
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5044939-62.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DIONIL DE ALMEIDA GARCIA
Advogados do(a) APELADO: JOYCE ARIANE NUNES - SP362245-N, RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5044939-62.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DIONIL DE ALMEIDA GARCIA
Advogados do(a) APELADO: JOYCE ARIANE NUNES - SP362245-N, RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Marcus Orione (Relator): Trata-se de apelação interposta em face de sentença em que foi julgado procedente o pedido, para conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural desempenhado no período de 20.09.1977 a 23.07.1991, bem como da especialidade das atividades profissionais desenvolvidas nos intervalos de 02.01.2001 a 30.11.2001, para Kienast & Kratschmer; de 02.01.2002 a 31.01.2007, na Fazenda Santa Cecília, e de 01.03.2007 a 31.05.2016, na Fazenda Nova Aliança.
Em suas razões recursais, o INSS defende, inicialmente, a necessidade de reexame da matéria, face à iliquidez da sentença, na forma da Súmula 490 do STJ. Como prejudicial, a prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91. No mérito, aduz que não restaram comprovados os requisitos para a concessão do benefício deferido em sentença, uma vez não demonstrado o efetivo desempenho de labor rural e tampouco do insalubre. Busca a reforma da sentença, com a improcedência da postulação.
Com apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5044939-62.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 52 - JUIZ CONVOCADO MARCUS ORIONE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE DIONIL DE ALMEIDA GARCIA
Advogados do(a) APELADO: JOYCE ARIANE NUNES - SP362245-N, RODRIGO TREVIZANO - SP188394-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Da remessa oficial.
A sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.
Do mérito.
Quanto ao tempo de serviço trabalhado no campo, observe-se que a jurisprudência iterativa deste Tribunal era (até o advento da Súmula n.º 149, do S.T.J.) no sentido de que, no caso de rurícolas, a prova para a comprovação de tempo de serviço poderia ser meramente testemunhal. Neste sentido, confira-se o seguinte julgado:
"Previdenciário- Aposentadoria por Idade. Rurícola - Prova - A prova testemunhal é suficiente à comprovação do efetivo exercício do trabalho rural. Precedentes da Turma. II- Recurso provido (Apelação Cível n.º 90.03.41210-3/SP; Relator Desembargador Aricê Amaral; publicado no Diário de Justiça de 29.06.94, Seção 2, página 35160).
Não obstante, com o advento da Súmula 149 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, houve mudança de posição, entendendo-se pela necessidade de prova material embora não exauriente, como se depreende do seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL SATISFATÓRIA. FAZ JUZ AO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. RECURSAIS. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS
- O § 1º, do art. 11, da Lei 8213/91, define que o regime de economia familiar é o trabalho indispensável dos membros familiares à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem auxílio de empregados permanentes.
- E, considera-se segurado especial, em regime de economia familiar, o produtor rural - seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgado, comodatário ou arrendatário rural - que explore atividade agropecuária em área de até 04 módulos fiscais, bem como seus cônjuges, companheiros, filhos ou a eles equiparados, desde que trabalhe, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou imóvel próximo da atividade exercida e com participação significativa na atividade rural do grupo familiar (art. 11, da Lei 8213/91).
- Destaco que, com relação ao trabalhador rural enquadrado na categoria de contribuinte individual sem relação de emprego, o Eg. STJ firmou o entendimento segundo o qual o trabalhador rural boia-fria, diarista ou volante é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei n. 8.213/1991 quanto aos requisitos necessários para a obtenção dos benefícios previdenciários (REsp. nº 1.667.753, Rel: Ministro Og Fernandes, julgado em 07/11/2017).
- O C. STJ tem decidido como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador ou agricultor, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos – Resp n.º 346067 – Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u. DJ 15.04.2002.p. 248.
