Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0002065-91.2020.4.03.6322
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
14/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 21/02/2022
Ementa
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA DE
PARCIAL ROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO.
1. Pedido de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição, com o reconhecimento de
tempo especial.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
De acordo com tais parâmetros, passo a analisar o pedido de reconhecimento de tempo de
serviço especial nos períodos controvertidos.
Período: 04.01.1988 a 02.06.1988.
Empresa: Moinho da Lapa S/A (atual BRF S/A).
Setor: produção
Cargo/função: Ajudante de câmaras frias
Agente nocivo: ruído de 92 dB(A) e frio de 0º C 18ºC
Atividades: “Como Ajudante de Câmaras Frias normalmente (0ºC a -18ºC), descarregava os
caminhões com produtos e os estocava nas câmaras de resfriados e/ou congelados e demais
setores produtivos. Separava os produtos e fazia inventários de quantidades dos mesmos, de
maneira habitual e Permanente, não ocasional, nem intermitente.”
Meios de prova: CTPS (seq 02, fls. 29 e seq. 19, fl. 8) e PPP (seq 02, fl. 67).
Enquadramento legal: item 1.1.6 do Anexo III do Decreto 53.831/1964.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Conclusão: o tempo de serviço no período é especial, vez que restou comprovada a efetiva
exposição do segurado a ruído em nível superior ao limite de tolerância.
Períodos: de 01.01.2008 a 31.12.2013.
Empresa: Prefeitura do Município de Américo Brasiliense.
Setores: transporte
Cargos/funções: motorista.
Agentes nocivos alegados: biológico (grau médio) (PPP seq. 02, fls. 68/71)
Atividades: descritas nos PPPs
Meios de prova: CTPS (seq. 2, fls. 30 e seq. 19, fls. 9) PPPs (seq 02, fls. 68/71; seq. 19, fls. 25/27
e seq 21, fls. 22/24 e 28/30).
Enquadramento legal: prejudicado.
Conclusão: o tempo de serviço nos períodos é comum. A descrição das atividades desenvolvidas
demonstra que o contato do autor com agentes nocivos de natureza biológica se dava de forma
eventual, vez que sua atividade precípua era conduzir a ambulância e não prestar atendimento
aos doentes ou conduzir o caminhão de coleta de lixo e não efetuar a coleta de lixo. Tratando-se
de exposição eventual e intermitente, é indevida o reconhecimento da atividade como especial.
Em resumo, é possível o reconhecimento como tempo especial do período de 04.01.1988 a
02.06.1988.
Portanto, o tempo de serviço especial no período ora reconhecido deve ser convertido em tempo
de
serviço comum, com o devido acréscimo, a fim de possibilitar a majoração da renda mensal do
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição recebido pelo demandante.
Justiça gratuita.
O autor, considerando o valor da aposentadoria por tempo de contribuição e o salário que recebe
como empregado, possui renda mensal média superior ao limite previsto no art. 790, § 3º da CLT,
adotado por este Juízo como parâmetro para a concessão de gratuidade judiciária. Não foram
apresentados documentos que comprovassem a insuficiência de recursos para arcar com as
despesas do processo e, por essa razão, indefiro o requerimento de justiça gratuita.
Ante o exposto, (a) reconheço a prescrição das parcelas anteriores a 05.06.2015; (b) julgo
parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a (b.1) averbar como tempo de serviço
especial o período de 04.01.1988 a 02.06.1988, (b.2) converter o tempo de serviço especial em
tempo de serviço comum, com acréscimo de 40%, e (b.3) revisar a renda mensal inicial do NB
42/171.769.436-2, de acordo com a nova contagem de tempo de contribuição, a partir da DER
(06.04.2015), observada a prescrição quinquenal. (...)”.
3.Recurso da parte autora: Aduz que a renda do autor, somando aposentadoria com seu salário,
não ultrapassa R$ 5 mil, logo, não é valor tão exorbitante para ter a gratuidade da justiça negada.
Ademais, o E. Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que basta a
declaração do autor no sentido de não possuir condições de arcar com os custos do processo
sem prejuízo de seu sustento, sendo inexigível a comprovação do estado de miserabilidade, salvo
quando fatos da causa justifiquem fundada dúvida sobre tal necessidade. Foi apresentada a
declaração de hipossuficiência, bem como a declaração de imposto de renda do autor de 2019,
cujo valor de rendimentos somavam R$ 54.414,61, em que média mensal seria de apenas R$
4.534,55. O teto de benefícios previdenciários atual é de R$ 6.433,57, logo, a renda do autor está
bem abaixo deste limite, o que lhe permite fazer jus à gratuidade da justiça. Alega que o valor
mensal auferido pelo autor não é suficiente para cobrir suas despesas e ainda pagar as custas
processuais e ônus sucumbenciais sem prejudicar as expensas da família. Por todo o exposto,
requer a reforma da r. sentença para conceder ao autor os benefícios da gratuidade da justiça.
Sustenta, no mais, que o período de 01/01/2008 a 31/12/2013 deve ser considerado especial,
devido à nocividade do agente. Conforme se vê no PPP, o autor dirigia ambulância, tendo contato
com pacientes doentes e material biológico humano, tendo contato assim com agentes biológicos
nocivos à sua saúde. Além disso, é cediço que a exposição a agentes biológico não é
neutralizada com uso de EPI. O fato de não haver a avaliação no PPP se a exposição do
Requerente aos agentes biológicos e químicos era habitual e permanente não impede o
reconhecimento de atividade especial. Quando se pondera especificamente sobre agentes
biológicos, também é entendimento pacificado que os conceitos de habitualidade e permanência
são diversos daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo
de exposição, mas, sim, o RISCO DE EXPOSIÇÃO! Com base nisto conclui-se que a exposição
não precisa ser habitual e permanente, pois o risco ao agente biológico já coloca o autor em risco.
