Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000077-10.2021.4.03.6129
Relator(a)
Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
08/05/2024
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/05/2024
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE
ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DOCUMENTOS. INSUFICIÊNCIA. PROVA
PERICIAL. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. SENTENÇA
ANULADA.
-O cerne do problema a ser enfrentado, ainda em sede da preliminar de cerceamento de defesa,
decorre da necessidade de deliberar sobre a aplicação de dois princípios constitucionais
fundamentais de igual importância e relevância para a solução do presente recurso e que, no
presente caso, estão em oposição: o devido processo legal, instruído pelo contraditório e a ampla
defesa, (artigo 5º, LIV e LV, da CR), e a celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII, da CR).
- Sob o pálio do devido processo legal, é preciso ressaltar que a prova se destina ao processo, e
não somente ao juiz deprimeira instância, razão pela qual também é objeto de apreciação pelo
segundo grau de jurisdição, viabilizando o julgamento dos recursos interpostos, razão por que
não há que se cogitar de preclusão.
- A interpretação sistemática e teleológica do artigo 370 do CPC conduz, basicamente, à
necessidade de identificação dos elementos probatórios que, auma, não se prestam a elucidar a
verdade dos fatos relacionados ao mérito da lide, e, aduas, tenham por fito causar delongas no
andamento processual.
- No que toca especificamente à prova pericial, a sua produção poderá ser indeferida ou
dispensada quando “for desnecessária em vista de outras provas produzidas”, na forma dos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
artigos 464, II, e 470 do CPC.
-Nas lides que têm por escopoperscrutar o alegado exercício de labor especial sob o efeito de
agentes nocivos, objetivando oreconhecimento ou não da especialidade daatividade no âmbito
previdenciário, a realização de prova pericial é essencial para que, juntamente com a prova
documental trazida aos autos, sejaviabilizada a fundamentação da decisão acerca danatureza
comum ou especial do labor exercido, sob pena de se caracterizar cerceamento de defesa, em
prejuízo às partes, por debilidade do conjunto probatório. Precedentes.
- Assim, a invocação dos princípios da celeridade e economia processuais, mediante o
julgamento antecipado ou do indeferimento de determinada produção de prova técnica, pode
conduzir nesses casos ao cerceamento de defesa, em prejuízo às partes, na medida em que o
indeferimento do ingresso de provas nos autos conduz à debilidade do conjunto probatório.
- Com efeito, para a solução do conflito entre os princípios constitucionais, as máximas da
razoabilidade e da proporcionalidade estão a ensejar a preponderância, no caso concreto, do
devido processo legalsobre os princípios da celeridade e economia processuais, em face da
necessidade de se preservar o valor da justiça da prestação jurisdicional.
- Não se afigura possível o encerramento da instrução probatória, porquanto há riscoo juiz, tanto
noprimeiro quanto nosegundo grau, possa vir a ser privado de elementos suficientes para formar
a sua convicção e, assim, valorar o conjunto de provas na sua inteireza. Aapresentação do laudo
técnico e da realização da perícia técnica, in loco ou por similaridade, são medidas que se
apresentam imprescindíveisa perquirir acerca da real atividade desempenhada pelo segurado,
viabilizandoa fundamentação do presentejulgamento.
- Ainda, considerando-se a tese fixada pelo C. STJ no Tema 1083/STJ, Rel. Min. GURGEL DE
FARIA, é mister realizar o distinguishing ampliativo com o fito de aplicar à presente lide a ratio
decidendi doTema 1083/STJ, acrescida da compreensão emanada dos Embargos de Declaração,
no sentido de que a demonstração do labor submetido aquaisquer agentes agressivos à saúde, e
não somente ao ruído, deve ser realizada na seara previdenciária.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Acolhidapreliminar. Prejudicada a análise do
mérito recursal. Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000077-10.2021.4.03.6129
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: JOSE MARIA GODOY, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CAROLINE ALVES SALVADOR - SP231209-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE MARIA GODOY
Advogado do(a) APELADO: CAROLINE ALVES SALVADOR - SP231209-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000077-10.2021.4.03.6129
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: JOSE MARIA GODOY, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CAROLINE ALVES SALVADOR - SP231209-N
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R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Trata-se de apelações interpostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pela parte
autora em ação previdenciária objetivando o reconhecimento de tempo de atividade em
condições especiais nos períodos indicados na inicial, e a concessão de benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer as atividades especiais
nos períodos de 09/01/1997 a 05/03/1997, 19/01/2005 a 19/04/2008, 14/10/2008 a 12/04/2010
e de 16/05/2014 a 15/04/2015, e condenar a Autarquia Previdenciária a averbá-los como tais
nos registros previdenciários da parte autora, sem a concessão do benefício postulado. Diante
do acolhimento parcial do pedido, condenou a Autarquia Previdenciária ao pagamento de
honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais). Sem custas, face à isenção do
réu e à concessão da gratuidade de justiça ao autor.