- Os depoimentos das testemunhas só consubstanciam a exordial, no sentido de que, mesmo tendo a mãe da genitora contraído novo matrimônio com o lavrador Justino Alves dos Reis, sendo a autora ainda menor de idade, esta permaneceu auxiliando na lavoura para o sustento desse novo núcleo familiar, que passou a ter 02 novos integrantes(irmãos), respectivamente, nos anos de 1980 e 1983. Aliás, os depoimentos só ratificam o saber comum de que, numa separação de casais com filhos, habitualmente a prole fica sob responsabilidade da genitora.
- O Eg. STJ no julgamento do REsp 1.321.493/PR que - diante das precárias condições do trabalho rural e as dificuldades do autor na obtenção de prova material para comprovar tal lavor - abrandou a exigência, passando a aceitar início de prova material sobre parte do tempo de trabalho pretendido, desde que complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
- A prova oral passa ter aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 05/12/2014 e Súmula 577, do Eg. STJ). In casu, as testemunhas foram seguras e incontestáveis quanto a atividade rural alegada, mesmo porque trabalharam, na mesma lavoura com a autora. Tais depoimentos fortalecem a exordial em suas alegações.
- E, por ser dispensável documento específico para cada ano que se pretende comprovar, caso a prova testemunhal tiver aptidão para ampliar a eficácia probatória das provas documentais apresentadas - o que aconteceu no presente feito - entendo que estão preenchidos os requisitos necessários para a condição de segurado especial.
- O Tema 533, do C.STJ, é possível a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro, quando se tratar de labor rurícola. No caso concreto, diferentemente do que afirma a ré, a documentação necessária ao reconhecimento do direito ao benefício foi oportunamente apresentada no âmbito administrativo. Aqueles apresentados durante a instrução judicial só ratificaram os indícios iniciais apresentados junto a Autarquia.
- O termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deve ser fixado na DER, ou seja, 23/10/2019, tendo em vista que a situação dos autos não se amolda à questão debatida no C. STJ no tema 1.124.
- Com relação aos atrasados, para o cálculos dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação e Procedimentos par os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do Julgamento do Recurso Extraordinário n.º 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral e confirmado em 03/10/2019, coma rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
- Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, a fim de adequar o julgado ao entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores.
- Vencido o INSS e com a concessão do benefício, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios e, por isso, mantenho-os, nos termos da sentença.
- Tendo a sentença fixado os honorários no porcentual mínimo, na forma do art. 85, parágrafo 3º, I a V, do CPC/2015, incidente sobre o valor da condenação que vier a ser apurado, e desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença, condenando a ré devem, no caso, ser majorados para 12% (doze por cento), nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
- A prescrição quinquenal, prevista no art. 4º da Decreto 20.910/32, destaca que não corre a prescrição durante a demora, no estudo, ao reconhecimento ou pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
- De seu turno, o parágrafo único, do artigo 103, da Lei de Benefícios, assevera que estão prescritas as parcelas vencidas antes dos 05(cinco) anos que antecedem a propositura da demanda e deverá ser aplicada da seguinte forma: terá seu início no ajuizamento da ação, retrocedendo até o término do processo administrativo, ou seja, da comunicação definitiva do seu indeferimento.
- Por outro lado, ainda nos termos do parágrafo único, da Lei 8.213/91, prescreve em 05(cinco) anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil (redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
- A presente ação foi ajuizada em 22/03/2022 e o indeferimento do pedido de revisão de benefício ocorreu em 01/08/2020(conforme comunicação de decisão – id 274267757-pg.01). Decorridos menos de 05(cinco) anos, inocorrente a prescrição quinquenal.
- Quanto ao pedido de intimação da parte autora para que se manifeste sobre a existência de benefícios em outros regimes previdenciários (RPPS/militar), bem como para que se manifeste sua opção por um dos benefícios, não verifico nos autos nenhum indício da existência de outro benefício em regime de previdência diverso, tampouco apresentou a autarquia evidência da existência de outro benefício, de forma que não se justifica o acolhimento do seu pedido.
