Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002782-85.2020.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO COMO GUARDA MIRIM. SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
CARÁTER SOCIO EDUCATIVO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO DO
RUÍDO NOS TEMROS DO TEMA 174 DA TNU. SEM RESPONSÁVEL TÉCNICO PELOS
REGISTROS AMBIETAIS EM PARTE DO PERÍODO. TEMA 208 DA TNU.
1.Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente
o pedido.
2. A parte autora alega que laborou como guarda mirim, restando comprovado por prova material
e oral o vínculo empregatício. Ainda, requer o reconhecimento do tempo especial em que esteve
exposto a ruído. Alega a desnecessidade de juntada do LTCAT para comprovar a exposição,
bastando o PPP.
3. O tempo em que a parte autora exerceu a atividade de guarda mirim possui caráter
socioeducativo, não restando comprovado o vínculo empregatício. No que se refere ao período
especial exposto ao ruído, se comprovou a metodologia de aferição do ruído, nos termos do
Tema 174 da TNU, mas não houve indicação de responsável técnico pelos registros ambientais
em parte do período.
4. Reconhecer período exposto a ruído com indicação de responsável técnico pelos registros
ambientais, nos termos do Tema 208 da TNU.
Recurso da parte autora que se dá parcial provimento.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002782-85.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: EDSON JOSE MARANI CRISTOVAM
Advogados do(a) RECORRENTE: EVERTON FADIN MEDEIROS - SP310436-N, GILMAR
BERNARDINO DE SOUZA - SP243470-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002782-85.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: EDSON JOSE MARANI CRISTOVAM
Advogados do(a) RECORRENTE: EVERTON FADIN MEDEIROS - SP310436-N, GILMAR
BERNARDINO DE SOUZA - SP243470-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da r. sentença que julgou
IMPROCEDENTE o pedido para condenar o INSS a reconhecer e averbar como tempo comum
o período de 06/09/1976 a 09/04/1980, como guarda mirim, bem como, e reconhecer, averbar e
converter o período laborado em condições especiais de 17/07/2008 a 02/06/2014, deixando de
conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição requerido.
Em suas razões recursais, a parte autora, requer o reconhecimento do período de 06/09/1976 a
09/04/1980 que laborou quando menor como Guarda Mirim, por ter restado comprovado o
vínculo empregatício, bem como, o período especial de 17/07/2008 a 02/06/2014 em que
laborou exposto a ao agente nocivo ruído acima do limite de tolerância, de forma habitual e
permanente, sendo desnecessária a juntada do LTCAT para comprovar a exposição, bastando
a juntado do PPP, conforme sedimentado na jurisprudência. Por estas razões, pretende a
reforma da r. sentença ora recorrida.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002782-85.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: EDSON JOSE MARANI CRISTOVAM
Advogados do(a) RECORRENTE: EVERTON FADIN MEDEIROS - SP310436-N, GILMAR
BERNARDINO DE SOUZA - SP243470-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Do Vínculo na Condição de Guarda Mirim:
Primeiramente, é necessário se analisar a natureza do período laborado como Guarda
Mirim/Guarda Mirim Municipal, se configura ou não como vínculo empregatício, se inserindo ou
não nas hipóteses previstas no artigo 3º da CLT, para fins de reconhecimento como tempo ficto
de serviço.
Muito bem. A Guarda Mirim, instituição de cunho filantrópico, comum nas Prefeituras
Municipais, reveste-se de importância junto à comunidade local na oferta de ações
socioeducativas visando à aprendizagem profissional para futura inserção dos jovens no
mercado de trabalho, em complemento ao aprendizado educacional.
Assim, trata-se de atividades de caráter socioeducativas, visando à aprendizagem de uma
futura profissão, o que não pode ser confundido com prestação de serviços para fins
trabalhistas e previdenciários.
Desta forma, a atividade de Guarda Mirim não gera vínculo empregatício, fugindo à relação de
emprego definida, nos termos do art. 3º da CLT, salvo, se a prova dos autos revelar verdadeira
e efetiva relação de emprego, preenchendo todos os elementos do citado art. 3º (pessoalidade,
subordinação, remuneração, continuidade e alteridade).