Sentença não sujeita ao reexame necessário.
Apela o autor pugnando, em preliminar, pela anulação da sentença, ao argumento de que o
indeferimento da produção de prova pericial destinada à comprovação do labor em condições
especiais por exposição a ruído, nos períodos em que ativou-se como motorista e cobrador de
ônibus, caracterizou cerceamento de defesa, não podendo ser prejudicado por falhas dos
empregadores no preenchimento dos formulários de profissiografia.
No mérito, argumenta que:
- faz jus ao reconhecimento do tempo especial no período de 09/01/1997 a 13/11/2019;
- o tempo de contribuição verificado no curso do processo deve ser computado para efeito de
concessão da aposentação, mediante aplicação da técnica da reafirmação da DER, de
conforme entendimento firmado no Tema 995/STJ;
- os honorários advocatícios de sucumbência devem ser arbitrados em 20% (vinte por cento)
sobre o valor da condenação apurado até a data do trânsito em julgado ou, alternativamente,
até a liquidação de sentença, acrescido da anuidade de prestações vincendas.
Requer o provimento do apelo para que seja anulada a sentença, determinando-se a remessa
dos autos à origem para fim de produção da prova pericial ou, subsidiariamente, seja reformado
o decisum nos tópicos impugnados.
Em suas razões recursais, aduz o INSS que:
- o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) anexado aos autos foi preenchido sem
observância aos requisitos formais estabelecidos na legislação, vez que não indica o
responsável técnico pelo levantamento dos registros do ambiente de trabalho na totalidade do
período laborativo;
- no tocante ao agente ruído, a comprovação do labor em condições especiais depende da
apresentação de Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) emitido com base em laudo técnico
contemporâneo à prestação de serviços, elaborado por engenheiro de segurança do trabalho
ou por médico do trabalho, com aferição do nível de pressão sonora em conformidade com as
regras do Anexo 1 da NR-15 até 19/11/2003 e, a partir de então, conforme os critérios
estabelecidos na NHO-01 da FUNDACENTRO, com indicação do Nível de Exposição
Normalizado (NEN), respeitados os limites de tolerância estabelecidos em regulamento;
- deve ser aplicada a prescrição quinquenal; fixados os juros de mora e correção monetária na
forma do Tema 905/STF e do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/1997; reduzidos os honorários
advocatícios ao patamar mínimo legal, observada a Súmula 111/STJ, e declarada a isenção de
custas processuais.
Requer o provimento do apelo para que a ação seja julgada improcedente, com inversão da
sucumbência.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta E. Corte Regional.
É o relatório.
lgz
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000077-10.2021.4.03.6129
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: JOSE MARIA GODOY, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: CAROLINE ALVES SALVADOR - SP231209-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE MARIA GODOY
Advogado do(a) APELADO: CAROLINE ALVES SALVADOR - SP231209-N
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):
Trata-se de ação previdenciária objetivando a concessãodebenefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de tempo de atividade em condições
especiais.
Os recursos de apelação preenchem os requisitos de admissibilidade e merecem ser
conhecidos.
A solução da controvérsia dos autos envolve o reconhecimento da especialidadedo labor
desenvolvido em condições especiais.
Preliminarmente, é mister enfrentar a questão processual relacionada ao direito à produção de
provas.
Pois bem.
O cerne do problema a ser enfrentado, ainda em sede da preliminar de cerceamento de defesa,
decorre da necessidade de deliberar sobre a aplicação de dois princípios constitucionais
fundamentais de igual importância e relevância para a solução do presente recurso e que, no
presente caso, estão em oposição: o devido processo legal, instruído pelo contraditório e a
ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CR), e a celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII, da CR).