- Mantida a tutela concedida.
- Nego provimento ao INSS
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000887-02.2022.4.03.6112, Rel. Desembargadora Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 01/02/2024, DJEN DATA: 05/02/2024)
Embora discordemos da Súmula n°149 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em vista do primitivismo da natureza das relações no campo em tempos pretéritos, não há como deixar de acompanhá-la. Isso se deve à natureza cada vez mais vinculante de certas decisões e de Súmulas emanadas dos Tribunais Superiores, o que decorre das disposições do novo Código de Processo Civil.
No caso dos autos, presente início de prova material, sendo que esta precisa ser apenas incipiente e não exauriente, sob pena de inviabilizar a demonstração de tempo trabalhado como rurícola. Nesse sentido, confiram-se a certidão de casamento do demandante, datada de 26.07.1986, em que sua profissão está designada como sendo a de lavrador (id Num. 255922627 - Pág. 1) e as certidões de nascimento de seus filhos, ocorridos em 1987 e 1999, em que igualmente está qualificado como lavrador (id 255922628 - Pág. 1 e 255922629 - Pág. 1), corroborados os depoimentos testemunhais produzidos em audiência.
Por outro lado, urge constatar, in casu, a desnecessidade de recolhimento para o período, na medida que houve o cumprimento da carência para o lapso laborado em atividade urbana (art. 55, par. 2º, da Lei de Benefícios).
Portanto, tem-se como certo o trabalho do autor no campo como lavrador em regime de economia familiar, no período de 20.09.1977 a 23.07.1991.
Quanto ao período laborado em condições especiais, urge constatar o seguinte.
Aqueles que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.
Da mesma forma, se o trabalhador realiza atividade em condições especiais apenas em certo período, este não poderá ser desconsiderado quando do requerimento da aposentadoria, ainda que comum. Aliás, esta conclusão deflui da própria Constituição.
No art. 201, par. 1º, do texto constitucional, segundo redação vigente à época dos fatos, menciona-se a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para os casos de atividades realizadas “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Portanto, ainda que em relação a parte do tempo, é possível o estabelecimento de tais requisitos ou critérios diferenciados. Corroborando esta tese, confira-se ainda o art. 15 da Emenda Constitucional nº. 20, conforme redação em vigor à época dos fatos, que foi claro no sentido da manutenção, ainda que até a edição de lei complementar, do art. 57 da lei no. 8213 de 1991. Destaque-se que o par. 5º, do dispositivo mantido constitucionalmente, versa exatamente sobre a conversão do tempo em circunstância especial para o comum.
Concordamos, aqui, com as seguintes conclusões extraídas do voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo, relator do Recurso 237277 nos autos da ação nº. 2000.61.83.004655-1:
“A MP 1.663, de 28.05.98, através de seu então art. 28 (nas reedições o número desse artigo foi alterado), revogou expressamente o § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (já reformada anteriormente pela Lei 9.032/95), que permitia – para fins de aposentadoria especial - a soma do tempo de trabalho agressivo após sua conversão segundo critérios estipulados pela MPAS; sendo assim, o tempo exercido em condições especiais não poderia mais ser convertido em tempo comum. A MP foi sendo sucessivamente reeditada.
Para assegurar o direito adquirido daqueles que teriam completado tempo para aposentadoria – desde que feita conversão – antes da revogação do § 5º do art. 57, a 13ª reedição da MP 1.663 (em 26.08.98) estipulou no art. 28 que o Poder Executivo estabeleceria critérios para conversão de tempo de trabalho exercido em condições especiais até 28.05.98 (data em que revogado o § 5º do art. 57), em tempo comum, desde que o segurado tivesse implementado em “percentual de tempo” que lhe permitisse a aposentação especial. Tratava-se de regra transitória destinada a minorar o impacto do fim da possibilidade de conversão do tempo insalubre e perigoso em tempo comum. Já aquele “percentual” veio a ser fixado em 20% no Regulamento da Previdência Social, primeiro no D. 2.782 de 14.09.98, e no atual D. 3.048, de maio de 1999.
