
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005197-49.2020.4.03.6103
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: VERA LUCIA VIEIRA ALVES
Advogado do(a) APELADO: ZAIRA MESQUITA PEDROSA PADILHA - SP115710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005197-49.2020.4.03.6103
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: VERA LUCIA VIEIRA ALVES
Advogado do(a) APELADO: ZAIRA MESQUITA PEDROSA PADILHA - SP115710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (25/2/2019), mediante o cômputo, como carência, do auxílio doença previdenciário (30/8/1995 a 9/1/2001) e da aposentadoria por invalidez (10/1/2001 a 3/10/2019) percebidos pela autora.
Considerando o valor da causa, o Juizado Especial Federal determinou a redistribuição dos autos para uma das varas da Justiça Federal.
Redistribuídos os autos, o juízo a quo julgou procedente o pedido, reconhecendo, para fins de carência, o período em que a autora recebeu aposentadoria por invalidez, concedendo a aposentadoria por tempo de contribuição, sem fator previdenciário, a partir de 25/2/2019 (DER), acrescida de correção monetária e juros moratórios nos termos do Manual de Orientação de Cálculos da Justiça Federal (Resoluções n.º 134/10 e n.º 267/13 do CJF) e honorários advocatícios a serem fixados na fase de cumprimento de sentença.
O INSS apela, sustentando, em síntese, não ser possível o cômputo, para fins de carência, dos períodos em que a autora recebeu benefício por incapacidade, sendo que a sua utilização como tempo de contribuição somente seria permitida se intercalado com períodos de atividade laborativa.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos.
Deferida a tutela antecipada pleiteada pela demandante (Id. 182621206).
Ofício do INSS informando a implantação do benefício previdenciário (Id. 255627678).
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto:
Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (25/2/2019), mediante o cômputo, como carência, do auxílio doença previdenciário (30/8/1995 a 9/1/2001) e da aposentadoria por invalidez (10/1/2001 a 3/10/2019) percebidos pela autora.
A r. sentença julgou procedente o pedido, reconhecendo, para fins de carência, o período em que a autora recebeu aposentadoria por invalidez, concedendo a aposentadoria por tempo de contribuição, sem fator previdenciário, a partir de 25/2/2019 (DER), acrescida de correção monetária e juros moratórios nos termos do Manual de Orientação de Cálculos da Justiça Federal (Resoluções n.º 134/10 e n.º 267/13 do CJF) e honorários advocatícios a serem fixados na fase de cumprimento de sentença.
O INSS apela, sustentando, em síntese, não ser possível o cômputo, para fins de carência, dos períodos em que a autora recebeu benefício por incapacidade, sendo que a sua utilização como tempo de contribuição somente seria permitida se intercalado com períodos de atividade laborativa.
A Exma. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, Relatora do processo, em seu voto, deu provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada.
Com a devida vênia, divirjo do entendimento da E. Relatora, pelas razões que passo a expor.
A autora pretende a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (25/2/2019), mediante o cômputo, como carência, do auxílio doença previdenciário (30/8/1995 a 9/1/2001) e da aposentadoria por invalidez (10/1/2001 a 3/10/2019) percebidos pela demandante.
No tocante à insurgência levantada em sede recursal, esclareço que, coerente com as disposições do art. 29, § 5º, e art. 55, II, ambos da Lei 8.213/1991, que os incisos III e IX do art. 60 do Decreto 3.048/1999, asseguram, até que lei específica discipline a matéria, que são contados como tempo de contribuição/carência o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (entre períodos de atividade), bem como o período em que o segurado percebeu benefício por incapacidade por acidente do trabalho (intercalado ou não). Vale ressaltar que tem sido firme o entendimento no sentido de que as expressões "tempo intercalado" ou "entre períodos de atividade" abrangem os lapsos temporais de gozo de benefício, desde que o segurado tenha retornado ao trabalho (ou reiniciado a verter contribuições previdenciárias válidas), ainda que por curto período, seguido de nova concessão de benefício.
É justamente essa a hipótese dos autos, já que a parte autora voltou a verter contribuições previdenciárias a partir de janeiro/2019, conforme consta de consulta obtida junto ao sistema CNIS/DATAPREV (ID 152951133 – fls. 108/114, sendo que seu vínculo de emprego com a empresa VNAC ADMINISTRADORA DE CONSORCIO LTDA., iniciado em 01/07/1987, cessou apenas em julho/2022.