Por esta razão é que foi requerida a prova testemunhal para o juízo tomasse conhecimento pleno
de como era de fato a função do autor, mas o pleito foi negado, cerceando assim o direito de
defesa. Além disso, o próprio empregador paga ao autor o adicional de insalubridade, o que é
mais uma prova de que a função do autor é nociva, logo, deve ser considerada especial. Ante
todo o exposto, requer a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, por ser o autor pobre
e não possuir condições de arcar com as custas processuais e ônus sucumbenciais; reconhecer
como especial o intervalo de 01.01.08 a 31.12.13, com a devida conversão e acréscimo de 40%
sobre o tempo, e revisar a aposentadoria do autor, conforme pleiteado na inicial.
4. De pronto, ressalte-se que é cediço que, para a concessão do benefício da justiça gratuita,
basta a simples afirmação do requerente de que não está em condições de custear as despesas
processuais sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Ainda, conforme §2º do artigo 99
do CPC, o pedido somente pode ser indeferido se houver nos autos elementos que evidenciem a
falta de pressupostos legais para sua concessão. In verbis“§ 2o O juiz somente poderá indeferir o
pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a
concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a
comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos”. Neste passo, no caso concreto, a
despeito do entendimento veiculado na sentença, reputo não afastada a presunção legal de
hipossuficiência.
5. Cerceamento de defesa e nulidade afastados. As partes têm o direito de produzir provas,
empregando não apenas os meios previstos expressamente nas leis, mas também qualquer
outro, desde que moralmente legítimos, a fim de demonstrar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa, bem como para “influir eficazmente na convicção do juiz” (art. 369 do CPC).
Todavia, considere-se ser o PPP o documento hábil a demonstrar a insalubridade para fins de
reconhecimento de tempo especial. Assim sendo, não basta a alegação de que se trata de PPP
irregular tão somente porque desfavorável à parte autora; necessário que se aponte e comprove,
com exatidão, a irregularidade do documento, bem como que demonstre a parte autora ter, ao
menos, tentado, perante a empregadora, a obtenção de novos documentos. Ademais, a parte
interessada deve demonstrar a efetiva necessidade da produção da prova pretendida. No caso,
pretende a parte autora a produção de prova testemunhal para comprovar que dirigia ambulância,
o que, porém, é desnecessário ante as informações constantes nos PPPs anexados. Conforme
consignado na sentença prolatada em sede de embargos de declaração: “Prova pericial ou oral.
Conforme já exposto, a comprovação da natureza especial da atividade é feita por meio de prova
documental e apenas excepcionalmente por prova pericial ou testemunhal. Havendo nos autos
PPPs regularmente preenchidos pelos empregadores, entendo desnecessária a produção de
prova pericial ou oral. Eventual discordância do segurado em relação às informações constantes
nos PPPs deve ser dirimida perante a Justiça do Trabalho, pois se trata de relação de natureza
trabalhista. Desse modo, indefiro o requerimento de realização de prova oral, para oitiva de
testemunhas.”
6. As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, ressalvando-se apenas a
necessidade de observância, no que se refere à natureza da atividade desenvolvida, ao disposto
na legislação em vigor na época da prestação do serviço. Com efeito, o Decreto n.º 4827/03 veio
a dirimir a referida incerteza, possibilitando que a conversão do tempo especial em comum ocorra
nos serviços prestados em qualquer período, inclusive antes da Lei nº 6.887/80. Conforme
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é possível a transmutação de tempo especial em
comum, seja antes da Lei 6.887/80 seja após maio/1998. Ademais, conforme Súmula 50, da TNU,
é possível a conversão do tempo de serviço especial em comum do trabalho prestado em
qualquer período.
7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece o direito ao cômputo do tempo de
serviço especial exercido antes da Lei 9.032/95 (29/04/1995), com base na presunção legal de
exposição aos agentes nocivos à saúde pelo mero enquadramento das categorias profissionais
previstas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. A partir da Lei 9.032/95, o reconhecimento do
direito à conversão do tempo de serviço especial se dá mediante a demonstração da exposição
aos agentes prejudiciais à saúde, por meio de formulários estabelecidos pela autarquia, até o
advento do Decreto 2.172/97 (05/03/1997). A partir de então, por meio de formulário embasado
em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
8. A extemporaneidade dos formulários e laudos não impede, de plano, o reconhecimento do
período como especial. Nesse sentido, a Súmula 68, da TNU: “o laudo pericial não
contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado”
(DOU 24/09/2012). Por outro lado, a TNU, em recente revisão do julgamento do Tema 208,
definiu que: “1. Para a validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) como prova do
tempo trabalhado em condições especiais nos períodos em que há exigência de preenchimento
do formulário com base em Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), é
necessária a indicação do responsável técnico pelos registros ambientais para a totalidade dos
períodos informados, sendo dispensada a informação sobre monitoração biológica. 2. A ausência
total ou parcial da informação no PPP pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou por
elementos técnicos equivalentes, cujas informações podem ser estendidas para período anterior
ou posterior à sua elaboração, desde que acompanhados da declaração do empregador ou
comprovada por outro meio a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua
organização ao longo do tempo”.
9. O PPP deve ser emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais de
trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança, substituindo, deste
modo, o próprio laudo pericial e os formulários DIRBEN 8030 (antigo SB 40, DSS 8030). Para que
seja efetivamente dispensada a apresentação do laudo técnico, o PPP deve conter todos os
requisitos e informações necessárias à análise da efetiva exposição do segurado ao referido
agente agressivo.