Nesse sentido, trago à colação jurisprudência do E. TRF da 3ª Região (grifos meus):
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REVISÃO DA RMI
DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. GUARDA MIRIM.
COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. RUÍDO. USO DE EPI. IMPLEMENTAÇÃO
DOS REQUISITOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA
JUSTIÇA FEDERAL E LEI Nº 11.960/2009. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MANTIDOS. (...)
7. A atividade de guarda-mirim não gera vínculo empregatício, nos termos do art. 3º, da CLT,
não podendo contar como tempo de serviço. (...).(ApReeNec 00067820820124036103,
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3
Judicial 1 DATA:14/06/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. VEDAÇÃO DE
PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. EXTINTO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO
MÉRITO. GUARDA MIRIM. CARÁTER SOCIOEDUCATIVO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE
EMPREGO. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. BENEFÍCIO NEGADO. REMESSA
NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PROVIDAS. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (...) 8
- Com relação ao reconhecimento do trabalho exercido na qualidade de guarda mirim, esta E.
Sétima Turma tem posicionamento consolidado no sentido de que, devido ao caráter
socioeducativo da atividade, bem como da ausência dos elementos ensejadores da relação de
emprego, não há como ser considerado como tempo de serviço, para fins de obtenção de
aposentadoria. Precedentes. (...).(Ap 00018907620104039999, DESEMBARGADOR FEDERAL
CARLOS DELGADO, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PREVIDENCIARIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE URBANA, GUARDA-MIRIM. RELAÇÃO SEM VÍNCULO
EMPREGATÍCIO. CARÁTER SÓCIOEDUCATIVO. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO
DO INSS CONHECIDA EM PARTE, E, NA PARTE CONHECIDA, PROVIDA. (...) 3. A guarda-
mirim, instituição de cunho filantrópico, comum nas prefeituras municipais, reveste-se de
importância junto à comunidade local na oferta de ações socioeducativas visando à
aprendizagem profissional para futura inserção dos jovens no mercado de trabalho. 4. A
atividade não gera vínculo empregatício, fugindo à relação de emprego definida, nos termos do
art. 3º da CLT. 5. Preliminares rejeitadas. No mérito, apelação do INSS não conhecida em
parte, e, na parte conhecida, provida.(Ap 00085515420124036102, DESEMBARGADOR
FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Destarte, em que pese o exercício da atividade de Guarda Mirim, o mesmo não pode ser
reconhecido como tempo de serviço para fins previdenciários, caso se comprove que a
atividade exercida se reveste de caráter socioeducativo (voltada ao desenvolvimento do menor
de idade) e se tratar de tempo ficto, pois não foram vertidas contribuições previdenciárias no
período.
Da Atividade Especial:
Acerca da atividade especial, passo a tecer as seguintes considerações gerais.
O fundamento para considerar especial uma determinada atividade, nos termos dos Decretos nº
53.831/64 e 83.080/79, era sempre o seu potencial de lesar a saúde ou a integridade física do
trabalhador em razão da periculosidade, penosidade ou insalubridade a ela inerente. Os
referidos decretos classificaram as atividades perigosas, penosas e insalubres por categoria
profissional e em função do agente nocivo a que o segurado estaria exposto. Portanto, uma
atividade poderia ser considerada especial pelo simples fato de pertencer o trabalhador a uma
determinada categoria profissional ou em razão de estar ele exposto a um agente nocivo
específico.
Tais formas de enquadramento encontravam respaldo não apenas no art. 58, como também no
art. 57 da Lei n.º 8.213/91, segundo o qual o segurado do RGPS faria jus à aposentadoria
especial quando comprovasse período mínimo de trabalho prejudicial à saúde ou à atividade
física “conforme a atividade profissional”. A Lei n.º 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo
legal, dele excluindo a expressão “conforme a atividade profissional”, mas manteve em vigor os
arts. 58 e 152 da Lei n.º 8.213/91.
A prova da exposição a tais condições foi disciplinada por sucessivas instruções normativas
baixadas pelo INSS, a última das quais é a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 77/2015. Tais
regras tradicionalmente exigiram, relativamente ao período em que vigorava a redação original
dos arts. 57 e 58 da Lei n.º 8.213/91, a comprovação do exercício da atividade especial por
meio de formulário próprio (SB-40/DSS-8030), o qual, somente no caso de exposição aos
agentes nocivos ruído e calor, deveriam ser acompanhados de laudo pericial atestando os
níveis de exposição.