Destaco julgado do C. STJ nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ EM APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 8.213/1991. DESCABIMENTO. CÔMPUTO DO TEMPO PARA FINS DE CARÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO EM PERÍODO INTERCALADO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A Lei 8.213/1991 não contemplou a conversão de aposentadoria por invalidez em aposentadoria por idade.
2. É possível a consideração dos períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez como carência para a concessão de aposentadoria por idade, se intercalados com períodos contributivos.
3. Na hipótese dos autos, como não houve retorno do segurado ao exercício de atividade remunerada, não é possível a utilização do tempo respectivo.
4. Recurso especial não provido."
(STJ, REsp 1422081/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 02/05/2014)
Esse também é o entendimento desta E. Corte:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. CÔMPUTO DO PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA PARA FINS DE CARÊNCIA. TEMPO INTERCALADO COM PERÍODO CONTRIBUTIVO. POSSIBILIDADE.
- É assegurado o benefício da aposentadoria por idade aos trabalhadores urbanos, na forma da Lei n. 8.213/91, ao segurado que completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, ou 60 (sessenta) anos, se mulher, nos termos do art. 48.
- O tempo em gozo de auxílio-doença deve ser considerado para fins de carência, desde que intercalado com períodos contributivos, como no caso dos autos.
- Período de carência observado.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.”
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2297784 - 0008335-32.2018.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, julgado em 23/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2018)
Impõe-se, por isso, a manutenção da r. sentença que reconheceu o direito ao cômputo dos períodos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez e, por consequência, à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição desde o requerimento administrativo.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947, sendo que a partir da promulgação da EC 113/2021, publicada em 09/12/2021, haverá a incidência da taxa Selic para fins de atualização monetária e compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.
Determino ainda a majoração da verba honorária em 2% (dois por cento) a título de sucumbência recursal, nos termos do §11 do artigo 85 do CPC/2015
.
Ante o exposto, com a vênia da E. Relatora, nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005197-49.2020.4.03.6103
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: VERA LUCIA VIEIRA ALVES
Advogado do(a) APELADO: ZAIRA MESQUITA PEDROSA PADILHA - SP115710-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
O art. 202 da Constituição Federal, na redação anterior ao advento da Emenda Constitucional n.º 20/98, assim prescrevia:
Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;
II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;
III – após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.
§ 1º É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher.
§ 2º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
A partir de então, o art. 201 da Carta Magna passou a dispor:
Art. 201. Omissis
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual, no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, nos seguintes termos:
Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral da previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data da publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I – contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II – contar com tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do “caput”, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;
II – omissis
§ 2º - omissis.
Contudo, acerca do estabelecimento de idade mínima para a obtenção de aposentadoria integral, que constava no projeto submetido ao Congresso Nacional, não houve aprovação daquela Casa.
Assim, a regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
Foram contempladas, portanto, hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n.º 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até a mesma data; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
Duas situações se tornam relevantes para o segurado filiado ao Regime Geral anteriormente à publicação da Emenda Constitucional n.º 20/98:
- se não reunir as condições necessárias à aposentação até 15.12.1998, deverá comprovar, para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, na modalidade proporcional, além do número mínimo de contribuições, o tempo de trabalho exigido, acrescido do pedágio legal, e contar com 53 anos de idade, se homem, ou 48 anos, se mulher;
- se cumprir os requisitos previstos no art. 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
Cabe mencionar, por fim, que, nos termos do inciso II do art. 25 da Lei n.º 8.213/91, a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição depende do cumprimento de período de carência equivalente a 180 contribuições mensais. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24/07/1991, entretanto, deve-se observar o regramento contido no art. 142 do mesmo diploma legal, levando-se em conta o ano em que (...) implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
DO CASO DOS AUTOS
A autora pretende a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (25/2/2019), mediante o cômputo, como carência, do auxílio doença previdenciário (30/8/1995 a 9/1/2001) e da aposentadoria por invalidez (10/1/2001 a 3/10/2019) percebidos pela demandante.