10. EPI EFICAZ: O Supremo Tribunal Federal pacificou a questão no leading case ARE
664335/SC, de relatoria do I. Ministro Luiz Fux, firmando, em síntese, o seguinte entendimento a
respeito: “1) “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a
agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a
nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”; 2) “em caso de
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a
nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da
aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar
suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete”
e 3) no caso do ruído, a exposição do trabalhador a níveis acima dos limites legais de tolerância,
a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido
da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria. ”
Destarte, caso haja expressa menção à redução efetiva do nível de exposição a agentes
agressivos para dentro dos limites de tolerância fixados pela legislação previdenciária em razão
do uso de EPI, não pode o período laborado ser considerado como especial, exceto no caso do
ruído, onde o uso de protetores auriculares não possui o condão de afastar a insalubridade do
ambiente de trabalho.
Com relação aos agentes biológicos, registre-se que o EPI não é considerado totalmente eficaz,
conforme orientação administrativa do próprio INSS e pacífica jurisprudência da Turma Regional
de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região (0036794-27.2011.4.03.6301).
A neutralização da exposição a agentes agressivos pelo uso de EPI para efeitos previdenciários
gera efeitos jurídicos a partir da vigência da MP 1.729/89, convertida na Lei 9.732/98, o que se
deu aos 03/12/1998, conforme Súmula 87 da TNU: “A eficácia do EPI não obsta o
reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da
MP 1.729/98, convertida na Lei n. 9.732/98”. Antes disso, não há que se falar em neutralização
pelo uso de EPI, vedada a aplicação retroativa da lei.
11. A Súmula 49 da TNU preconiza: “Para reconhecimento de condição especial de trabalho
antes de 29/4/1995, a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não precisa
ocorrer de forma permanente”. Outrossim, sempre foi exigida a habitualidade. Neste passo, na
esteira de entendimento também já manifestado pela Turma Nacional de Uniformização, pode-se
concluir que “habitual é a exposição a agentes nocivos durante todos os dias de trabalho normal,
ou seja, durante todos os dias da jornada normal de trabalho. Permanente é a exposição
experimentada pelo segurado durante o exercício de todas as suas funções”. A jurisprudência da
TNU foi assentada (200451510619827 RJ) no sentido de que para (...) fins de caracterização de
tempo de serviço especial, aplica-se a lei vigente à época da prestação do trabalho, motivo pelo
qual em relação ao tempo de serviço trabalhado antes de 29.04.95, data da publicação da Lei nº
9.032/95, não se exigia o preenchimento do requisito da permanência, embora fosse exigível a
demonstração da habitualidade e da intermitência(...)” (PEDILEF 05012181320154058307).
12. MOTORISTA DE AMBULANCIA E MOTORISTA SOCORRISTA: o contato efetivo com os
agentes biológicos, apto a ensejar o reconhecimento do período como especial, depende das
atividades exercidas. Com efeito, o mero fato de a prestação dos serviços ocorrer em, ou para,
ambiente hospitalar não tem por corolário inarredável a exposição efetiva e permanente a estes
agentes. Por outro lado, a respeito do tempo de exposição, a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça tem assentado o entendimento de que, no caso de agentes biológicos, o fato de a
exposição não perdurar durante toda a jornada de trabalho não significa que não tenha havido
contato com agentes nocivos de forma habitual e permanente, pois, pela própria natureza do
trabalho desenvolvido, permite-se concluir por sua constante vulnerabilidade. Sendo assim, a
análise envolve o parâmetro qualitativo, e não quantitativo. Nesse sentido, confira-se a seguinte
ementa:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. TEMPO ESPECIAL.
EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. AMBIENTE HOSPITALAR. CONCEITOS DE
HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA QUE COMPORTAM INTERPRETAÇÃO. PREVALÊNCIA
DO CRITÉRIO QUALITATIVO. RISCO IMINENTE. AVALIAÇÃO DA REAL EFETIVIDADE E DA
DEVIDA UTILIZAÇÃO DO EPI. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. CONVERSÃO DE
TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO VIGENTE
QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO BENEFÍCIO PRETENDIDO. MATÉRIA JÁ
DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535 do
CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se
fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284 do STF.
2. A circunstância de o contato com os agentes biológicos não perdurar durante toda a jornada de
trabalho não significa que não tenha havido exposição a agentes nocivos de forma habitual e
permanente, na medida que a natureza do trabalho desenvolvido pela autora, no ambiente laboral
hospitalar, permite concluir por sua constante vulnerabilidade. Questão que se resolve pelo
parâmetro qualitativo, e não quantitativo.
3. Na hipótese, a instância ordinária manifestou-se no sentido de que, sendo evidente a
exposição a agentes de natureza infecto-contagiosa, não há como atestar a real efetividade do
Equipamento de Proteção Individual - EPI. Rever esse entendimento, tal como colocada a
questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-
probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice da
Súmula 7/STJ.
(...)
5. Recurso especial do INSS parcialmente provido, para se afastar a pretendida conversão de
tempo de serviço comum em especial.
(REsp 1468401/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/03/2017,
DJe 27/03/2017).
Neste sentido, também, o entendimento da TNU, firmado no TEMA 211: “Para aplicação do artigo
57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição
ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição
durante a jornada” (PEDILEF 0501219-30.2017.4.05.8500/SE, Rel. Juiz Fed. Bianor Arruda
Bezerra Neto, DJe de 17/12/2019).”
