
| D.E. Publicado em 19/10/2017 |
EMENTA
| PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO CARACTERIZADA. CONFIGURADA A CONDIÇÃO DE PRODUTOR RURAL. INADIMPLEMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA BENESSE. MANUTENÇÃO DA IMPROCEDÊNCIA. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025721-12.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS
A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando, em síntese, o reconhecimento do exercício de labor rural, em regime de economia familiar e, portanto, sem o correspondente registro em CTPS, a fim de viabilizar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Concedidos os benefícios da Justiça Gratuita.
Após a contestação do feito e oferecida a réplica, determinou-se audiência de instrução, com a oitiva das testemunhas gravada em mídia digital.
A sentença julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ressalvando-se a prévia concessão da gratuidade processual (fls. 159/163).
Apela a parte autora, sustentando a suficiência do acerbo probatório colacionado aos autos, a fim de comprovar o implemento dos requisitos legais para a obtenção da benesse almejada.
Sem contrarrazões , subiram os autos a esta E. Corte.
É o Relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS.
Da Atividade rural.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural , só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural , comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei n.º 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação. No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, inc. III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, inc. VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, inc. X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural , na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural , como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
Realizadas tais considerações, observo que na hipótese em apreço, o que motivou o indeferimento do pedido resume-se à verificação do alegado tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar.
Nos termos da Súmula de n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça, é necessário que a prova testemunhal venha acompanhada de, pelo menos, um início razoável de prova documental, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
No caso em questão, para comprovar a sua condição de rurícola, a requerente apresentou, dentre outros documentos contemporâneos à época do alegado labor rural, sua certidão de casamento e de nascimento dos filhos, em que é qualificado como lavrador. Anexou também certidões do imóvel rural de 60 alqueires de propriedade da família (pais, irmãos e primos), bem como notas fiscais de produtor rural emitidas pela "Fazenda São João", de propriedade da família da parte autora.
Para o deslinde da questão, cabe dizer que o regime de economia familiar, assim entendido é aquele em que trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração.
In casu, a despeito da argumentação expendida pela parte autora, não restou suficientemente comprovado o exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar, haja vista que o conjunto probatório demonstra que, na realidade, a família atuava como produtora rural, sendo que a parte autora auxiliava o grupo familiar nesta tarefa.
Ressalto que, inobstante o tamanho da propriedade não ser fator determinante para a descaracterização do regime de economia familiar, as notas fiscais indicam respectivamente, a comercialização de toneladas de grãos em nome da família (café, amendoim, arroz, mamona), não havendo que se falar em exercício de agricultura de subsistência em regime de economia familiar.
O exercício de atividade típica de produtor rural descaracteriza a relação de segurado especial em regime de economia familiar, uma vez que contraria o artigo 11, inc. VII, § 1º da Lei n.º 8.213/91, que dispõe:
"(...)
§ 1 Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".
Nesse sentido, trago à colação:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL . SEGURADA ESPECIAL. MARIDO DA AUTORA É PROPRIETÁRIO DE IMÓVEIS RURAIS CUJAS ÁREAS SOMAM MAIS DE 4 MÓDULOS FISCAIS. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR DESCARACTERIZADO. TUTELA REVOGADA. I. A orientação da Turma caminha no sentido da necessidade de ser recebido o apelo, no efeito suspensivo, com a posterior interposição de agravo de instrumento, acaso indeferido o pedido. II. Consoante o disposto no art. 11 da Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.718/2008, deve ser enquadrado como segurado especial a pessoa física residente no imóvel rural ou aglomeramento urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtora, seja proprietária, usufrutuária, possuidora, assentada, parceira ou meeira outorgadas, comodatária ou arrendatária rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais. III. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento sócioeconômino do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (...) VI. Os documentos apresentados demonstraram que o marido da autora é empregador rural e proprietário de imóveis rurais cujas áreas somam mais de 4 módulos ficais, fatos que descaracterizam o regime de economia familiar. VII. Preliminar rejeitada. Apelação provida. Sentença reformada. Tutela antecipada revogada.(TRF 3ªR., AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1392224, rel. Des. Fed. Marisa Santos, p. 08/10/2010)
Descaracterizado, portanto, o alegado exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar, entendo que a parte autora não faz jus ao benefício pleiteado.
De rigor, portanto, a manutenção da improcedência do pedido nos exatos termos explicitados pelo Juízo de Primeiro Grau.
Mantenho, ainda, os critérios adotados na r. sentença para fixação das custas e verba honorária, em face da ausência de impugnação recursal específica.
Isto posto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO, mantendo-se, integralmente, a r. sentença recorrida.
É o voto.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | DAVID DINIZ DANTAS:10074 |
| Nº de Série do Certificado: | 11A217051057D849 |
| Data e Hora: | 02/10/2017 14:55:12 |