O juízo a quo julgou procedente o pedido.
Nos termos do art. 29, § 5.º e do art. 55, II, ambos da Lei n.º 8.213/1991, in verbis:
“Art. 29 - O salário-de-benefício consiste:
(...)
§ 5.º - Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo.”
(...)
Art. 55 - O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;”
Conforme estabelecia o inciso III do art. 60 do Decreto n.º 3.048/1999 (revogado pelo Decreto nº 10.410/2020, mas aplicável ao presente caso, em virtude do princípio tempus regit actum), in verbis:
“Art. 60 - Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:
(...)
III - o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade;”
Não se pode perder de vista que as referidas disposições normativas asseveravam a possibilidade de contabilizar, como tempo de contribuição, os períodos nos quais o(a) segurado(a) percebeu auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, desde que tais interregnos estivessem “entre períodos de atividade”.
Nesse contexto, as expressões "tempo intercalado" (art. 55, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991) ou "entre períodos de atividade" (art. 60, inciso III do Decreto n.º 3.048/1999) conduzem ao entendimento de que o lapso temporal em que a autora esteve em gozo de benefício por incapacidade poderia ser contabilizado para integrar a carência legalmente exigida na espécie (de 180 meses, nos termos do art. 142 da Lei n.º 8.213/91) se houvesse comprovação do retorno ao trabalho, ainda que por curto período, em período anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.
Impende salientar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 1.298.832, em 19/2/2021, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada e, no mérito, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, fixando a seguinte tese: “É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa” (Tema 1.125).
No mesmo sentido, já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PERCEPÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CARÊNCIA. CÔMPUTO.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
2. O entendimento do Tribunal de origem coaduna-se com o disposto no § 5º do art. 29 da Lei n. 8.213/1991, bem como com a orientação desta Corte, segundo os quais deve ser considerado, para efeito de carência, o tempo em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, desde que intercalado com períodos contributivos.
3. Hipótese em que a Corte local reconheceu a demonstração do recolhimento de 142 contribuições previdenciárias, das 126 exigidas pelo art. 142 da Lei de Benefícios, necessárias à concessão da aposentadoria.
4. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1574860/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/04/2018, DJe 09/05/2018)
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÔMPUTO DO TEMPO PARA FINS DE CARÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO EM PERÍODO INTERCALADO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. É firme no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é possível a consideração dos períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez como carência para a concessão de aposentadoria por idade, se intercalados com períodos contributivos, o que não ocorreu na espécie.
2. Tem-se que o acórdão recorrido está em consonância com a orientação do STJ, incidindo na pretensão recursal, pois, o óbice da Súmula 83/STJ.
3. Ademais, não há como infirmar as conclusões do Tribunal de origem sem arredar as premissas fático-probatórias sobre as quais se assentam, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ.
4. Recurso Especial não conhecido."
(REsp 1709917/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 16/11/2018)
Contudo, isso não ocorreu no presente caso, uma vez que o benefício por incapacidade cessou em 3/10/2019 (CNIS – Id. 152951133, pp. 36) e o requerimento administrativo da aposentadoria por tempo de contribuição foi formulado em 25/2/2019 (é dizer, enquanto percebia o benefício por incapacidade, que pressupõe o não exercício de atividade laboral), não havendo, portanto, período intercalado com atividade laborativa.
Outrossim, a autora, na petição inicial, afirmou que “retornou ao trabalho em fevereiro de 2019”. Ainda que tal data fosse considerada, não haveria, igualmente, período intercalado com labor, tendo em vista que o pedido de concessão do benefício previdenciário foi formulado precisamente no referido mês de fevereiro/2019 (25/2/2019).
Não se ignora que consta do CNIS (Id. 152951133, pp. 112) a existência de remunerações nos meses de 01/2019 (R$ 974,97) e 2/2019 (R$ 3.778,00). Considerando, contudo, que a DER ocorreu em 25/2/2019, não é possível considerar o recolhimento de duas contribuições previdenciárias, após 24 anos de gozo de benefício por incapacidade (30/8/1995 a 3/10/2019), para fins de carência e consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, restando configurado o recolhimento oportunista para fins de manutenção da qualidade de segurado.