Por sua vez, eventual recebimento de adicionais de insalubridade e/ou
penosidade/periculosidade, decorrentes da legislação trabalhista, não impõe o reconhecimento do
tempo especial pretendido, ante as normas próprias previdenciárias que regem a matéria.
Posto isso, considere-se que os agentes biológicos se encontram presentes em todo o ambiente
hospitalar, inclusive no transporte de pacientes e limpeza da ambulância. Deste modo, uma vez
comprovada, por meio dos documentos pertinentes, a exposição a agentes biológicos,
decorrentes da atividade habitual como motorista de ambulância, possível o reconhecimento do
período como especial.
13. Período de 01/01/2008 a 31/12/2013:
- PPP (fls. 68/71 – ID 181826368), emitido em 30/09/2019, atesta as funções de motorista e chefe
de transporte, na PREFEITURA MUNICIPAL DE AMÉRICO BRASIILIENSE, com exposição a
agentes biológicos (grau médio), descrevendo as seguintes atividades: “Dirigem e manobram
veículos e transportam pessoas, cargas, valores, pacientes e material biológico humano.
Realizam verificações e manutenções básicas do veículo e utilizam equipamentos e dispositivos
especiais tais como sinalização sonora e luminosa, software de navegação e outros. Efetuam
pagamentos e recebimentos e, no desempenho das atividades utilizam-se de capacidades
comunicativas. Trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e proteção do meio
ambiente”.
- PPP (fls. 25/27 – ID 181826535), emitido em 16/09/2014, pela PREFEITURA MUNICIPAL DE
AMÉRICO BRASIILIENSE, atesta as funções de motorista e chefe de transporte, porém, não
informa exposição a qualquer agente nocivo no período de 01/01/2008 a 31/12/2009 e aponta
exposição a ruído, sem informar a intensidade, no período de 01/01/2010 a 31/12/2013. O
documento descreve as atividades: “de 01/01/2008 a 31/12/2008 e de 01/01/2010 a 31/12/2012:
“Dirigem e manobram ambulâncias, realizam transportes de pacientes residência até unidade de
saúde e unidade de saúde a residência, transportam pacientes acamados até outras unidades de
saúde da região”; de 01/01/2009 a 31/12/2009: “Dirigem e manobram caminhões de carga de
entulho e terra, caminhão de lixo. Caminhão de água auxiliando em combate de princípios de
incêndio em terrenos abandonados e em vegetação rasteiras, entrega de água em bairros com
falta da mesma. Limpa e desentope galerias pluviais”. ; de 01/01/2013 a 31/12/2013:
“Administram e controlam frota de veículos no transporte rodoviário de cargas e passageiros.
Supervisionam atividades de motoristas e auxiliares; checam e inspecionam documentação de
motoristas e de veículos. Supervisionam embarque e desembarque de cargas e passageiros;
inspecionam condições do veículo e da carga; preenchem e emitem documentos fiscais de
controle. Programam e controlam horários e gastos de viagens. Providenciam atendimento e
assistência às vítimas e seus parentes, em caso de acidente, e acionam serviços de apoio e
órgãos oficiais”.
- PPP (fls. 22/24 – ID 181826537), emitido em 08/05/2014, pela PREFEITURA MUNICIPAL DE
AMÉRICO BRASIILIENSE, atesta as funções de motorista e chefe de transporte, com exposição
a fator de risco “físico”, sem identificação do agente e intensidade. O documento descreve as
atividades: “Condutor de veículo de carga. Motorista auxiliar de tráfego. Motorista de ambulância.
Motorista de carga a frete. Motorista de carro forte. Motorista de furgão. Motorista de Kombi.
Motorista de perua. Motorista entregador. Motorista manipulador. Motorista socorrista”.
Outrossim, ante as diversas atividades descritas nos documentos apresentados, reputo que não
restou comprovado que a parte autora exercia a atividade de motorista de ambulância de forma
habitual. Com efeito, a parte autora dirigia veículos diversos, sendo que não se verifica, no caso
em tela, a exposição a agentes biológicos nos moldes definidos pela TNU no supra transcrito
tema 211. Anote-se que, embora não seja necessário que a exposição aos agentes biológicos
perdure durante toda a jornada de trabalho, é necessário que esta exposição seja, ao menos,
inerente ao trabalho habitualmente desenvolvido, o que não é o caso destes autos. Neste passo,
ainda que o autor tenha laborado, eventualmente, como motorista de ambulância, referida
atividade (e não a exposição aos agentes biológicos) não era habitual.
Ademais, ainda que assim não fosse, não há informações, nos PPPs apresentados, a respeito do
conselho de classe do responsável técnico pelos registros ambientais, não havendo comprovação
de que se trata de médico do trabalho ou engenheiro de segurança. Com efeito, o PPP deve ser
emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança, o que não restou comprovado nestes autos.
Logo, não é possível o reconhecimento do período como especial.
14. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA para
reformar em parte a sentença apenas para conceder os benefícios da justiça gratuita. Mantenho,
no mais, a sentença.
15. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente vencido.
.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002065-91.2020.4.03.6322
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: PAULO SERGIO ROCHA
Advogado do(a) RECORRENTE: RENATA SANTANA DIAS DE OLIVEIRA - SP348132-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002065-91.2020.4.03.6322
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: PAULO SERGIO ROCHA
Advogado do(a) RECORRENTE: RENATA SANTANA DIAS DE OLIVEIRA - SP348132-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0002065-91.2020.4.03.6322
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: PAULO SERGIO ROCHA
Advogado do(a) RECORRENTE: RENATA SANTANA DIAS DE OLIVEIRA - SP348132-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA DE
PARCIAL ROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DADO PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO.