Com o advento da Medida Provisória n.º 1.523/96, sucessivamente reeditada até sua ulterior
conversão na Lei nº 9.528/97, foi alterada a redação do art. 58 e revogado o art. 152 da Lei n.º
8.213/91, introduzindo-se duas importantes modificações quanto à qualificação das atividades
especiais: (i) no lugar da “relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à
integridade física” passaria a haver uma “relação dos agentes nocivos químicos, físicos e
biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e (ii) essa
relação não precisaria mais ser objeto de lei específica, atribuindo-se ao Poder Executivo a
incumbência de elaborá-la.
Servindo-se de sua nova atribuição legal, o Poder Executivo baixou o Decreto nº 2.172/97, que
trouxe em seu Anexo IV a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos a que
refere a nova redação do art. 58 da Lei n.º 8.213/91 e revogou, como consequência, as
relações de atividades profissionais que constavam dos quadros anexos aos Decretos n.º
53.831/64 e 83.080/79. Posteriormente, o Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 foi substituído pelo
Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, que permanece ainda em vigor.
Referida norma, mediante a introdução de quatro parágrafos ao art. 58 da Lei n.º 8.213/91,
finalmente estabeleceu regras quanto à prova do exercício da atividade especial. Passou então
a ser exigida por lei a apresentação de formulário próprio e, ainda, a elaboração, para todo e
qualquer agente nocivo (e não apenas para o caso de ruído), de laudo técnico de condições
ambientais do trabalho expedido por profissional habilitado (médico do trabalho ou engenheiro
de segurança do trabalho).
Em relação ao enquadramento por atividade profissional, na alteração materializada pela Lei
9.032/95, editada em 28/04/1995, deixou-se de reconhecer o caráter especial da atividade
prestada com fulcro tão somente no enquadramento da profissão na categoria respectiva,
sendo mister a efetiva exposição do segurado a condições nocivas que tragam consequências
maléficas à sua saúde, conforme dispuser a lei.
Da análise da evolução legislativa ora exposta, vê-se que a partir de 28/04/1995, não há como
se considerar como tempo especial o tempo de serviço comum, com base apenas na categoria
profissional do segurado.
Desta forma, para períodos até 28.04.1995, é possível o enquadramento por categoria
profissional, sendo que os trabalhadores não integrantes das categorias profissionais poderiam
comprovar o exercício de atividade especial tão somente mediante apresentação de formulários
(SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030) expedidos pelo empregador, à exceção
do ruído e calor, que necessitam de laudo técnico; de 29.04.1995 até 05.03.1997, passou-se a
exigir a exposição aos agentes nocivos, não mais podendo haver enquadramento com base em
categoria profissional, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador
(SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030), exceto para ruído e calor, que
necessitam de apresentação de laudo técnico; e a partir de 06.03.1997, quando passou a ser
necessária comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos mediante
formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base
em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho, em qualquer hipótese.
E, a partir de 01/01/2004, o único documento para comprovar tempo especial é o Perfil
Profissiográfico Previdenciário – PPP, que dispensaa apresentação do laudo técnico ambiental,
de que seu preenchimento tenha sido feito por responsável técnico habilitado.
Da Exposição ao Agente Físico Ruído:
Quanto ao agente agressivo ruído, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que
deve prevalecer o índice de 80 decibéis a quaisquer períodos anteriores à vigência do Decreto
2.172/97 (05/03/1997), por força do artigo 173, caput e inciso I, da Instrução Normativa INSS nº
57/01. As atividades exercidas entre 06/03/1997 e 18/11/2003 são consideradas especiais se
houver exposição a 90 decibéis, tendo em vista o entendimento no sentido de que não há
retroatividade do Decreto 4.882/03, que passou a prever nível de ruído mínimo de 85 decibéis.
Como visto, o STJ afastou a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/2003 e consolidou a
controvérsia. Em resumo, o limite é de 80 decibéis até 05/03/1997, sendo considerado
prejudicial, após essa data, o nível deruído superior a 90 decibéis. A partir de 18/11/2003, o
limite de tolerância foi reduzido a 85 decibéis (STJ - AgRg no REsp: 1399426, Relator Ministro
Humberto Martins, 04/10/2013).
