social -, na redação que lhe foi dada pelo Decreto nº 4.729, de 09 de junho de 2003.
Desse modo, o registro presente na CTPS não precisa de confirmação judicial, diante da presunção de veracidade juris tantum de que goza tal documento. Referida presunção somente cede lugar quando o documento não se apresenta formalmente em ordem ou quando o lançamento aposto gera dúvida fundada acerca do fato nele atestado.
Ocorre, todavia, que a simples ausência de informação nos registros do INSS não elide, a princípio, a veracidade dos vínculos empregatícios constantes na CTPS. Nesse sentido, o entendimento da Décima Turma desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ANOTAÇÕES EM CTPS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. TEMPO DE SERVIÇO COMPROVADO.
I - As anotações em CTPS gozam de presunção legal de veracidade juris tantum, que somente pode ser afastada mediante robusta prova em contrário, ou seja, que se comprove sua falsidade, sendo que a averbação tardia do contrato de trabalho no CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais não se afigura como tal, vez que é passível de ratificação por outros meios de prova.
II - No caso dos autos, a parte autora apresentou carteiras profissionais contemporâneas, estando os contratos em ordem cronológica, sem sinais de rasura ou contrafação. Assim, na presente hipótese, não haveria razão para o INSS não computar os interstícios de 03.01.1977 a 28.02.1980, 03.03.1980 a 24.12.1981, 11.01.1982 a 24.04.1983, 27.04.1983 a 16.01.1985, 17.01.1985 a 20.06.1986, 25.08.1986 a 06.06.1988, 14.07.1988 a 31.03.1989, 03.04.1989 a 05.05.1989 e 07.05.1989 a 02.06.1990, salvo eventual fraude, o que não restou comprovado.
III - Em se tratando de labor urbano, não responde o empregado por eventual falta do empregador em efetuar os respectivos recolhimentos.
IV - Apelação do INSS e remessa oficial improvidas. (APELREEX 00007006820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/10/2016).
Assim, caberia ao Instituto-réu comprovar a falsidade das informações, por meio de prova robusta que demonstrasse a inexistência do vínculo empregatício anotado na Carteira de Trabalho. Tal prova não foi, contudo, produzida pela autarquia previdenciária.
Ademais, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições é do empregador, não podendo o segurado sofrer o ônus da ausência do cumprimento desta obrigação.
Portanto, considerando que a presunção juris tantum de veracidade do registro constante em CTPS não foi, em nenhum momento, elidida pelo INSS, reconheço como efetivo tempo de contribuição o período de 01.08.1997 a 14.03.2018 (ID 305729984 – pág. 03), que deverá ser computado para a concessão do benefício de aposentadoria.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que “(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)”. Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
§ 2º Deverão constar do laudo técnico referido no parágrafo anterior informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica deste documento (...)”.
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa última data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM - POSSIBILIDADE - LEI 8.213/91 - LEI 9.032/95 - LAUDO PERICIAL INEXIGÍVEL - LEI 9.528/97.
(...)
- A Lei nº 9.032/95 que deu nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91 acrescentando seu § 5º, permitiu a conversão do tempo de serviço especial em comum para efeito de aposentadoria especial. Em se tratando de atividade que expõe o obreiro a agentes agressivos, o tempo de serviço trabalhado pode ser convertido em tempo especial, para fins previdenciários.
- A necessidade de comprovação da atividade insalubre através de laudo pericial, foi exigida após o advento da Lei 9.528, de 10.12.97, que convalidando os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91, passando a exigir a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Tendo a mencionada lei caráter restritivo ao exercício do direito, não pode ser aplicada a situações pretéritas, portanto no caso em exame, como a atividade especial foi exercida anteriormente, ou seja, de 17.11.75 a 19.11.82, não está sujeita à restrição legal.
- Precedentes desta Corte.
- Recurso conhecido, mas desprovido” (STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482).
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. DESAFETAÇÃO DO PRESENTE CASO.PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL.RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
1. Considerando que o Recurso especial 1.398.260/PR apresenta fundamentos suficientes para figurar como representativo da presente controvérsia, este recurso deixa de se submeter ao rito do art.543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
2. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
3. O limite de tolerância para configuração da especial idade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, não sendo possível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ.
4. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço especial implica indeferimento do pedido de aposentadoria especial por falta de tempo de serviço.
5. Recurso especial provido” (REsp 1401619/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014).
Dessa forma, deve-se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superiora 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 8.213/91, (incluído pela Lei n. 9.528/97), é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: “i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos”.
NO CASO DOS AUTOS, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 08 (oito) anos, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias (ID 305730079 – págs. 12/14), não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia recursal engloba o reconhecimento da natureza especial dos períodos reconhecidos pelo Juízo de 1ª Instância, nos lapsos de 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018.