Nesses casos, não cabe ao magistrado solucionar a questão no plano da validade, porque, sob
esse ângulo, a opção pela prevalência de uma das regras pressupõe, expressa ou
implicitamente, a invalidade da aplicação da outra. Na hipótese de choque entre princípios
constitucionais não se apresentam suficientes à solução da lide nem o método subsuntivo,
caracterizado por identificação e aplicação da norma ao fato, nem tampouco a prevalência de
uma das técnicas da hermenêutica. Há que se lançar mão da técnica da ponderação, conforme
ensina o professor e e. Ministro Luís Roberto Barroso, a partir dos princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, com o fito de se superar o antagonismo instalado, (Curso de Direito
Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 3ª ed., p. 373).
Sob o pálio do devido processo legal, é preciso ressaltar que a prova se destina ao processo, e
não somente ao juiz deprimeira instância, razão pela qual também é objeto de apreciação pelo
segundo grau de jurisdição, viabilizando o julgamento dos recursos interpostos, razão por que
não há que se cogitar de preclusão.
Nesse sentido:
DECISÃO: (...) ANTE O EXPOSTO, dou parcial provimento ao recurso especial, em menor
extensão ao pedido deduzido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim
de que se prossiga no julgamento do feito, como entender de direito, observando-se, ainda, a
necessidade de produção da prova pericial. (AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº
1.836.392/SP, Relator Ministro SÉRGIO KUKINA, DJe de 01/08/2022)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (...).
ANULAÇÃO DE SENTENÇA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO QUE DETERMINOU A
REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE. PROVA REPUTADA CONVENIENTE
PELO MAGISTRADO, DESTINATÁRIO DA PROVA. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
SÚMULA 83/STJ.
(...) . Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da
demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre
convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.
3. Assim, a iniciativa probatória do julgador de segunda instância, em busca da verdade real,
não está sujeita a preclusão, pois "em questões probatórias não há preclusão para o
magistrado".
4. Merece ser mantido o acórdão recorrido, pois em sintonia com a jurisprudência do STJ,
incidindo o óbice da Súmula 83/STJ.5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 871.003/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 16/6/2016, DJe de 23/6/2016.)
PROVA. DISPENSA PELAS PARTES. DILAÇÃO PROBATÓRIA DETERMINADA PELA 2ª
INSTÂNCIA. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO.Em matéria de cunho
probatório, não há preclusão para o Juiz. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido
(...). (REsp 262.978 MG, Min. Barros Monteiro, DJU, 30.06.2003, p. 251)
PROCESSO CIVIL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO POR
PERPLEXIDADE DIANTE DOS FATOS. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA.
POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO. PEDIDO DE
RECONSIDERAÇÃO QUE NÃO RENOVA PRAZO RECURSAL CONTRA DECISÃO QUE
INDEFERIU PROVA PERICIAL CONTÁBIL. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROSSIGA NO
JULGAMENTO DA APELAÇÃO.
- Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda,
podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção
motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.
- A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de
ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da
Justiça.
- Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e
documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir
a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas.
(REsp n. 345.436/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/3/2002,
DJ de 13/5/2002, p. 208.)
Com efeito, oartigo 370 do CPC prevê que compete ao magistrado, de ofício ou a requerimento
da parte,a análise e a determinação quanto à conformação do conjunto probatório necessário
ao julgamento do mérito, devendo afastar as “diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
A interpretação sistemática e teleológica da referida expressão conduz, basicamente, à
necessidade de identificação dos elementos probatórios imprescindíveis e dos despiciendos,
que, auma, não se prestam a elucidar a verdade dos fatos relacionados ao mérito da lide, ou,
aduas, tenham por fito causar delongas no andamento processual.
Essas premissas indicam que é possível ao juiz prescindir ou vedar a produção de provas,
contanto que, após detida análise, sejam consideradas irrelevantes ao desate da causa,
porquanto não seriam sequer objeto de apreciação no julgamento do mérito, por não terem o
condão de trazer quaisquer elementos concretos que pudessem ser sopesados a favor ou
contra a pretensão posta em juízo.
Ainda, no que toca especificamente à prova pericial, a sua produção poderá ser dispensada ou
indeferida quando “for desnecessária em vista de outras provas produzidas”, na forma dos
artigos 464, II, e 470 do CPC. Portanto, a constatação da desnecessidade do exame técnico
implica a valoração prévia das demais provas, a justificar a prevalência da celeridade e da
economia processuais, comumente invocada para fundamentar o julgamento antecipado.