1. Pedido de revisão de aposentadoria por tempo de contribuição, com o reconhecimento de
tempo especial.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
De acordo com tais parâmetros, passo a analisar o pedido de reconhecimento de tempo de
serviço especial nos períodos controvertidos.
Período: 04.01.1988 a 02.06.1988.
Empresa: Moinho da Lapa S/A (atual BRF S/A).
Setor: produção
Cargo/função: Ajudante de câmaras frias
Agente nocivo: ruído de 92 dB(A) e frio de 0º C 18ºC
Atividades: “Como Ajudante de Câmaras Frias normalmente (0ºC a -18ºC), descarregava os
caminhões com produtos e os estocava nas câmaras de resfriados e/ou congelados e demais
setores produtivos. Separava os produtos e fazia inventários de quantidades dos mesmos, de
maneira habitual e Permanente, não ocasional, nem intermitente.”
Meios de prova: CTPS (seq 02, fls. 29 e seq. 19, fl. 8) e PPP (seq 02, fl. 67).
Enquadramento legal: item 1.1.6 do Anexo III do Decreto 53.831/1964.
Conclusão: o tempo de serviço no período é especial, vez que restou comprovada a efetiva
exposição do segurado a ruído em nível superior ao limite de tolerância.
Períodos: de 01.01.2008 a 31.12.2013.
Empresa: Prefeitura do Município de Américo Brasiliense.
Setores: transporte
Cargos/funções: motorista.
Agentes nocivos alegados: biológico (grau médio) (PPP seq. 02, fls. 68/71)
Atividades: descritas nos PPPs
Meios de prova: CTPS (seq. 2, fls. 30 e seq. 19, fls. 9) PPPs (seq 02, fls. 68/71; seq. 19, fls.
25/27 e seq 21, fls. 22/24 e 28/30).
Enquadramento legal: prejudicado.
Conclusão: o tempo de serviço nos períodos é comum. A descrição das atividades
desenvolvidas demonstra que o contato do autor com agentes nocivos de natureza biológica se
dava de forma eventual, vez que sua atividade precípua era conduzir a ambulância e não
prestar atendimento aos doentes ou conduzir o caminhão de coleta de lixo e não efetuar a
coleta de lixo. Tratando-se de exposição eventual e intermitente, é indevida o reconhecimento
da atividade como especial.
Em resumo, é possível o reconhecimento como tempo especial do período de 04.01.1988 a
02.06.1988.
Portanto, o tempo de serviço especial no período ora reconhecido deve ser convertido em
tempo de
serviço comum, com o devido acréscimo, a fim de possibilitar a majoração da renda mensal do
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição recebido pelo demandante.
Justiça gratuita.
O autor, considerando o valor da aposentadoria por tempo de contribuição e o salário que
recebe como empregado, possui renda mensal média superior ao limite previsto no art. 790, §
3º da CLT, adotado por este Juízo como parâmetro para a concessão de gratuidade judiciária.
Não foram apresentados documentos que comprovassem a insuficiência de recursos para arcar
com as despesas do processo e, por essa razão, indefiro o requerimento de justiça gratuita.
Ante o exposto, (a) reconheço a prescrição das parcelas anteriores a 05.06.2015; (b) julgo
parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a (b.1) averbar como tempo de serviço
especial o período de 04.01.1988 a 02.06.1988, (b.2) converter o tempo de serviço especial em
tempo de serviço comum, com acréscimo de 40%, e (b.3) revisar a renda mensal inicial do NB
42/171.769.436-2, de acordo com a nova contagem de tempo de contribuição, a partir da DER
(06.04.2015), observada a prescrição quinquenal. (...)”.
3.Recurso da parte autora: Aduz que a renda do autor, somando aposentadoria com seu
salário, não ultrapassa R$ 5 mil, logo, não é valor tão exorbitante para ter a gratuidade da
justiça negada. Ademais, o E. Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de
que basta a declaração do autor no sentido de não possuir condições de arcar com os custos
do processo sem prejuízo de seu sustento, sendo inexigível a comprovação do estado de
miserabilidade, salvo quando fatos da causa justifiquem fundada dúvida sobre tal necessidade.
Foi apresentada a declaração de hipossuficiência, bem como a declaração de imposto de renda
do autor de 2019, cujo valor de rendimentos somavam R$ 54.414,61, em que média mensal
seria de apenas R$ 4.534,55. O teto de benefícios previdenciários atual é de R$ 6.433,57, logo,
a renda do autor está bem abaixo deste limite, o que lhe permite fazer jus à gratuidade da
justiça. Alega que o valor mensal auferido pelo autor não é suficiente para cobrir suas despesas
e ainda pagar as custas processuais e ônus sucumbenciais sem prejudicar as expensas da
família. Por todo o exposto, requer a reforma da r. sentença para conceder ao autor os
benefícios da gratuidade da justiça. Sustenta, no mais, que o período de 01/01/2008 a
31/12/2013 deve ser considerado especial, devido à nocividade do agente. Conforme se vê no
PPP, o autor dirigia ambulância, tendo contato com pacientes doentes e material biológico
humano, tendo contato assim com agentes biológicos nocivos à sua saúde. Além disso, é
cediço que a exposição a agentes biológico não é neutralizada com uso de EPI. O fato de não
haver a avaliação no PPP se a exposição do Requerente aos agentes biológicos e químicos era
habitual e permanente não impede o reconhecimento de atividade especial. Quando se pondera
especificamente sobre agentes biológicos, também é entendimento pacificado que os conceitos
de habitualidade e permanência são diversos daquele utilizado para outros agentes nocivos,
pois o que se protege não é o tempo de exposição, mas, sim, o RISCO DE EXPOSIÇÃO! Com
base nisto conclui-se que a exposição não precisa ser habitual e permanente, pois o risco ao
agente biológico já coloca o autor em risco. Por esta razão é que foi requerida a prova
testemunhal para o juízo tomasse conhecimento pleno de como era de fato a função do autor,
mas o pleito foi negado, cerceando assim o direito de defesa. Além disso, o próprio empregador
paga ao autor o adicional de insalubridade, o que é mais uma prova de que a função do autor é
nociva, logo, deve ser considerada especial. Ante todo o exposto, requer a concessão dos
benefícios da gratuidade da justiça, por ser o autor pobre e não possuir condições de arcar com
as custas processuais e ônus sucumbenciais; reconhecer como especial o intervalo de 01.01.08
a 31.12.13, com a devida conversão e acréscimo de 40% sobre o tempo, e revisar a
aposentadoria do autor, conforme pleiteado na inicial.
