Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001883-88.2019.4.03.6339
Relator(a)
Juiz Federal MARCELLE RAGAZONI CARVALHO
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
10/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 26/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO ESPECIAL.
AGENTES BIOLLÓGICOS. PROVA EMPRESTADA/POR SIMILIRIDADE. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL PARA INTERPOSICAO DE RECURSO ADESIVO.
1.Trata-se de recursos de ambas as partes em face da sentença que julgou parcialmente
procedente a ação, mediante reconhecimento de atividade especial por exposição a agentes
biológicos.
2. Ausência de previsão legal para interposição de recurso adesivo no Juizado Especial Federal.
3. No caso em tela, afastado o reconhecimento da atividade especial no período de 16.04.1998 a
01.04.1999 (Hospital e Maternidade São Leopoldo S/A) por ausência de PPP/LTCAT ou outro
documento hábil a comprovação da atividade nociva. Mantido o reconhecimento da especialidade
dos períodos 01.08.1999 a 02.08.2000 e 01.03.2001 a 01.10.2016 (Sociedade Beneficente São
Francisco de Assis de Tupã), e 26.01.2000 a 12.01.2001 (Casa da Criança de Tupã), por
ausência de impugnação do réu.
4. Recurso adesivo do autor não conhecido e recurso do INSS provido em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001883-88.2019.4.03.6339
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: JANES REGIS LEAO DE MELO
Advogado do(a) RECORRIDO: WELINGTON DE OLIVEIRA QUEIROZ - SP277131-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001883-88.2019.4.03.6339
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: JANES REGIS LEAO DE MELO
Advogado do(a) RECORRIDO: WELINGTON DE OLIVEIRA QUEIROZ - SP277131-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recursos interpostos por ambas as partes em face da sentença que julgou
parcialmente procedente o pedido inicial, tão somente para condenar o INSS a reconhecer a
especialidade dos lapsos de 16.04.1998 a 01.04.1999 (Hospital e Maternidade São Leopoldo
S/A), 01.08.1999 a 02.08.2000 e 01.03.2001 a 01.10.2016 (Sociedade Beneficente São
Francisco de Assis de Tupã), e 26.01.2000 a 12.01.2001 (Casa da Criança de Tupã).
Insurge-se o INSS quanto ao período de 16/04/1998 a 05/03/1999 (Hospital e Maternidade São
Leopoldo S/A), pois não foi apresentado PPP para o período. Afirma que às conclusões
fundadas em prova emprestada, claramente carecerem de valor probatório, uma vez que
apenas são passíveis de produzir efeitos inter partes, além de se referirem a situação fática
diversa acerca das partes, cargos, profissiografias, setores ou época. No mais, alega
genericamente a inexistência de direito ao reconhecimento da atividade especial, em razão da
necessidade de avaliação com base na legislação vigente à época do labor, a necessidade de
apresentação de PPP/LTCAT, e de monitoração dos riscos ambientais por responsável técnico.
A parte autora recorre interpôs recurso adesivo e apresentou contrarrazões.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001883-88.2019.4.03.6339
RELATOR:42º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: JANES REGIS LEAO DE MELO
Advogado do(a) RECORRIDO: WELINGTON DE OLIVEIRA QUEIROZ - SP277131-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Preliminarmente, cumpre-me discorrer sobre o cabimento ou não do recurso adesivo.
Os recursos e as respectivas hipóteses de interposição, no âmbito dos Juizados Especiais
Federais Cíveis, são apenas aqueles que o legislador instituiu expressamente (numerus
clausus) nas Leis n.º 9.099/1995 e 10.259/2001. Nesse contexto, a Lei n.º 10.259/2001,
somente prevê 04 (quatro) espécies de recursos no âmbito cível, a saber: a) o recurso contra
decisão que defere ou indefere medidas cautelares (artigo 4º); b) o recurso inominado de
sentença definitiva (artigo 5º); c) o pedido de uniformização de jurisprudência (artigo 14) e d) o
recurso extraordinário (artigo 15).
Além desses tipos e, aplicando-se subsidiariamente a Lei n.º 9.099/1995, desde que não
conflite com a Lei n.º 10.259/2001 (artigo 1º), admitem-se os embargos de declaração (artigos
48 a 50, daquela lei).
A matéria vinculada ao sistema recursal é de regramento fechado, em qualquer estrutura
normativa processual, não se admitindo ampliações que não tenham sido cogitadas pelo
legislador. Não há previsão legal da interposição de recurso adesivo no âmbito dos Juizados
Especiais Federais, sendo este o entendimento já pacificado pelo Enunciado n.º 59 do Fórum
Nacional dos Juizados Especiais Federais FONAJEF. Portanto, não conheço do recurso
adesivo interposto pela parte autora.