Nas lides que têm por escopo perscrutar o alegado exercício de labor especial sob o efeito de
agentes nocivos, objetivando oreconhecimento ou não da especialidade daatividade no âmbito
previdenciário, a realização de prova pericial é essencial quando asprovas
documentaisapresentadas nosautos não forem suficientes a evidenciar a natureza habituale a
permanente da exposição aos agentes agressivos, de forma a viabilizar a fundamentação cabal
da decisão acerca danatureza comum ou especial do labor exercido.
Assim, a invocação dos princípios da celeridade e economia processuais, mediante o
julgamento antecipado ou do indeferimento de determinada produção de prova técnica, pode
conduzir nesses casos ao cerceamento de defesa, em prejuízo às partes, na medida em que o
indeferimento do ingresso de provas nos autos conduz à debilidade do conjunto probatório.
Nesse contexto, a solução do conflito entre os princípios constitucionais perpassa pelas
máximas da razoabilidade e da proporcionalidade, que estão a ensejar a preponderância, no
caso concreto, do devido processo legalsobre os princípios da celeridade e economia
processuais, em face da necessidade de se preservar o valor da justiça da prestação
jurisdicional.
Noutro giro, acrescente-se que a discussão acerca da exigência de prova da exposição do
trabalhador ao agente nocivo, para fins de caracterizar a sua habitualidade e permanência, foi
examinada pelo C. Superior Tribunal de Justiçano julgamento dos REsp n. 1.886.795 e n.
1.890.010, RelatorMinistro GURGEL DE FARIA, conforme a tese firmada doTema
1083/STJ,(DJe 25/11/2021): “O reconhecimento do exercício de atividade sob condições
especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de
efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente
essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de
ruído),desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da
exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço”.
Impende ressaltar que, consoante o entendimento cristalizado pelo C. STJ, a comprovaçãoda
exposição ao agente nocivo configuraquestão de natureza previdenciária, razão por que é nesta
seara processual que deve ser enfrentada, mediante a realização de prova técnica judicial
apropriada.
Eis o trecho da ementa da lavra do eminente Ministro GURGEL DE FARIA que, pela clareza,
transcrevemos,in verbis:“(...)4.A interpretação adotada no julgado embargado denota a adoção
de raciocínio que beneficia o segurado, sem imposição de transferência de ônus pela ausência
de indicação do nível de exposição ao agente nocivo no formulário PPP ou no Laudo Técnico
de Condições Ambientais - LTCAT,visto que não impõe a este a obrigatoriedade de
providenciar a correção no formulário, mas permite que a atividade especial seja demonstrada
nos próprios autos da ação previdenciária.(...)”. (EDcl no REsp n. 1.890.010/RS, relator Ministro
Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 27/4/2022, DJe de 18/5/2022, transitado em
julgado em 12/08/2022).
Dessa forma, é de rigor assegurar a possibilidade de produção de prova técnica.
Eis os precedentes desta E. Décima Turma:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE SOB CONDIÇÕES
ESPECIAIS. PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA.
(...) 2. Segundo dispõe o §3º do artigo 68 do Decreto n. 3.048/99, que aprova o Regulamento da
Previdência Social,“A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será
feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de
condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança
do trabalho.”
3. Embora seja apto a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, o perfil
profissiográfico previdenciário (PPP) é documento unilateral do empregador.
4. Na hipótese da parte autora contestar as informações preenchidas pela empresa, ou caso os
documentos apresentados não contiverem os dados suficientes para se apurar a efetiva
submissão do trabalhador à ação de agentes agressivos durante o período em que laborou na
empregadora apontada, ou ainda, na ausência de resposta da empresa, torna-se necessária,
para o fim em apreço, a realização da perícia técnica.
5. Agravo de instrumento provido.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5013173-49.2021.4.03.0000,
Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, j. 20/10/2021, Int.
22/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. ATIVIDADE ESPECIAL. SENTENÇA ANULADA
PARAREABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.
1.Define-se como atividade especial aquela desempenhada sob certas condições peculiares -
insalubridade, penosidade ou periculosidade - que, de alguma forma cause prejuízo à saúde ou
integridade física do trabalhador.
2. Para o reconhecimento da especialidade da atividade, o Art. 58, §§ 1º a 4º, da Lei 8.213/91,
impõe aos empregadores a obrigação de fornecer os formulários, com base em laudos técnicos
elaborados por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, especificando os
agentes nocivos com as respectivas quantidades e níveis, se existentes no ambiente de
trabalho.