E, especificamente com relação ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) no caso
do ruído, desde que o agente se apresente acima do limite legal, o Supremo Tribunal Federal
se mostrou alinhado com o entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU), disposto
na Súmula nº 09 no seguinte sentido: “O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI),
ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo
de serviço especial prestado”.
Com relação à metodologia de aferição do ruído, existem no mercado dois instrumentos aptos a
medição de pressão sonora: o decibelímetro e o dosímetro. O decibelímetro mede o nível de
intensidade da pressão sonora no exato momento em que ela ocorre. Por ser momentâneo, ele
serve para constatar a ocorrência do som. Já o dosímetro de ruído, tem por função medir uma
dose de ruído ao qual uma pessoa tenha sido exposta por um determinado período de tempo.
Para períodos anteriores a 18/11/2003, véspera da vigência do Decreto nº 4.882/2003, a NR-
15/MTE (Anexo I, item 6) admitia a medição do ruído por meio de decibelímetro (ou técnica
similar), não havendo exigência de se demonstrar a metodologia e o procedimento de avaliação
aplicados na medição do ruído em função do tempo.
Já a partir de 19/11/2003, vigência do Decreto nº 4.882/2003, que incluiu o §11 no art. 68 do
Decreto 3.048/99, a medição do ruído deve-se dar em conformidade com que preconiza a NHO
01 da Fundacentro ou na NR-15, por meio de dosímetro de ruído(técnica dosimetria), cujo
resultado é indicado em nível equivalente de ruído (Leq– Equivalent Level ou Neq – Nível
equivalente), ou qualquer outra forma de aferição existente que leve em consideração a
intensidade do ruído em função do tempo (tais como a média ponderadaLavg – Average Level
/NM – nível médio, ou ainda o NEN – Nível de exposição normalizado), tudo com o objetivo
apurar o valor normalizado para toda a jornada de trabalho, permitindo-se constatar se a
exposição diária (e não eventual/ instantânea /de picos ou extremos) ultrapassou os limites de
tolerância vigentes em cada época, não sendo mais admissível a partir de então a utilização de
decibelímetro, sem a feitura de uma média ponderada do ruído medido em função do tempo.
Ainda, é importante salientar que a Turma Nacional de Uniformização fixou a seguinte tese, no
Representativo de Controvérsia nº 0505614-83.2017.4.05.8300, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal
Sergio de Abreu Brito, j. 21/11/2018, no Tema 174: “a)A partir de 19 de novembro de 2003, para
a aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias
contidas na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição
durante toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de
omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição
nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo
ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada
na medição, bem como a respectiva norma”.
Por fim, esclareço que me filio a posição jurisprudencial de que é insuficiente a mera alusão ao
equipamento ou do aparelho que fez a medida (como é o caso do dosímetro), pois esta não
revela, por si só, a medição do ruído nos termos do Decreto 4.882 de 19.11.2003, devendo ser
indicado no formulário e/ou no laudo técnico qual foi a metodologiaempregada (NR-15 ou NHO-
01), conforme dispõe o Tema 174 da TNU.
Nessa linha, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, firmou entendimento no sentido
de que: “A simples menção à expressão “dosimetria” no formulário não é suficiente para se
compreender que houve observância à decisão da TNU no Tema 174”. Vejamos a ementa:
PREVIDENCIÁRIO. INDICENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. RECONHECIMENTO DE
TEMPO ESPECIAL COM FUNDAMENTO NO AGENTE NOCIVO RUÍDO. AUSÊNCIA DE
INDICAÇÃO NO PPP DA METODOLOGIA DA NR-15 OU NHO-01 DA FUNDACENTRO.
MENÇÃO NO FORMULÁRIO APENAS DA EXPRESSÃO DOSIMETRIA. ACÓRDÃO
COMBATIDO EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA FIRMADA PELA TNU (TEMA
174). INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO (5001530-42.2019.4.04.7209, TURMA
REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, RELATOR ERIVALDO RIBEIRO DOS
SANTOS, 29.06.2020).
