
| D.E. Publicado em 22/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação autárquica e lhe dar parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002059-08.2015.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, além de indenização por dano moral.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, reconhecendo o trabalho exercido sob condições especiais de 1º/10/1976 a 3/5/1978, de 31/5/1978 a 19/6/1979, de 1º/9/1979 a 25/3/1983, de 4/4/1983 a 6/7/1984, de 11/7/1984 a 8/5/1986, de 1º/7/1986 a 29/7/1986, de 30/7/1986 a 13/5/1987, de 10/6/1987 a 9/7/1987, de 28/10/1987 a 11/2/1988, de 4/4/1988 a 28/3/1989, de 23/11/1992 a 28/4/1995, de 29/4/1995 a 2/3/2004, de 3/5/2010 a 7/9/2011, de 9/5/2012 a 8/12/2013 e de 19/8/2014 a 27/2/2015, com DIB desde a data do requerimento administrativo (DER 27/2/2015), com os consectários.
Inconformada, a autarquia apresentou recurso, no qual assevera, em síntese, a impossibilidade dos enquadramentos efetuados. Subsidiariamente, insurge-se contra a data de início do benefício e por fim, prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação, porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do Novo CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1000 (mil) salários-mínimos.
No presente caso, a toda evidência não se excede esse montante.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento e da conversão de período especial em comum
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/80.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, ressalto que vinha adotando a posição de que o enquadramento pela categoria profissional no rol dos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 também era possível até a entrada em vigor do referido Decreto n. 2.172/97. Entretanto, verifico que a jurisprudência majoritária, a qual passo a adotar, tanto nesta Corte quanto no e. STJ, assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/95). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/79 e n. 53.831/64 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/97.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
No caso, quanto aos intervalos de 1º/9/1979 a 25/3/1983, de 23/11/1992 a 5/3/1997 e de 19/8/2014 a 27/2/2015, a parte autora logrou demonstrar, via PPP, a exposição habitual e permanente a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância estabelecidos na norma em comento.
Contudo, em relação aos demais interstícios controversos, a pretensão é incabível.
Isso porque a atividade de sapateiro/pespontador, a despeito de ostentar certa carga insalubre, em virtude da exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontra previsão nos Decretos n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
Desse modo, em virtude das atividades exercidas em empresas de calçados não constarem da legislação especial, sua natureza especial deve ser comprovada.
Entretanto, na hipótese, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a peça inicial, qual seja: carrear prova documental descritiva das condições insalubres às quais permaneceu exposta no ambiente laboral, como formulários padrão e laudo técnico individualizado ou PPP.
Com efeito, não prospera a contagem diferenciada dos intervalos de 6/3/1997 a 2/3/2004, de 3/5/2010 a 7/9/2011 e de 9/5/2012 a 8/12/2013, justamente porque os perfis profissiográficos coligidos apontam a exposição a níveis de ruído abaixo dos limites estabelecidos em lei (90 decibéis até 18/11/2003 e 85 decibéis para período subsequente).
Ressalte-se que o laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias de Calçados de Franca/SP (fs. 67/117), não se mostra apto a atestar as condições prejudiciais do obreiro nas funções alegadas, com permanência e habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz, com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época, pela parte autora nos lapsos debatidos.
Ademais, o laudo judicial produzido no curso da instrução (fs. 203/214) também não pode ser admitido para atestar as condições prejudiciais do obreiro, em relação aos interstícios de 6/3/1997 a 2/3/2004 ("Democrata Calçados e Artefatos de Couro Ltda."), de 3/5/2010 a 7/9/2011 ("Andreia Conceição Motta Mendonça ME") e de 9/5/2012 a 8/12/2013 ("Wedge Calçados Ltda. - ME"), pois realizado com base em similaridade das empresas trabalhadas pela parte autora, o que não retrata o ambiente de trabalho do demandante.
Oportuno esclarecer que se admite a prova técnica por similaridade (aferição indireta das circunstâncias de labor) quando impossível a realização de perícia no próprio ambiente de trabalho do segurado.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Todavia, no caso, em se tratando, tão somente, do agente nocivo ruído (cf. fs. 210/211), o qual demanda precisa análise técnica das intensidades (aferição do grau de exposição), é imprescindível a existência de laudo técnico individualizado. Necessária, assim, a realização de prova técnica visando à apuração, in loco, das reais condições de trabalho do requerente.
Acerca do tema, trago os seguintes precedentes desta E. Corte (g. n.):
Inclusive, cabe acrescentar que, a perícia por similaridade se baseia em grande parte apenas nas informações fornecidas pelo próprio autor no que se refere às atividades exercidas, o que fragiliza ainda mais a sua força probatória.
Aplica-se a mesma circunstância ao lapso de 4/4/1988 a 28/3/1989, pois, no PPP apresentado às fs. 49/50, somente há indicação genérica de exposição a "ruído", sem especificar a intensidade. Desse modo, este período deve ser considerado como tempo de serviço comum.
Destarte, os períodos de 1º/9/1979 a 25/3/1983, de 23/11/1992 a 5/3/1997 e de 19/8/2014 a 27/2/2015 devem ser enquadrados como especiais, convertidos em comum e somados aos demais lapsos incontroversos, tão somente.
Em suma, com a ressalva dos lapsos acima reconhecidos, a parte autora não logrou reunir elementos elucidativos suficientes a patentear o labor especial, de modo que não faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição; por estarem ausentes os requisitos insculpidos no artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98.
Com efeito, o autor não atinge os 35 anos de profissão necessários à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral na DER.
Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade à vista do vencimento e da perda de cada parte, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do Novo CPC.
Assim, condeno o INSS a pagar honorários ao advogado da parte contrária, que arbitro em 3% (três por cento) sobre o valor atualizado da causa, e também condeno a parte autora a pagar honorários de advogado ao INSS, fixados em 7% (sete por cento) sobre a mesma base de cálculo.
Todavia, em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, conheço da apelação do INSS e lhe dou parcial provimento para, nos termos da fundamentação, (i) delimitar o enquadramento da atividade especial e a conversão em tempo comum aos interstícios de 1º/9/1979 a 25/3/1983, de 23/11/1992 a 5/3/1997 e de 19/8/2014 a 27/2/2015; (ii) julgar improcedente o pedido de concessão de benefício previdenciário; (iii) fixar a sucumbência reciproca desproporcional.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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