3. Ao Tribunal, por também ser destinatário da prova, é permitido o reexame de questões
pertinentes à instrução probatória, não sendo alcançado pela preclusão.
4. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para reabertura
da instrução processual.
5. Apelação do autor provida e remessa oficial, havida como submetida, e apelação
prejudicadas.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001918-48.2018.4.03.6128, Rel.
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, j. 02/03/2021, DJEN
10/03/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
NULIDADE DA SENTENÇA.
I - É cediço que o motorista de ônibus fica exposto a vibrações mecânicas durante a jornada de
trabalho.
II - A perícia judicial é relevante para a resolução do litígio, uma vez que subsidiará o
magistrado na formação de sua convicção sobre o pedido formulado pelo autor, conforme ilação
extraída do artigo 480 do Novo Código de Processo Civil/2015.
III - Há que se declarar a nulidade da sentença, a fim de que seja retomado o regular
andamento do processo, com a devida instrução e produção de prova pericial, bem como
prolação de nova sentença.
IV - Sentença declarada nula de ofício. Determinado o retorno dos autos ao Juízo de origem.
Prejudicada a apelação do autor.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001426-85.2018.4.03.6183, Rel.
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, j. 01/04/2019, e - DJF3 Jud: 04/04/2019)
Da mesma forma é a compreensão das E. Sétima, Oitava e Nona Turmas:TRF 3ª Região, 7ª
Turma, ApCiv 0003055-24.2014.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA
PRADO SOARES, j. 13/08/2021, DJEN 18/08/2021;TRF 3ª Região, 8ª Turma,
ApelRemNec0002052-58.2011.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA,
j. 26/05/2021, Intim: 28/05/2021;TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv 5048734-13.2021.4.03.9999,
Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, j. 13/05/2021, DJEN
20/05/2021.
Do caso concreto
A controvérsia envolve o reconhecimento da alegada natureza especial das atividades
exercidas pela parte autora, conforme indicadas na exordial, sob a exposição a agentes
nocivos.
Sob tal perspectiva, aduz a parte autora que, no exercício da atividade de motorista e cobrador
de ônibus, esteve exposta a ruídos em níveis superiores aos limites de tolerância estabelecidos
na legislação previdenciária.
Para comprovar suas alegações, pugnou pela realização da prova pericial na empresa onde
trabalhou, a qual se encontra exercendo regularmente suas atividades até os dias atuais.
Frise-se que o autor comprovou a recusa do empregador em fornecer os laudos técnicos que
embasam as informações lançadas no PPP (ID 221115389).
Todavia, apesar de reiteradamente requerida, a produção de prova pericial, a mesma foi
considerada descabida no bojo da r. sentença.
Com efeito, caracteriza-se na hipótese em apreço a insuficiência de elementos probatórios,
porquanto os documentos apresentados não contêm informações suficientes à demonstração
efetiva da existência ou não de submissão ao agente ruído em níveis acima dos limites
regulamentares de tolerância durante o período de 09/01/1997 a 13/11/2019, em que laborouna
empresa Viação Mina do Vale Transporte e Turismo Ltda. na condição de motorista em
cobrador de ônibus.
Ademais, depreende-se que o empregador não forneceu oLaudo Técnico das Condições do
Ambiente de Trabalho (LTCAT) do período controvertido, não havendo requisição do mesmo
pelo MM. Juízo, na forma do artigo 396 do CPC.
Nesse diapasão, é de rigor que a formação do conjunto probatório seja o mais vasto possível,
no sentido de viabilizar a segurança e a justiça da decisão.
Assim, não se afigura possível o encerramento da instrução probatória, porquanto há prejuízo
de que ojuiz, tanto no primeiro quanto nosegundo grau, possa vir a ser privado de elementos
suficientes para formar a sua convicção, e, assim, valorar o conjunto de provas na sua inteireza.
Aapresentação do laudo técnico e da realização da perícia técnica,in locoou por similaridade,
são medidas que se apresentam imprescindíveisa perquirir acerca da real atividade
desempenhada pelo segurado, viabilizando a fundamentação do presentejulgamento.
Cabe, ademais,realizar odistinguishingampliativo com o fito de aplicar à presente lide aratio
decidendidoTema 1083/STJ, acrescida da compreensão emanada dos Embargos de
Declaração, no sentido de que a demonstração do labor submetido aquaisquer agentes
agressivos à saúde, e não somente ao ruído, deve ser realizada na seara previdenciária.