Diante dessa normatização, o INSS expediu a Ordem de Serviço nº. 600 (de 2.6.98) e com ela exigiu comprovação da efetiva exposição a agentes que prejudicassem a saúde e integridade física por todo o tempo exigido para concessão do benefício (nos termos da Ordem de Serviço nº. 600 somente com laudos, única prova aceitável, retroagindo a exigência a tempo anterior a MP. 1.663), assim abarcando mesmo o tempo anterior a Lei 9.032/95, a partir de quando a exigência ingressou no mundo legal. Ademais, também incluiu a proibição de conversão a partir de 29 de maio de 1998, e a Ordem de Serviço nº. 612, além de outras inovações, ainda acolheu a exigência de que o tempo a ser convertido deva corresponder a pelo menos 20% do necessário a obtenção da aposentadoria especial.
Deixaram assente, ainda, que somente se daria aproveitamento de tempo trabalhado até 28.05.98 se houvesse exposição a “agentes nocivos” reconhecidos como tais no Anexo IV do D. 2.172 de 5.3.97; noutro dizer, se um determinado agente químico, físico ou biológico, era considerado nocivo, mas deixou de sê-lo pelo D. 2.172, o tempo trabalhado em exposição a ele não será aproveitado.
Sucede que a MP 1.663 foi convertida na Lei 9.711, de 20.11.98, mas a revogação do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (pretendida no art. 32 da 15ª reedição daquela medida provisória, justo a que foi convertida em lei) não foi mantida pelo Congresso Nacional. Assim, a possibilidade legal de conversão de tempo especial em tempo comum e sua soma sobreviveu.
Contudo, manteve-se o art. 28 da Reedição convertida:
Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão de tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei nº. 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis nºs 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.
Ora, esse art,. 28 da medida provisória – que pretendia ser norma transitória de modo a evitar o impacto maior da revogação do § 5º do art. 57 do PBPS, que não aconteceu... – acabou constando da Lei 9.711/98 somente por “cochilo” do legislador e quando muito somente para aquele fim; jamais para, como entendia a Previdência Social. Manter-se ali a derrogação do § 5º do art. 57, que o Congresso derrubou quando tratada em artigo específico. Aliás, nem mesmo para disciplinar “transição” acabou tendo valia o art. 28, já que não houve mudança: o art. 57, § 5º da Lei 8.213/91 sobreviveu!...”
Não seria, ainda, razoável (princípio da razoabilidade) contemplar-se a aposentadoria especial, sem a admissão, para o mesmo lapso, da conversão de tempo tido como prejudicial à saúde. Haveria tratamento desigual para situações semelhantes.
Diga-se, ainda, que a autarquia acabou por reconhecer a possibilidade da conversão, conforme se confere de norma interna por ela própria editada, a Instrução Normativa INSS/DC nº. 118, de 14 de abril de 2005, segundo se verifica de seu art. 174, que assim previa (já que hoje encontra-se revogada):
“Art. 174. Para o segurado que houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados, após a conversão do tempo relativo às atividades não preponderantes, cabendo, dessa forma, a concessão da aposentadoria especial com o tempo exigido para a atividade preponderante não convertida.
Parágrafo único. Será considerada atividade preponderante aquela que, após a conversão para um mesmo referencial, tenha maior número de anos.”
Ressalte-se, ainda, que manifestações do próprio Superior Tribunal de Justiça, em votos da lavra da Ministra Laurita Vaz, adotaram o mesmo entendimento acima discorrido, como se depreende do RESP 956.110-SP.