Por derradeiro, causa estranheza o fato de a autora afirmar ter retornado ao trabalho em fevereiro/2019, ainda em pleno gozo de aposentadoria por invalidez (cuja cessação deu-se somente em 3/10/2019), bem como não se concebe a persistência do vínculo empregatício de 1.º/7/1987 a julho/2020 (Id. 152951133, pp. 108/114), tendo em vista a vedação constante do art. 46 da Lei n.º 8.213/91, o qual determina expressamente que o "aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno", tendo recebido a parte, isto sim, benefício por incapacidade de 30/8/1995 a 3/10/2019. Tal vínculo, portanto, não pode ser considerado para fins de manutenção da qualidade de segurado.
Frise-se, ainda, conforme entendimento acima já externado, que o alegado retorno ao labor, em fevereiro/2019, não confere à demandante o direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por não haver período intercalado de contribuições, tendo em vista que o requerimento administrativo foi formulado no próprio mês de fevereiro/2019.
Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. FACULTATIVO. ATIVIDADE LABORATIVA. TEMA 1.125/STJ. 1. O tempo em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez só pode ser computado para fins de tempo de contribuição e de carência se intercalado com períodos de atividade (Lei 8.213/91, art. 55, II e Decreto 3.048/99, art. 60). 2. Exige-se a comprovação da efetiva atividade laborativa para o reconhecimento do período intercalado em que a parte esteve em goz de benefício por incapacidade. 3. Todo aquele que desenvolve atividade laborativa será enquadrado em alguns dos incisos do artigo 11 da Lei 8.213/91, sendo indispensável para a configuração do segurado facultativo não desempenhar qualquer atividade remunerada. 4. O recolhimento de três contribuições como segurada facultativa, após 14 anos de período em gozo de benefício por incapacidade, seguida de um novo requerimento administrativo por aposentadoria, não configura retorno do segurado à atividade, mas sim uma inequívoca intenção de se manter afastado de atividades laborais, mediante o aproveitamento do tempo em benefício. 5. A ausência de atividade laboral para enquadramento como segurado facultativo não permite a incidência do Tema 1.125 do STJ. 6. O recolhimento de poucas contribuições como segurado facultativo, após um longo de período em gozo de benefício por incapacidade e sucedido por novo requerimento de aposentadoria, não caracteriza retorno às atividades. Em tal caso, o período em gozo de benefício não configura tempo intercalado e não pode, portanto, ser computado como tempo de contribuição.
(TRF-4 - AC: 50929064820194047100 RS 5092906-48.2019.4.04.7100, Relator: JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, Data de Julgamento: 23/03/2022, SEXTA TURMA)
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício, porquanto não restou comprovada a carência legalmente prevista para a sua concessão.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
Tendo em vista a improcedência do pedido formulado, revogo a tutela antecipada concedida, determinando a devolução dos valores percebidos precariamente, nos termos do definido pelo STJ no âmbito do Tema 692.
Posto isso, dou provimento à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO DE PERCEPÇÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍODO INTERCALADO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. COMPUTO COMO PERÍODO DE CARÊNCIA. POSSSIBILIDADE. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
I. Caso em exame
1- Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (25/2/2019), mediante o cômputo, como carência, do auxílio doença previdenciário (30/8/1995 a 9/1/2001) e da aposentadoria por invalidez (10/1/2001 a 3/10/2019) percebidos pela autora.
II. Questão em discussão
2- Possibilidade de cômputo dos períodos em que a autora recebeu benefício por incapacidade, para fins de carência para obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
III. Razões de decidir
3 – Reconhecimento da possiblidade de ser computado o período em que a parte autora percebeu benefício de aposentadoria por invalidez como período de carência para fins de obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que intercalado com período de atividade e/ou de recolhimento de contribuições previdenciárias.
IV. Dispositivo e tese
4- Apelação do INSS parcialmente provida. Postergada a fixação do termo inicial para momento a partir da fixação da tese no Tema 1124 pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
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Dispositivos relevantes citados: Lei 8.213/1991, artigos 29, §5º, e 55, II, 142. Jurisprudência relevante citada: (STJ, REsp 1422081/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 02/05/2014); TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2297784 - 0008335-32.2018.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, julgado em 23/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/06/2018.