Ocorre que, nos períodos de 02.04.1990 a 12.01.1991, 01.10.1992 a 05.03.1997 e 19.11.2003 a 14.03.2018, a parte autora, na atividade de tratorista, esteve exposta a ruídos acima dos limites legalmente admitidos (ID 305730052 – págs. 01/91), devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, código 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99, neste ponto observado, ainda, o Decreto nº 4.882/03.
Ainda, nos períodos de 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018, a parte autora, na atividade de tratorista, esteve exposta a agentes químicos consistentes em graxas, óleos, agrotóxicos, inseticidas, organofosforados, piretróides, glifosato e carbamatos (ID 305730052 – págs. 01/91), devendo também ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, código 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, código 1.0.19 do Decreto nº 2.172/97 e código 1.0.19 do Decreto nº 3.048/99.
Finalizando, o período de 01.03.1987 a 25.09.1989 deve ser reconhecido como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos.
Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 37 (trinta e sete) anos, 08 (oito) meses e 24 (vinte e quatro) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017), observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Destarte, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, com valor calculado na forma prevista no art. 29, I, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.876/99.
O benefício deve ter início na data da entrada do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017).
A questão relativa ao termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS (se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária), encontra-se em discussão no E. Superior Tribunal de Justiça, no regime de julgamento de recursos repetitivos (Tema n. 1.124), nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, razão pela qual deverá ser apreciada pelo Juízo da execução, de acordo com a tese firmada pelo E. STJ.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3° da Emenda Constitucional n° 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do Código de Processo Civil, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, nego provimento à apelação, e fixo, de ofício, os consectários legais.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO COM REGISTRO EM CTPS. AVERBAÇÃO. NATUREZA ESPECIAL DAS ATIVIDADES LABORADAS MANTIDA. TRATORISTA. AGENTES FÍSICOS E QUÍMICOS. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM MEDIANTE APLICAÇÃO DO FATOR PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADOS.
1. A aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 201, § 7º, da constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 20/98, é assegurada após 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. No caso, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado.
2. A responsabilidade pelo recolhimento das contribuições é do empregador, não podendo o segurado sofrer o ônus da ausência do cumprimento desta obrigação. Portanto, considerando que a presunção juris tantum de veracidade do registro constante em CTPS não foi, em nenhum momento, elidida pelo INSS, há de se reconhecer como efetivo tempo de contribuição o período de 01.08.1997 a 14.03.2018, que deverá ser computado para a concessão do benefício de aposentadoria.
3. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99.
4. Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
5. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
6. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
7. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes físicos e químicos agressores à saúde.
8. No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 08 (oito) anos, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias, não tendo sido reconhecido qualquer período como de natureza especial. Portanto, a controvérsia recursal engloba o reconhecimento da natureza especial dos períodos reconhecidos pelo Juízo de 1ª Instância, nos lapsos de 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018. Ocorre que, nos períodos de 02.04.1990 a 12.01.1991, 01.10.1992 a 05.03.1997 e 19.11.2003 a 14.03.2018, a parte autora, na atividade de tratorista, esteve exposta a ruídos acima dos limites legalmente admitidos, devendo ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, código 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.1 do Decreto nº 3.048/99, neste ponto observado, ainda, o Decreto nº 4.882/03. Ainda, nos períodos de 02.04.1990 a 12.01.1991 e 01.10.1992 a 14.03.2018, a parte autora, na atividade de tratorista, esteve exposta a agentes químicos consistentes em graxas, óleos, agrotóxicos, inseticidas, organofosforados, piretróides, glifosato e carbamatos (ID 305730052 – págs. 01/91), devendo também ser reconhecida a natureza especial da atividade exercida nesses períodos, conforme código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, código 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, código 1.0.19 do Decreto nº 2.172/97 e código 1.0.19 do Decreto nº 3.048/99. Finalizando, o período de 01.03.1987 a 25.09.1989 deve ser reconhecido como tempo de contribuição comum, ante a ausência de comprovação de exposição a quaisquer agentes físicos, químicos ou biológicos.
9. Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 37 (trinta e sete) anos, 08 (oito) meses e 24 (vinte e quatro) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017).
10. O benefício é devido a partir da data do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017).
11. A questão relativa ao termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS (se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária), encontra-se em discussão no E. Superior Tribunal de Justiça, no regime de julgamento de recursos repetitivos (Tema n. 1.124), nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, razão pela qual deverá ser apreciada pelo Juízo da execução, de acordo com a tese firmada pelo E. STJ.
12. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3° da Emenda Constitucional n° 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
13. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
14. Reconhecido o direito da parte autora à aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 01.02.2017), observada eventual prescrição quinquenal, ante a comprovação de todos os requisitos legais.
15. Apelação desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