Dispositivo
Ante o exposto,dou parcial provimento à apelação da parte autora para acolher a preliminar e
anulara r. sentença recorrida, determinandoa baixa dos autos à origem, a fim de que seja
produzida a prova pericial pretendida, ficando prejudicado o mérito recursal, bem como a
apelação interposta pelo INSS, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE
ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DOCUMENTOS. INSUFICIÊNCIA. PROVA
PERICIAL. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. SENTENÇA
ANULADA.
-O cerne do problema a ser enfrentado, ainda em sede da preliminar de cerceamento de
defesa, decorre da necessidade de deliberar sobre a aplicação de dois princípios
constitucionais fundamentais de igual importância e relevância para a solução do presente
recurso e que, no presente caso, estão em oposição: o devido processo legal, instruído pelo
contraditório e a ampla defesa, (artigo 5º, LIV e LV, da CR), e a celeridade processual (artigo 5º,
LXXVIII, da CR).
- Sob o pálio do devido processo legal, é preciso ressaltar que a prova se destina ao processo,
e não somente ao juiz deprimeira instância, razão pela qual também é objeto de apreciação
pelo segundo grau de jurisdição, viabilizando o julgamento dos recursos interpostos, razão por
que não há que se cogitar de preclusão.
- A interpretação sistemática e teleológica do artigo 370 do CPC conduz, basicamente, à
necessidade de identificação dos elementos probatórios que, auma, não se prestam a elucidar
a verdade dos fatos relacionados ao mérito da lide, e, aduas, tenham por fito causar delongas
no andamento processual.
- No que toca especificamente à prova pericial, a sua produção poderá ser indeferida ou
dispensada quando “for desnecessária em vista de outras provas produzidas”, na forma dos
artigos 464, II, e 470 do CPC.
-Nas lides que têm por escopoperscrutar o alegado exercício de labor especial sob o efeito de
agentes nocivos, objetivando oreconhecimento ou não da especialidade daatividade no âmbito
previdenciário, a realização de prova pericial é essencial para que, juntamente com a prova
documental trazida aos autos, sejaviabilizada a fundamentação da decisão acerca danatureza
comum ou especial do labor exercido, sob pena de se caracterizar cerceamento de defesa, em
prejuízo às partes, por debilidade do conjunto probatório. Precedentes.
- Assim, a invocação dos princípios da celeridade e economia processuais, mediante o
julgamento antecipado ou do indeferimento de determinada produção de prova técnica, pode
conduzir nesses casos ao cerceamento de defesa, em prejuízo às partes, na medida em que o
indeferimento do ingresso de provas nos autos conduz à debilidade do conjunto probatório.
- Com efeito, para a solução do conflito entre os princípios constitucionais, as máximas da
razoabilidade e da proporcionalidade estão a ensejar a preponderância, no caso concreto, do
devido processo legalsobre os princípios da celeridade e economia processuais, em face da
necessidade de se preservar o valor da justiça da prestação jurisdicional.
- Não se afigura possível o encerramento da instrução probatória, porquanto há riscoo juiz,
tanto noprimeiro quanto nosegundo grau, possa vir a ser privado de elementos suficientes para
formar a sua convicção e, assim, valorar o conjunto de provas na sua inteireza. Aapresentação
do laudo técnico e da realização da perícia técnica, in loco ou por similaridade, são medidas
que se apresentam imprescindíveisa perquirir acerca da real atividade desempenhada pelo
segurado, viabilizandoa fundamentação do presentejulgamento.
- Ainda, considerando-se a tese fixada pelo C. STJ no Tema 1083/STJ, Rel. Min. GURGEL DE
FARIA, é mister realizar o distinguishing ampliativo com o fito de aplicar à presente lide a ratio
decidendi doTema 1083/STJ, acrescida da compreensão emanada dos Embargos de
Declaração, no sentido de que a demonstração do labor submetido aquaisquer agentes
agressivos à saúde, e não somente ao ruído, deve ser realizada na seara previdenciária.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. Acolhidapreliminar. Prejudicada a análise do
mérito recursal. Apelação do INSS prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora para acolher a
preliminar e anular a sentença, determinando a baixa dos autos à origem, a fim de que seja
produzida a prova pericial pretendida, ficando prejudicado o mérito recursal, bem como a
apelação interposta pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