4. De pronto, ressalte-se que é cediço que, para a concessão do benefício da justiça gratuita,
basta a simples afirmação do requerente de que não está em condições de custear as
despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Ainda, conforme §2º
do artigo 99 do CPC, o pedido somente pode ser indeferido se houver nos autos elementos que
evidenciem a falta de pressupostos legais para sua concessão. In verbis“§ 2o O juiz somente
poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos
pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido,
determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos”. Neste passo,
no caso concreto, a despeito do entendimento veiculado na sentença, reputo não afastada a
presunção legal de hipossuficiência.
5. Cerceamento de defesa e nulidade afastados. As partes têm o direito de produzir provas,
empregando não apenas os meios previstos expressamente nas leis, mas também qualquer
outro, desde que moralmente legítimos, a fim de demonstrar a verdade dos fatos em que se
funda o pedido ou a defesa, bem como para “influir eficazmente na convicção do juiz” (art. 369
do CPC). Todavia, considere-se ser o PPP o documento hábil a demonstrar a insalubridade
para fins de reconhecimento de tempo especial. Assim sendo, não basta a alegação de que se
trata de PPP irregular tão somente porque desfavorável à parte autora; necessário que se
aponte e comprove, com exatidão, a irregularidade do documento, bem como que demonstre a
parte autora ter, ao menos, tentado, perante a empregadora, a obtenção de novos documentos.
Ademais, a parte interessada deve demonstrar a efetiva necessidade da produção da prova
pretendida. No caso, pretende a parte autora a produção de prova testemunhal para comprovar
que dirigia ambulância, o que, porém, é desnecessário ante as informações constantes nos
PPPs anexados. Conforme consignado na sentença prolatada em sede de embargos de
declaração: “Prova pericial ou oral. Conforme já exposto, a comprovação da natureza especial
da atividade é feita por meio de prova documental e apenas excepcionalmente por prova
pericial ou testemunhal. Havendo nos autos PPPs regularmente preenchidos pelos
empregadores, entendo desnecessária a produção de prova pericial ou oral. Eventual
discordância do segurado em relação às informações constantes nos PPPs deve ser dirimida
perante a Justiça do Trabalho, pois se trata de relação de natureza trabalhista. Desse modo,
indefiro o requerimento de realização de prova oral, para oitiva de testemunhas.”
6. As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, ressalvando-se apenas
a necessidade de observância, no que se refere à natureza da atividade desenvolvida, ao
disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço. Com efeito, o Decreto n.º
4827/03 veio a dirimir a referida incerteza, possibilitando que a conversão do tempo especial em
comum ocorra nos serviços prestados em qualquer período, inclusive antes da Lei nº 6.887/80.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é possível a transmutação de tempo
especial em comum, seja antes da Lei 6.887/80 seja após maio/1998. Ademais, conforme
Súmula 50, da TNU, é possível a conversão do tempo de serviço especial em comum do
trabalho prestado em qualquer período.
7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece o direito ao cômputo do tempo de
serviço especial exercido antes da Lei 9.032/95 (29/04/1995), com base na presunção legal de
exposição aos agentes nocivos à saúde pelo mero enquadramento das categorias profissionais
previstas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79. A partir da Lei 9.032/95, o reconhecimento do
direito à conversão do tempo de serviço especial se dá mediante a demonstração da exposição
aos agentes prejudiciais à saúde, por meio de formulários estabelecidos pela autarquia, até o
advento do Decreto 2.172/97 (05/03/1997). A partir de então, por meio de formulário embasado
em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
8. A extemporaneidade dos formulários e laudos não impede, de plano, o reconhecimento do
período como especial. Nesse sentido, a Súmula 68, da TNU: “o laudo pericial não
contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do
segurado” (DOU 24/09/2012). Por outro lado, a TNU, em recente revisão do julgamento do
Tema 208, definiu que: “1. Para a validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) como
prova do tempo trabalhado em condições especiais nos períodos em que há exigência de
preenchimento do formulário com base em Laudo Técnico das Condições Ambientais de
Trabalho (LTCAT), é necessária a indicação do responsável técnico pelos registros ambientais
para a totalidade dos períodos informados, sendo dispensada a informação sobre monitoração
biológica. 2. A ausência total ou parcial da informação no PPP pode ser suprida pela
apresentação de LTCAT ou por elementos técnicos equivalentes, cujas informações podem ser
estendidas para período anterior ou posterior à sua elaboração, desde que acompanhados da
declaração do empregador ou comprovada por outro meio a inexistência de alteração no
ambiente de trabalho ou em sua organização ao longo do tempo”.