Do caso concreto:
Em sede recursal, a parte autora requer o reconhecimento do período comum de 06/09/1976 a
09/04/1980 (como guarda mirim), bem como, o reconhecimento do período especial de
17/07/2008 a 02/06/2014 (exposto a ruído).
Pois bem.
No que se refere ao período de 06/09/1976 a 09/04/1980, verifica-se que foi anexado aos autos
DECLARAÇÃO (datada de 13.03.2019), no qual consta que a parte autora exerceu a atividade
de Guarda Mirim na FUNDAÇÃO MIRIM DE PIRAPOZINHO.
No caso em concreto, a parte autora juntou fotografia de jovens vestidos como guardas mirins,
bem como, foi realizada prova oral, com a colheita do depoimento do presidente da fundação
Guarda Mirim, que como dito na r. sentença “foi de suma importância para comprovar que o
objetivo maior dessa relação havida entre o autor e a mencionada fundação era o
desenvolvimento do requerente enquanto pessoa humana”.
A Guarda Mirim trata-se de instituição de cunho filantrópico, ligada às Prefeituras Municipais,
ofertando ações socioeducativas visando à aprendizagem profissional para futura inserção dos
jovens no mercado de trabalho, em complemento ao aprendizado educacional.
Assim, trata-se de atividades de caráter socioeducativas, visando à aprendizagem de uma
futura profissão, o que não pode ser confundido com prestação de serviços para fins
trabalhistas e previdenciários.
Como dito na r. sentença, no caso em concreto, a parte autora tinha somente 10 anos de idade
quando ingressou na referida Fundação, sendo que a prova material e oral produzida nos autos
não comprovaram o efetivo vínculo empregatício, nem qualquer desvio de função.
Desta forma, a atividade na Guarda Mirim não gera vínculo empregatício, fugindo à relação de
emprego definida, nos termos do art. 3º da CLT.
Desse modo, não se tratando de vínculo empregatício e sem recolhimento de contribuições, é
inviável o reconhecimento do período de 06/09/1976 a 09/04/1980 como tempo de contribuição,
para fins previdenciários.
No que se refere o período de 13/02/2002 a 15/01/2008, laborado na empresa IRIZAR S.A.,
verifico que foi anexado aos autos o formulário PPP às fls. 11 do arquivo 02 e LTCAT às fls. 01
do arquivo 55, no qual consta que a parte autora exerceu a atividade de “operador de
máquinas/operador de fabr e montagem”, e, esteve exposta ao agente físico ruído na
intensidade de 91 dB(A), medido através de dosimetria, de acordo com a técnica prevista na
NR-15, Anexo I. Consta utilização de EPI eficaz.
No que se refere o período de 17/07/2008 a 02/06/2014, laborado na empresa BEMPAC
FRIGORÍFICO E CEREAIS LTDA., verifico que foi anexado aos autos o formulário PPP, no qual
consta que a parte autora exerceu a atividade de “motorista de caminhão”, no setor de
frigorífico, e, esteve exposta ao agente físico ruído na intensidade de 85,51 dB(A), de acordo
com a metodologia prevista na NR-15, Anexo 1. Não consta utilização de EPI eficaz. Conta a
indicação de responsável técnico pelos registros ambientais a partir de 26/08/2013 (com
registro no órgão de classe).Consta assinatura do representante legal da empresa, com
indicação do NIT e carimbo do empregador.
Com relação a regularidade do PPP, de acordo com o disposto no art. 272, § 12º, da Instrução
Normativa nº 45/2010, do INSS, verifico que o formulário foi devidamente assinado pelo
representante legal da empresa, com anotação do NIT e o carimbo da empresa, no entanto,
contém a indicação de responsável técnico legalmente habilitado pelos registros ambientais
somente em parte do período de labor ora analisado, ou seja, somente consta a indicação de
responsável técnico a partir de 26/08/2013.
Observe-se que não foram anexados aos autos o laudo técnico (LTCAT) ou elementos técnicos
equivalentes, nem declaração do empregador sobre a inexistência de alteração no ambiente de
trabalho (do lay out da empresa) ou em sua organização ao longo do tempo.
