Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5111833-54.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
28/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. ATIVIDADE NÃO
PREVISTA NOS DECRETOS. CALOR E RADIAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA DER. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Presença de documentação atrelada ao autor com os afazeres campesinos.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar em parte o labor rural alegado,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Pretensão de reconhecimento da natureza especial das atividades de “trabalhador rural serviços
gerais, "safrista”, trabalhador rural”, “colhedor de laranjas”, em estabelecimentos “serviços
agrícolas”, “locadora de mão de obra rural” e “agro-industrial”.
- O enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964
refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o cargo exercido
nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
- Em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir exposição -
habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos estabelecidos
no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do aparelho
"medidor de stress térmico" marcando 30,4ºC não representa a efetiva permanência do obreiro no
campo.
- Ademais, os riscos do “trabalho a céu aberto” e “movimento repetitivo”, decorrentes da atividade
de colhedor de frutas, não permitem o enquadramento perseguido.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos à aposentadoria especial na DER.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do
Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5111833-54.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLAUDIO DOS SANTOS BARDELA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO ARDENGHE - SP152848-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLAUDIO DOS SANTOS
BARDELA
Advogado do(a) APELADO: RONALDO ARDENGHE - SP152848-N
OUTROS PARTICIPANTES:
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora busca o
reconhecimento do trabalho rural e o enquadramento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido, nos termos do artigo487, I, do CPC:
"para reconhecer o período rural laborado sem registro em CTPS de 01/10/1978 a 11/07/1982;
reconhecer os períodos especiais laborados de 12/07/1982 a 29/01/1983, de 25/07/1983 a
03/01/1984, de 02/07/1984 a 08/12/1984, de 08/07/1985 a 04/01/1986, de 06/07/1987 a
23/01/1988, de 06/06/1988 a 17/03/1989, de 24/07/1989 a 30/09/1989, de 03/10/1989 a
28/02/1990, de 12/07/1990 a 26/01/1991, de 01/07/1991 a 22/07/1991, de 22/07/1991 a
28/12/1991, de 25/05/1992 a 07/04/1993, de 30/08/1993 a 25/12/1993, de 20/06/1994 a
09/01/1995, de 17/07/1995 a 09/03/1996, de 11/06/1996 a 03/08/1996, de 05/08/1996 a
10/01/1997, de 01/07/1997 a 03/01/1998, de 15/06/1998 a 22/12/1998, de 12/07/1999 a
13/09/1999, de 01/09/1999 a 18/10/1999, de 11/09/2000 a 13/03/2001, de 01/11/2001 a
05/04/2006, de 14/05/2007 a 25/06/2007, de 10/07/2007 a 19/12/2007, de 10/03/2008 a
30/04/2008, de 01/07/2008 a 19/12/2008, de 01/09/2009 a 11/11/2009, de 10/02/2010 a
26/12/2015, de 05/04/2016 a 17/01/2020 (data da perícia), determinar suas averbações e
conversões; conceder ao autor o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, desde
a data da citação (23/09/2019), como acima justificado, com renda mensal inicial no valor de
100% do salário de benefício, sem incidência do fator previdenciário, a ser apurado na forma do
art. 29-C, da Lei de Benefícios; e, ainda, condenar o requerido a efetuar o pagamento das
parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária, desde quando devidas e de juros de
mora, a partir da citação (verba alimentícia) ... ".
Inconformada, a autarquia recorreu impugnando o enquadramento realizado na atividade de
trabalhador rural, à míngua de comprovação a agentes nocivos. Ademais, o laudo pericial
afigura-se imprestável.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual reitera a procedência integral do
período rural, o que lhe assegura a aposentadoria na DER, não na citação.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5111833-54.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLAUDIO DOS SANTOS BARDELA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO ARDENGHE - SP152848-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CLAUDIO DOS SANTOS
BARDELA
Advogado do(a) APELADO: RONALDO ARDENGHE - SP152848-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Osrecursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55, e respectivos parágrafos, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante
o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento,
observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a
sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material
juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o
posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
No caso vertente, o autor alega ter trabalhado no campo, de 1º/11/1971 (quando possuía 12
anos de idade) a 12/7/1982 (data imediatamente anterior ao primeiro vínculo registrado em
carteira de trabalho), e nos intervalos dos registros em CTPS até janeiro de 1991.