9. O PPP deve ser emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais
de trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança, substituindo, deste
modo, o próprio laudo pericial e os formulários DIRBEN 8030 (antigo SB 40, DSS 8030). Para
que seja efetivamente dispensada a apresentação do laudo técnico, o PPP deve conter todos
os requisitos e informações necessárias à análise da efetiva exposição do segurado ao referido
agente agressivo.
10. EPI EFICAZ: O Supremo Tribunal Federal pacificou a questão no leading case ARE
664335/SC, de relatoria do I. Ministro Luiz Fux, firmando, em síntese, o seguinte entendimento
a respeito: “1) “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador
a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a
nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”; 2) “em caso de
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa
a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da
aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar
suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se
submete” e 3) no caso do ruído, a exposição do trabalhador a níveis acima dos limites legais de
tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário
(PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza
o tempo de serviço especial para aposentadoria. ”
Destarte, caso haja expressa menção à redução efetiva do nível de exposição a agentes
agressivos para dentro dos limites de tolerância fixados pela legislação previdenciária em razão
do uso de EPI, não pode o período laborado ser considerado como especial, exceto no caso do
ruído, onde o uso de protetores auriculares não possui o condão de afastar a insalubridade do
ambiente de trabalho.
Com relação aos agentes biológicos, registre-se que o EPI não é considerado totalmente eficaz,
conforme orientação administrativa do próprio INSS e pacífica jurisprudência da Turma
Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região (0036794-
27.2011.4.03.6301).
A neutralização da exposição a agentes agressivos pelo uso de EPI para efeitos previdenciários
gera efeitos jurídicos a partir da vigência da MP 1.729/89, convertida na Lei 9.732/98, o que se
deu aos 03/12/1998, conforme Súmula 87 da TNU: “A eficácia do EPI não obsta o
reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência
da MP 1.729/98, convertida na Lei n. 9.732/98”. Antes disso, não há que se falar em
neutralização pelo uso de EPI, vedada a aplicação retroativa da lei.
11. A Súmula 49 da TNU preconiza: “Para reconhecimento de condição especial de trabalho
antes de 29/4/1995, a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não precisa
ocorrer de forma permanente”. Outrossim, sempre foi exigida a habitualidade. Neste passo, na
esteira de entendimento também já manifestado pela Turma Nacional de Uniformização, pode-
se concluir que “habitual é a exposição a agentes nocivos durante todos os dias de trabalho
normal, ou seja, durante todos os dias da jornada normal de trabalho. Permanente é a
exposição experimentada pelo segurado durante o exercício de todas as suas funções”. A
jurisprudência da TNU foi assentada (200451510619827 RJ) no sentido de que para (...) fins de
caracterização de tempo de serviço especial, aplica-se a lei vigente à época da prestação do
trabalho, motivo pelo qual em relação ao tempo de serviço trabalhado antes de 29.04.95, data
da publicação da Lei nº 9.032/95, não se exigia o preenchimento do requisito da permanência,
embora fosse exigível a demonstração da habitualidade e da intermitência(...)” (PEDILEF
05012181320154058307).
12. MOTORISTA DE AMBULANCIA E MOTORISTA SOCORRISTA: o contato efetivo com os
agentes biológicos, apto a ensejar o reconhecimento do período como especial, depende das
atividades exercidas. Com efeito, o mero fato de a prestação dos serviços ocorrer em, ou para,
ambiente hospitalar não tem por corolário inarredável a exposição efetiva e permanente a estes
agentes. Por outro lado, a respeito do tempo de exposição, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça tem assentado o entendimento de que, no caso de agentes biológicos, o
fato de a exposição não perdurar durante toda a jornada de trabalho não significa que não
tenha havido contato com agentes nocivos de forma habitual e permanente, pois, pela própria
natureza do trabalho desenvolvido, permite-se concluir por sua constante vulnerabilidade.
Sendo assim, a análise envolve o parâmetro qualitativo, e não quantitativo. Nesse sentido,
confira-se a seguinte ementa:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. TEMPO ESPECIAL.
EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. AMBIENTE HOSPITALAR. CONCEITOS DE
HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA QUE COMPORTAM INTERPRETAÇÃO. PREVALÊNCIA
DO CRITÉRIO QUALITATIVO. RISCO IMINENTE. AVALIAÇÃO DA REAL EFETIVIDADE E DA
DEVIDA UTILIZAÇÃO DO EPI. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. CONVERSÃO DE
TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO VIGENTE
QUANDO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO BENEFÍCIO PRETENDIDO. MATÉRIA JÁ
DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 535
do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão
se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284 do STF.
2. A circunstância de o contato com os agentes biológicos não perdurar durante toda a jornada
de trabalho não significa que não tenha havido exposição a agentes nocivos de forma habitual e
permanente, na medida que a natureza do trabalho desenvolvido pela autora, no ambiente
laboral hospitalar, permite concluir por sua constante vulnerabilidade. Questão que se resolve
pelo parâmetro qualitativo, e não quantitativo.
3. Na hipótese, a instância ordinária manifestou-se no sentido de que, sendo evidente a
exposição a agentes de natureza infecto-contagiosa, não há como atestar a real efetividade do
Equipamento de Proteção Individual - EPI. Rever esse entendimento, tal como colocada a
questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-
probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice da
Súmula 7/STJ.
(...)
5. Recurso especial do INSS parcialmente provido, para se afastar a pretendida conversão de
tempo de serviço comum em especial.
(REsp 1468401/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
16/03/2017, DJe 27/03/2017).