Inclusive, atualmente, a questão sequer é enfrentada pelos Tribunais Regionais Federais, que já fazem a análise corriqueira de tempos especiais submetidos à legislação vigente, como se depreende, por exemplo, do seguinte processo: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5019760-70.2018.4.03.6183, Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 14/12/2023, Intimação via sistema DATA: 30/12/2023.
Feitas estas digressões introdutórias, necessárias ao entendimento da constitucionalidade e relevância da conversão do tempo especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, algumas observações merecem ser realizadas.
Primeiro, está atualmente assentado que sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores. O exemplo mais conhecido é o referente ao agente agressivo ruído, em que mesmo o protetor auricular não inviabiliza a propagação de ondas sonoras prejudiciais à saúde na sua integralidade (a respeito confira-se o julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida). O caso é interessante, já que, além disso, há um outro efeito deste EPI que é o isolamento a que é submetido trabalhadores e trabalhadoras no curso da jornada de trabalho – o que causa, por sua vez, também efeitos colaterais à sanidade de empregadas e empregados. Veja-se que, portanto, a questão do fornecimento do EPI não deve ser suficiente, por diversas razões, para o afastamento da contagem de tempo especial, seja para fins de aposentadoria especial, seja para fins de seu aproveitamento para fins de aposentadoria comum por tempo de contribuição.
Da mesma forma, para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum. Em casos envolvendo ruído, enquanto agente agressivo, verbi gratia, diante da sucessão normativa do nível de decibéis aplicáveis, este princípio ficou assentado no REsp 1398260/PR, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 14/05/2014, conforme DJe de 05/12/2014.
Logo, sob qualquer ângulo que se analise a questão, é patente a preservação, pelo legislador constituinte, da proteção do tempo – parcial ou integralmente – realizado sob condições danosas à saúde do trabalhador.
Veja-se que a exposição à situação de insalubridade ou periculosidade deverá ser permanente. Em juízo, pode-se demonstrar a ocorrência desta permanência, quando não admitida administrativamente, em especial através da prova testemunhal e, mesmo, pericial, se possível.
Aliás, quanto à eletricidade, ocorre também algo semelhante, quando se permite a conversão de atividade especial em comum após 05.03.1997, por aplicação direta do art. 58 da Lei 8.213/91, antes mencionado. O que se exige apenas é a existência de prova técnica da submissão ao risco, como depreende do caso paradigmático decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo: Resp nº 1.306.113-SC, julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013, de relatoria do Ministro Herman Benjamin.
Outro ponto que merece ser esclarecido refere-se à questão da habitualidade do contato com o agente agressivo à saúde.
Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 220 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar. A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial. Ilustrativa desta hipótese é a exposição habitual e permanente a substâncias químicas com potencial cancerígeno, em que, nos moldes do parágrafo 4º. do art. 68 do Decreto 3.048 de 1999, com a redação dada pelo Decreto n. 8.123/2013, se faz independentemente da sua concentração. Veja-se que exigir o contato diário, em largo espaço de tempo, a altas concentrações seria o mesmo que condenar trabalhadora ou trabalhador ao câncer.
Embora esse contato habitual viabilize a contração da doença e, por isso, a contagem do lapso laborado naquelas condições como especial, não se deve buscar que se empurre segurados à doença, a despeito da contagem especial (que aparece como um risco, mas que, ainda assim, deve ser evitado, sob pena de se ter uma política simplista em que se submete a classe trabalhadora ao mero pagamento de um valor, na forma de aproveitamento do tempo para fins de aposentadoria, como contrapartida à inevitável contração da doença. Não se trata disso, sob pena de se conceber um sistema de proteção social, que nada teria de tal conotação, com afronta mesmo as disposições constitucionais sobre o tema).