Verifica-se que, nos termos da tese firmada no Tema 208 da TNU, a ausência total ou parcial
da indicação no PPP quanto a presença do responsável técnico pelos registros ambientais,
pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou por elementos técnicos equivalentes, cujas
informações podem ser estendidas para período anterior ou posterior à sua elaboração, desde
que acompanhados da declaração do empregador sobre a inexistência de alteração no
ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo.
No entanto, como dito, no caso em concreto, além do PPP, não foram apresentados outros
documentos que complementassem as informações do formulário, portanto, somente pode ser
considerado como regular o PPP no período de 26/08/2013 a 02/06/2014.
Desse modo, deixo de reconhecer a especialidade do período de 17/07/2008 a 25/08/2013, por
ausência de indicação de responsável técnico pelos registros ambientais no formulário PPP.
No que tange ao agente nocivo ruído, conforme exposto nos tópicos de tolerância admitido é
superior a80 decibéis até 05/03/1997, sendo considerado prejudicial, após essa data, o nível de
ruído superior a 90 decibéis (período de 06/03/1997 a 18/11/2003). A partir de 18/11/2003, o
limite de tolerância foi reduzido a superior a85 decibéis.
Assim, verifica-se que a parte autora esteve exposta ao agente nocivo ruído acima do limite de
tolerância admitido para o período analisado de 26/08/2013 a 02/06/2014, ou seja, acima de 85
decibéis partir de 18/11/2003.
Com relação ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) no caso do ruído, desde que
o agente se apresente acima do limite legal, o Supremo Tribunal Federal se mostrou alinhado
com o entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU), disposto na Súmula nº 09 no
seguinte sentido: “O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a
insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial
prestado”.
No que se refere a habitualidade e permanência da exposição ao ruído no período reconhecido,
verifico que a exposição se mostrou inerente e indissociável às atividades laborais exercidas
pela parte autora, restando certa a exposição habitual e permanente ao ruído.
Com relação à metodologia de aferição do ruído, é importante frisar que para períodos
anteriores a 18/11/2003, admite-se a medição do ruído por meio de decibelímetro ou dosímetro
(ou qualquer técnica similar), não havendo exigência de se demonstrar a metodologia e o
procedimento de avaliação aplicado na medição do ruído em função do tempo. No entanto, para
períodos posteriores a 19/11/2003, a medição do ruído deve-se dar em conformidade com que
preconiza a NHO 01 da Fundacentro ou na NR-15, como ocorreu no caso em concreto.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora para o fim de julgar
PROCEDENTE EM PARTE o pedido, condenando o INSS a reconhecer e averbar como tempo
especial o período de 26/08/2013 a 02/06/2014, o qual deve ser somado aos demais períodos
já reconhecidos administrativamente.
Considerando que o(a) Recorrente foi vencido(a) em parte do pedido, deixo de condená-lo(a)
ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, visto que somente o(a) Recorrente
integralmente vencido(a) faz jus a tal condenação, nos termos do Enunciado nº 97 do
FONAJEF e do Enunciado nº 15 do II Encontro dos Juizados Especiais Federais e Turmas
Recursais da 3ª Região.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO COMO GUARDA MIRIM. SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
CARÁTER SOCIO EDUCATIVO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO DO
RUÍDO NOS TEMROS DO TEMA 174 DA TNU. SEM RESPONSÁVEL TÉCNICO PELOS
REGISTROS AMBIETAIS EM PARTE DO PERÍODO. TEMA 208 DA TNU.
1.Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido.
2. A parte autora alega que laborou como guarda mirim, restando comprovado por prova
material e oral o vínculo empregatício. Ainda, requer o reconhecimento do tempo especial em
que esteve exposto a ruído. Alega a desnecessidade de juntada do LTCAT para comprovar a
exposição, bastando o PPP.
3. O tempo em que a parte autora exerceu a atividade de guarda mirim possui caráter
socioeducativo, não restando comprovado o vínculo empregatício. No que se refere ao período
especial exposto ao ruído, se comprovou a metodologia de aferição do ruído, nos termos do
Tema 174 da TNU, mas não houve indicação de responsável técnico pelos registros ambientais
em parte do período.
4. Reconhecer período exposto a ruído com indicação de responsável técnico pelos registros
ambientais, nos termos do Tema 208 da TNU.
Recurso da parte autora que se dá parcial provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo decidiu, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza
Federal Relatora Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA