
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000633-73.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CRISTINA PUMPUTIS
Advogados do(a) APELADO: CASSIA LOBO MOREIRA - SP404720-A, LOLITA TIEMI IWATA - SP133304-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000633-73.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CRISTINA PUMPUTIS
Advogados do(a) APELADO: CASSIA LOBO MOREIRA - SP404720-A, LOLITA TIEMI IWATA - SP133304-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o reconhecimento da atividade exercida, na qualidade de empregada, no período de 6/12/1999 a 3/4/2014 e o cômputo das contribuições recolhidas no interregno de 1.º/1/2006 a 31/10/2023, na qualidade de sócia da empresa Kalespera Assessoria e Consultoria Ltda., com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo (17/10/2019).
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a atividade laborativa exercida no período de 6/12/1999 a 3/4/2014, bem como condenar o INSS ao pagamento da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, a partir da data do requerimento administrativo (17/10/2019). A correção monetária foi fixada nos termos do INPC e os juros moratórios com base no art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, com redação da Lei n.º 11.960/09. A partir de 9/12/21, determinou a incidência da EC n.º 113/21. Condenou o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios no percentual mínimo sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença. Concedida a tutela de urgência provisória.
O INSS apela, sustentando a impossibilidade de reconhecimento da atividade urbana com base em anotação em CTPS, sob o fundamento de possuir presunção relativa de veracidade, não sendo válida a anotação “com rasura”. Aduz, outrossim, a “impossibilidade de reconhecimento de tempo rural”, não sendo devida a concessão de benefício previdenciário. Na hipótese de reafirmação da DER, requer a observância do Tema 995/STJ. Subsidiariamente, requer a incidência da prescrição quinquenal das parcelas, a intimação da parte autora para juntar a autodeclaração prevista no Anexo I da Portaria nº 450/2020 do INSS, a limitação da base de cálculo dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n.º 111/STJ, isenção de custas e outras taxas judiciárias, bem como a compensação dos valores recebidos administrativamente ou por força de tutela antecipada.
Com contrarrazões da parte autora, nas quais requer a condenação da autarquia à multa por litigância de má-fé, subiram os autos.
Documento juntado pela autarquia comprovando a implantação do benefício previdenciário, em cumprimento à sentença proferida (Id. 287590431).
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000633-73.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CRISTINA PUMPUTIS
Advogados do(a) APELADO: CASSIA LOBO MOREIRA - SP404720-A, LOLITA TIEMI IWATA - SP133304-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, não se conhece da apelação com relação às alegações de impossibilidade de reconhecimento de atividade rural e atividade urbana em decorrência de rasura na CTPS, por inexistirem tais situações fáticas nos presentes autos, encontrando-se as razões da autarquia, portanto, dissociadas do caso concreto. Outrossim, deixa-se de conhecer do recurso no tocante ao pedido de limitação da base de cálculo dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n.º 111/STJ e isenção de custas e outras taxas judiciárias, tendo em vista que a sentença foi proferida nos exatos termos do inconformismo do recorrente.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
O art. 202 da Constituição Federal, na redação anterior ao advento da Emenda Constitucional n.º 20/98, assim prescrevia:
Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
I – aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;
II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;
III – após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.
§ 1º É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher.
§ 2º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.
A partir de então, o art. 201 da Carta Magna passou a dispor:
Art. 201. Omissis
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual, no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, nos seguintes termos:
Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral da previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data da publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I – contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II – contar com tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do “caput”, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;
II – omissis
§ 2º - omissis.
Contudo, acerca do estabelecimento de idade mínima para a obtenção de aposentadoria integral, que constava no projeto submetido ao Congresso Nacional, não houve aprovação daquela Casa.
Assim, a regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
Foram contempladas, portanto, hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n.º 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até a mesma data; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
Duas situações se tornam relevantes para o segurado filiado ao Regime Geral anteriormente à publicação da Emenda Constitucional n.º 20/98:
- se não reunir as condições necessárias à aposentação até 15.12.1998, deverá comprovar, para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de serviço, na modalidade proporcional, além do número mínimo de contribuições, o tempo de trabalho exigido, acrescido do pedágio legal, e contar com 53 anos de idade, se homem, ou 48 anos, se mulher;
- se cumprir os requisitos previstos no art. 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
DO CASO DOS AUTOS
A parte autora objetiva o reconhecimento da atividade laborativa no período de 6/12/1999 a 3/4/2014, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Registre-se que o referido vínculo foi anotado na CTPS em decorrência de sentença proferida em ação trabalhista.
Em relação ao reconhecimento de tempo de contribuição por processo trabalhista o STJ vem entendendo, por meio de ambas as Turmas competentes para a matéria, o que segue:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo apta a comprovar o tempo de serviço, mesmo que o INSS não tenha participado da relação jurídico-processual-trabalhista, se corroborado por outro meio de prova, como no caso. (STJ, Segunda Turma, AgInt no AREsp 988325 / SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 02/05/2017)
É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material para a obtenção de benefício previdenciário, ainda que o INSS não tenha integrado a respectiva lide, desde que fundada em elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador. (STJ, Primeira Turma, AgRg no AREsp 359425 / PE, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 05/08/2015)
Assim, o fato de o INSS não ter integrado a lide trabalhista não impede, por si só, o cômputo do período reconhecido na sentença proferida pela Justiça do Trabalho.