Por fim, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido. Trata-se de documento que carreia as informações técnicas necessárias para se aferir o trabalho em condições agressivas à saúde, sendo realizado por engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho. Como regra, admite-se a sua utilização sem necessidade de outras provas de natureza pericial. Outrossim, a ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador (A respeito confira-se a Apelação n. 0031607-94.2014.4.03.9999/SP, TRF3, Oitava Turma, de relatoria do Des. Fed. Luiz Stefanini, publicado no DJ 24.04.2019, DJ-e 17.06.2019).
Tecidas todas as considerações anteriores, verifiquemos a situação do caso concreto.
Na hipótese em apreço, para a verificação das atividades tidas como agressivas à saúde, para fins de aposentação especial ou de aproveitamento de tempo em condição especial, há que se analisar o enquadramento das atividades desempenhadas pelo segurado no quadro a que se refere o art. 2º, do Decreto no. 53.831, de março de 1964, revigorado pela Lei nº. 5.527/68. A respeito confiram-se, ainda, as atividades mencionadas em anexo do Decreto nº. 83.080/79. A respeito do tema veja-se ainda o Decreto nº 3.048/99.
Nestes, há indicação como especiais de atividades em que haja contato com os agentes agressivos à saúde mencionados na inicial.
Portanto, tendo a atividade desenvolvida pelo segurado se dado com contato permanente - e não eventual - com agentes nocivos, considerados intoleráveis ao homem médio, haveria que se aproveitar deste período para o cômputo especial.
No caso dos autos, os laudos periciais judiciais (ID 255922802 - Pág. 1/15, Num. 255922811 - Pág. 1/14 e 255922847 - Pág. 1/2) expressam de forma clara como se deu o trabalho em condições insalubres nos períodos pleiteados pelo demandante:
- 02.01.2001 a 30.11.2001, para Kienast & Kratschmer sujeito a calor medido em IBUTG = 28,3°;
- de 02.01.2002 a 31.01.2007, na Fazenda Santa Cecília, sujeito a calor medido em IBUTG 30,7º e radiações não ionizantes;
- de 01.03.2007 a 31.05.2016, na Fazenda Nova Aliança, sujeito a calor medido em IBUTG 30,7º e radiações não ionizantes.
No que concerne à aposentadoria por tempo de contribuição verifique-se o seguinte.
Somados os tempos rurais e especiais ora admitidos, constantes inclusive da inicial, com o tempo já contabilizado administrativamente pelo INSS, daí resulta que o autor laborou por 35 anos, 02 meses e 06 dias, tendo direito à aposentadoria por tempo de contribuição, na data do requerimento administrativo, na forma da Lei nº. 8213/91.
Mantido o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo formulado em 23.01.2019 (ID 255922749 - Pág. 1), há que se observar quanto ao cálculo dos atrasados o tema 1124 do STJ. Não há que se falar em incidência de prescrição quinquenal, visto que a presente ação foi ajuizada em 13.05.2019.
Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22).
Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111, do E. STJ).
As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único).
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
Comunique-se ao INSS (Gerência Executiva), para que seja imediatamente implantado o benefício nos exatos moldes da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO – REMESSA OFICIAL – DESCABIMENTO – LABOR RURAL - TEMPO ESPECIAL CONVERTIDO - EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – TEMPUS REGIT ACTUM – HABITUALIDADE – PERFIL PROFISSIOGRÁFICO (PPP) - DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO – TERMO INICIAL - INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.
1. A sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.
2. Com o início de prova material, acompanhado da prova testemunhal, comprovou-se o desempenho das atividades rurais.
3. Aqueles e aquelas que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.
4. Sistemática mantida inclusive para conversão de tempo de serviço realizado, ainda que parcialmente, sob condições onerosas à saúde.
5. Sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores.
6. Para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum.
7. A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial.
8. O Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido, dispensando inclusive prova pericial.
9. A ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador.
10. No caso concreto, realizada a contagem, a autora tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição a partir do requerimento administrativo, não havendo que se cogitar de incidência de prescrição quinquenal.
11. Condenação em consectários.
12. Apelação do INSS improvida. Sentença mantida.