Com efeito, há início razoável de prova material do trabalho rural, consubstanciada em: (i)
apontamentos escolares (1968); (ii) certidão de casamento dos genitores (1979); (iii) contrato de
parceria agrícola firmado pelo genitor no sítio Santo Antônio (1978/1985); (iv) notas de
produção rural (1984/1986); (v) totalidade das anotações de vínculos rurais em CTPS do autor a
partir de 12/7/1982.
Por seu turno, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, afiançaram o labor
campesino do autor na extensão do período vindicado.
Contudo, o possível laborrural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de
produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação
previdenciária (24/7/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo
39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de
serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
Nesse sentido, a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OCORRÊNCIA DE VÍCIO
PROCESSUAL. NECESSIDADE DE CORREÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. SEGURADO
ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO SEM
CONTRIBUIÇÕES MENSAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 272 DO STJ. OMISSÃO
VERIFICADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITO INFRINGENTE. RECURSO
ESPECIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Constatado erro na decisão embargada, cumpre o acolhimento dos embargos, com efeitos
modificativos para sanar o defeito processual.
2. A autora, produtora rural, ao comercializar os seus produtos, via incidir sobre a sua receita
bruta um percentual, recolhido a título de contribuição obrigatória, que poderia lhe garantir, tão-
somente, a percepção de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de
auxílio-reclusão ou de pensão. Tal contribuição em muito difere da contribuição facultativa
calculada sobre o salário-base dos segurados e que, nos termos do art. 39, inciso II, da Lei
8.213/91, é requisito para a aposentadoria por tempo de serviço ora pleiteada.
(...)."
(STJ; EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria Thereza De Assis
Moura; J 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350)
Também, a Súmula n. 272 daquele Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre
a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se
recolher contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des.
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel.
Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Desse modo, à luz do conjunto fático probatório, entendo demonstrado o trabalho rural nos
intervalos de 1º/11/1971 a 30/9/1978, de 30/1/1983 a 24/7/1983, de 4/1/1984 a 1º/7/1984,
de9/12/1984 a 7/7/1985, de 5/1/1986 a 5/7/1987, de 24/1/1988 a 5/6/1988, de 18/3/1989 a
23/7/1989, de 1º/3/1990 a 11/7/1990 e de 27/1/1991 a 30/6/1991, independentemente do
recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, §
2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO.
1. Com as modificações legislativas acerca da possibilidade de conversão do tempo exercido
em atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há
mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao
trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28/05/1998. Precedente desta 5.ª Turma.
2. Recurso especial desprovido."
(STJ; REsp 1010028/RN; 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz; julgado em 28/2/2008; DJe
7/4/2008)
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032/1995, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no STJ, assentou-se no
sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e n. 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n.
4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento
da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em
regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a
nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto,
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a
nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a
nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
In casu, no tocante aos períodos arrolados na inicial (de 12/7/1982 a 29/1/1983, de 25/7/1983 a
3/1/1984, de 2/7/1984 a 8/12/1984, de 8/7/1985 a 4/1/1986, de 6/7/1987 a 23/1/1988, de
6/6/1988 a 17/3/1989, de 24/7/1989 a 30/9/1989, de 3/10/1989 a 28/2/1990, de 12/7/1990 a
26/1/1991, de 1º/7/1991 a 22/7/1991, de 22/7/1991 a 28/12/1991, de 25/5/1992 a 7/4/1993, de
30/8/1993 a 25/12/1993, de 20/6/1994 a 9/1/1995, de 17/7/1995 a 9/3/1996, de 11/6/1996 a
3/8/1996, de 5/8/1996 a 10/1/1997, de 1º/7/1997 a 3/1/1998, de 15/6/1998 a 22/12/1998, de
12/7/1999 a 13/9/1999, de 1º/9/1999 a 18/10/1999, de 11/9/2000 a 13/3/2001, de 1º/11/2001 a
5/4/2006, de 14/5/2007 a 25/6/2007, de 10/7/2007 a 19/12/2007, de 10/3/2008 a 30/4/2008, de
1º/7/2008 a 19/12/2008, de 1º/9/2009 a 11/11/2009, de 10/2/2010 a 26/12/2015, de 5/4/2016 a
24/10/2018 - DER), busca a parte autora o reconhecimento da natureza especial das atividades
de “trabalhador rural serviços gerais, "safrista”, trabalhador rural”, “colhedor de laranjas”, em
estabelecimentos: “serviços agrícolas”, “locadora de mão de obra rural” e “agro-industrial”.