Na hipótese vertente, registre-se não se tratar de mero acordo realizado entre as partes na ação trabalhista (00000577220165020035), tendo em vista a apresentação de contestação por parte da reclamada Flytour Agência de Viagens e Turismo Ltda. Houve, ademais, a prolação de sentença de parcial procedência, na qual foi reconhecido o vínculo empregatício, o qual foi mantido mesmo após a interposição de recursos ordinários para o TRT da 2.ª Região e recurso de revista para o TST.
Registre-se, outrossim, ter havido, na sentença trabalhista, a determinação de expedição de ofício ao INSS e de recolhimento das contribuições previdenciárias por parte do empregador (Id. 286535366, pp. 13/20).
No referido processo houve, ainda, a juntada de documentos comprovando o vínculo da autora, tais como, cópia do crachá, contendo a identificação da demandante e o nome da empresa e certificados de participação em diversos cursos promovidos pela Flytour Brasil, em 3/2010, 23 a 28/11/2009, 8/2008 (Id. 286535365, pp. 26/32); além do depoimento pessoal do preposto da empregadora, o qual confirmou que a autora trabalhou “de 1999 até 2014 no RH da empresa” e da testemunha da reclamante, que confirmou o vínculo empregatício (Id. 286535365, pp. 59/60).
Dessa forma, impõe-se, de rigor, a manutenção da sentença que reconheceu o labor urbano da autora, no período pleiteado.
Ressalte-se que o recolhimento das contribuições previdenciárias são encargos do empregador, não devendo, o empregado e seus dependentes, serem prejudicados por eventual desídia da empresa contratante.
Assim, somando-se os períodos já considerados na via administrativa pela autarquia, com o período reconhecido na presente ação, perfaz a apelada (com 59 anos de idade, 3 meses e 16 dias) o tempo de contribuição exigido para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, por possuir 37 anos, 9 meses e 22 dias e pontuação superior a 86, na data da DER (17/10/2019), nos termos da regra contida no art. 201, § 7.º, inciso I, da CF, com a redação dada pela EC n.º 20/98 e art. 29-C da Lei n.º 8.213/91.
Deverão ser compensados no momento do cumprimento de sentença os valores recebidos administrativamente ou por força da tutela antecipada deferida na sentença.
No tocante à alegação de necessidade de a parte autora ser intimada para apresentar autodeclaração, não assiste razão ao INSS.
Com efeito, trata-se de procedimento da entidade autárquica no âmbito administrativo, na qual dispensa-se a determinação judicial.
Quanto à condenação em litigância de má-fé, dispõe o art. 80 do Código de Processo Civil:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Para caracterizar a ocorrência de litigância de má-fé, necessário o preenchimento de dois requisitos: que a conduta do agente esteja prevista em uma das hipóteses elencadas no dispositivo acima transcrito, as quais configuram condutas dolosas em todas as suas formas, assim como resulte em prejuízo à parte adversa.
E dolo não se presume – pelo contrário, deve ser comprovado de maneira substancial; bem como deve ser demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte contrária, em decorrência do ato doloso.
Assim, à vista da ausência de prova satisfatória da existência do dano à parte contrária e da configuração de conduta dolosa, não restou caracterizada a litigância de má-fé, a justificar a imposição de multa.
Posto isso, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento para determinar a compensação dos valores recebidos por força da tutela antecipada no momento do cumprimento de sentença. Indefiro o pedido de condenação da autarquia ao pagamento de multa por litigância de má-fé.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. SENTENÇA PROFERIDA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO.
- Frente à significativa alteração que a EC n.º 20/98 promoveu no ordenamento jurídico, foram definidas normas de transição entre o regramento constitucional anterior e o atual no tocante aos requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço.
- A regra de transição para a aposentadoria integral restou ineficaz, na medida em que para concessão de tal benefício não se exige idade ou "pedágio".
- Cumpridos os requisitos previstos no artigo 201, § 7.°, inciso I, da CF, quais sejam, trinta e cinco anos de trabalho, se homem, ou trinta anos, se mulher, além da carência prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/91, antes ou depois da EC n.º 20/98 e, independentemente da idade com que conte à época, fará jus à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição, atual denominação da aposentadoria por tempo de serviço.
- O § 1.º, do art. 9.º, da EC n.º 20/98 estabeleceu regra de transição para os segurados já inscritos na Previdência Social, possibilitando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional.
- Devido o reconhecimento do vínculo empregatício reconhecido em ação trabalhista, com sentença proferida após a devida instrução probatória e mantida após a apreciação de recursos pelo Tribunal Regional do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho.
- Somando-se os períodos já considerados na via administrativa pela autarquia, com o período reconhecido na presente ação, perfaz a apelada o tempo de contribuição exigido para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, nos termos da regra contida no art. 201, § 7.º, inciso I, da CF, com a redação dada pela EC n.º 20/98 e art. 29-C da Lei n.º 8.213/91.
- Indevida a condenação da autarquia em multa por litigância de má-fé.