Neste sentido, também, o entendimento da TNU, firmado no TEMA 211: “Para aplicação do
artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição
ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição
durante a jornada” (PEDILEF 0501219-30.2017.4.05.8500/SE, Rel. Juiz Fed. Bianor Arruda
Bezerra Neto, DJe de 17/12/2019).”
Por sua vez, eventual recebimento de adicionais de insalubridade e/ou
penosidade/periculosidade, decorrentes da legislação trabalhista, não impõe o reconhecimento
do tempo especial pretendido, ante as normas próprias previdenciárias que regem a matéria.
Posto isso, considere-se que os agentes biológicos se encontram presentes em todo o
ambiente hospitalar, inclusive no transporte de pacientes e limpeza da ambulância. Deste
modo, uma vez comprovada, por meio dos documentos pertinentes, a exposição a agentes
biológicos, decorrentes da atividade habitual como motorista de ambulância, possível o
reconhecimento do período como especial.
13. Período de 01/01/2008 a 31/12/2013:
- PPP (fls. 68/71 – ID 181826368), emitido em 30/09/2019, atesta as funções de motorista e
chefe de transporte, na PREFEITURA MUNICIPAL DE AMÉRICO BRASIILIENSE, com
exposição a agentes biológicos (grau médio), descrevendo as seguintes atividades: “Dirigem e
manobram veículos e transportam pessoas, cargas, valores, pacientes e material biológico
humano. Realizam verificações e manutenções básicas do veículo e utilizam equipamentos e
dispositivos especiais tais como sinalização sonora e luminosa, software de navegação e
outros. Efetuam pagamentos e recebimentos e, no desempenho das atividades utilizam-se de
capacidades comunicativas. Trabalham seguindo normas de segurança, higiene, qualidade e
proteção do meio ambiente”.
- PPP (fls. 25/27 – ID 181826535), emitido em 16/09/2014, pela PREFEITURA MUNICIPAL DE
AMÉRICO BRASIILIENSE, atesta as funções de motorista e chefe de transporte, porém, não
informa exposição a qualquer agente nocivo no período de 01/01/2008 a 31/12/2009 e aponta
exposição a ruído, sem informar a intensidade, no período de 01/01/2010 a 31/12/2013. O
documento descreve as atividades: “de 01/01/2008 a 31/12/2008 e de 01/01/2010 a 31/12/2012:
“Dirigem e manobram ambulâncias, realizam transportes de pacientes residência até unidade
de saúde e unidade de saúde a residência, transportam pacientes acamados até outras
unidades de saúde da região”; de 01/01/2009 a 31/12/2009: “Dirigem e manobram caminhões
de carga de entulho e terra, caminhão de lixo. Caminhão de água auxiliando em combate de
princípios de incêndio em terrenos abandonados e em vegetação rasteiras, entrega de água em
bairros com falta da mesma. Limpa e desentope galerias pluviais”. ; de 01/01/2013 a
31/12/2013: “Administram e controlam frota de veículos no transporte rodoviário de cargas e
passageiros. Supervisionam atividades de motoristas e auxiliares; checam e inspecionam
documentação de motoristas e de veículos. Supervisionam embarque e desembarque de
cargas e passageiros; inspecionam condições do veículo e da carga; preenchem e emitem
documentos fiscais de controle. Programam e controlam horários e gastos de viagens.
Providenciam atendimento e assistência às vítimas e seus parentes, em caso de acidente, e
acionam serviços de apoio e órgãos oficiais”.
- PPP (fls. 22/24 – ID 181826537), emitido em 08/05/2014, pela PREFEITURA MUNICIPAL DE
AMÉRICO BRASIILIENSE, atesta as funções de motorista e chefe de transporte, com
exposição a fator de risco “físico”, sem identificação do agente e intensidade. O documento
descreve as atividades: “Condutor de veículo de carga. Motorista auxiliar de tráfego. Motorista
de ambulância. Motorista de carga a frete. Motorista de carro forte. Motorista de furgão.
Motorista de Kombi. Motorista de perua. Motorista entregador. Motorista manipulador. Motorista
socorrista”.
Outrossim, ante as diversas atividades descritas nos documentos apresentados, reputo que não
restou comprovado que a parte autora exercia a atividade de motorista de ambulância de forma
habitual. Com efeito, a parte autora dirigia veículos diversos, sendo que não se verifica, no caso
em tela, a exposição a agentes biológicos nos moldes definidos pela TNU no supra transcrito
tema 211. Anote-se que, embora não seja necessário que a exposição aos agentes biológicos
perdure durante toda a jornada de trabalho, é necessário que esta exposição seja, ao menos,
inerente ao trabalho habitualmente desenvolvido, o que não é o caso destes autos. Neste
passo, ainda que o autor tenha laborado, eventualmente, como motorista de ambulância,
referida atividade (e não a exposição aos agentes biológicos) não era habitual.
Ademais, ainda que assim não fosse, não há informações, nos PPPs apresentados, a respeito
do conselho de classe do responsável técnico pelos registros ambientais, não havendo
comprovação de que se trata de médico do trabalho ou engenheiro de segurança. Com efeito, o
PPP deve ser emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais de
trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança, o que não restou
comprovado nestes autos.
Logo, não é possível o reconhecimento do período como especial.
14. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA para
reformar em parte a sentença apenas para conceder os benefícios da justiça gratuita.
Mantenho, no mais, a sentença.
15. Sem honorários, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente
vencido.
. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Decide a Décima
Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal Cível da Terceira Região - Seção
Judiciária de São Paulo, por maioria, dar parcial provimento ao recurso, vencida a Juíza Federal
Maíra Felipe Lourenço, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