No entanto, as atividades supra indicadas anotadas em CTPS (até 28/4/1995 – possibilidade de
enquadramento por categoria profissional) não estão previstas nos mencionados decretos
regulamentadores, tampouco podem ser caracterizadas como insalubres, perigosas ou penosas
por simples enquadramento.
Com efeito, o enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n.
53.831/1964 refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o
cargo exercido nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
Especificamente aos interstícios posteriores a 28/4/1995, entendo também ser descabida a
pretensão de contagem excepcional do labor rural.
Consoante laudo pericial judicial, produzido durante a instrução, a parte autora desenvolveu
suas atividades em ambiente sob calor intenso de 30,4ºC, acima dos limites de tolerância, e
radiação solar (fonte de calor natural) ao longo do ano.
Em relação ao agente nocivo calor, o Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999 estabelece que se
considera atividade exercida em temperatura anormal aquela com exposição, habitual e
permanente, a calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15 da Portaria n.
3.214/1978, que, por sua vez, indica os cálculos para fins de verificação da submissão ao
referido agente agressor, com base em dados técnicos.
Desse modo, em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir
exposição - habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos
estabelecidos no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do
aparelho "medidor de stress térmico" marcando 30,4ºC não representa a efetiva permanência
do obreiro no campo.
Assim, entendo que a exposição do autor ao mencionado agente era ocasional e intermitente
pela própria natureza da atividade.
Ademais, os riscos do “trabalho a céu aberto” e “movimento repetitivo”, decorrentes da atividade
de colhedor de frutas, não permitem o enquadramento perseguido.
Desse modo, incabível se afigura o reconhecimento da excepcionalidade dos ofícios
desempenhados como trabalhador rural, à míngua de comprovação do exercício da atividade
em condições degradantes.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados todos os períodos de labor, inclusive o rural, a parte
autora conta mais de 35 anos de profissão no requerimento administrativo (24/10/2018), o que
lhe autoriza a concessão da aposentadoria integral (CF/1988, art. 201, § 7º, I, com redação
dada pela EC n. 20/1998), mediante cálculo de acordo com a Lei n. 9.876/1999, sem incidência
do fator previdenciário, pois a pontuação total suplanta 96 pontos (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C,
I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou parcial provimento aos apelos das partes para, nos termos da
fundamentação: (i) reconhecer o trabalho rural, sem registro em CTPS, nos interstícios de
1º/11/1971 a 30/9/1978, de 30/1/1983 a 24/7/1983, de 4/1/1984 a 1º/7/1984, de9/12/1984 a
7/7/1985, de 5/1/1986 a 5/7/1987, de 24/1/1988 a 5/6/1988, de 18/3/1989 a 23/7/1989, de
1º/3/1990 a 11/7/1990 e de 27/1/1991 a 30/6/1991, independentemente do recolhimento de
contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96,
inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991); (ii) excluir o enquadramento dos períodos especiais
indicados na sentença; (iii) fixar o benefício na DER.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. ATIVIDADE NÃO
PREVISTA NOS DECRETOS. CALOR E RADIAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA DER. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA
- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta
prova testemunhal.
- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade.
Precedentes.
- Presença de documentação atrelada ao autor com os afazeres campesinos.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar em parte o labor rural alegado,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Pretensão de reconhecimento da natureza especial das atividades de “trabalhador rural
serviços gerais, "safrista”, trabalhador rural”, “colhedor de laranjas”, em estabelecimentos
“serviços agrícolas”, “locadora de mão de obra rural” e “agro-industrial”.
- O enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964
refere-se à trabalhadores na agropecuária, situação não verificada, porque nem o cargo
exercido nem o estabelecimento empregador indicam especificamente essa situação.
- Em vista das informações constantes no laudo técnico, não é possível inferir exposição -
habitual e permanente - do autor ao agente nocivo calor em patamar superior aos estabelecidos
no Anexo 3 da NR-15/MTE, até porque a mera fotografia, anexada ao laudo, do aparelho
"medidor de stress térmico" marcando 30,4ºC não representa a efetiva permanência do obreiro
no campo.
- Ademais, os riscos do “trabalho a céu aberto” e “movimento repetitivo”, decorrentes da
atividade de colhedor de frutas, não permitem o enquadramento perseguido.
- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à
parte autora mais de 35 anos à aposentadoria especial na DER.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento aos apelos das partes, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