Da Atividade Especial
Dadas as constantes alterações normativas a respeito de matéria previdenciária, a perfeita
contextualização do problema não pode ser viabilizada senão mediante o registro dos eventos
que se destacaram na escala da evolução legislativa acerca da configuração da atividade
exercida em condições especiais e a forma de sua comprovação.
A parte autora alega ter direito ao benefício de aposentadoria especial nos termos do art. 57 da
Lei 8.213/91, visto que laborou por mais de 25 anos em atividade nociva à saúde.
O art. 57 da Lei 8.213/91 disciplina a aposentadoria especial nos seguintes termos:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei,
ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser
a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda
mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por
idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado,
perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não
ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos
químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade
física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
A aposentadoria especial está prevista no art. 201, §1º, da Constituição da República, que
assegura àquele que exerce atividades sob condições especiais que lhe prejudiquem a saúde
ou a integridade física, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão do
benefício.
Na essência, é uma modalidade de aposentadoria por tempo de serviço com redução deste, em
função das peculiares condições sob as quais o trabalho é prestado, presumindo a lei que o
trabalhador não teria condições de exercer suas atividades como nas demais atividades
profissionais.
Da conversão do tempo especial em comum
A conversão do tempo especial em normal tem por finalidade o acréscimo compensatório em
favor do segurado, de acordo com o fator de conversão, tendo em vista a sua exposição a
agentes nocivos, em atividades penosas, insalubres ou perigosas, mas não durante todo o
período de contribuição.
O direito à conversão do tempo especial em comum está previsto no art. 57, §§3º e 5º da Lei n.
8.213/91, estando assegurado constitucionalmente, conforme o Superior Tribunal de Justiça, no
AgRg no REsp 1069632/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA,
julgado em 07/04/2011, DJe 14/04/2011.
A legislação a ser aplicada, no que concerne aos requisitos e comprovação da atividade
especial é aquela vigente na data da prestação do serviço, ao passo que, em relação ao fator
de conversão, é àquele vigente na data do requerimento, segundo orientação do Superior
Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA DECIDIDA EM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA, SOB O RITO DO ART. 543-C, § 1º, DO CPC E RESOLUÇÃO N. 8/2008.
CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. OBSERVÂNCIA DA LEI EM
VIGOR POR OCASIÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. DECRETO N. 3.048/1999, ARTIGO
70, §§ 1º E 2º. FATOR DE CONVERSÃO. EXTENSÃO DA REGRA AO TRABALHO
DESEMPENHADO EM QUALQUER ÉPOCA. 1. A teor do § 1º do art. 70 do Decreto n.
3.048/99, a legislação em vigor na ocasião da prestação do serviço regula a caracterização e a
comprovação do tempo de atividade sob condições especiais. Ou seja, observa-se o
regramento da época do trabalho para a prova da exposição aos agentes agressivos à saúde:
se pelo mero enquadramento da atividade nos anexos dos Regulamentos da Previdência, se
mediante as anotações de formulários do INSS ou, ainda, pela existência de laudo assinado por
médico do trabalho. 2. O Decreto n. 4.827/2003, ao incluir o § 2º no art. 70 do Decreto n.
3.048/99, estendeu ao trabalho desempenhado em qualquer período a mesma regra de
conversão. Assim, no tocante aos efeitos da prestação laboral vinculada ao Sistema
Previdenciário, a obtenção de benefício fica submetida às regras da legislação em vigor na data
do requerimento. 3. A adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do
tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve
corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que
corresponde a um mero cálculo matemático e não de regra previdenciária. 4. Agravo regimental
improvido. (AgRg no REsp 1108375/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 17/05/2011, DJe 25/05/2011)
Inicialmente, era suficiente a mera previsão nos quadros anexos dos Decretos ns. 53.831/64 e
83.080/79, enquadrando a atividade como especial pela categoria profissional. A partir da Lei
9.032/95 passou a ser exigida a efetiva exposição aos agentes nocivos, através de formulário
específico. Dessa forma, é possível o enquadramento de atividade exercida sob condições
especiais pela categoria profissional até 28/04/1995, apenas.
A partir de 29/04/1995, no entanto, só é possível o reconhecimento de atividade como especial
se houver a exposição a agentes químicos, físicos ou biológicos, que deve ser comprovada
através de qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-
padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (exceto
para o agente nocivo ruído).
A partir de 06/03/97, data da entrada em vigor do Decreto 2.172/97 que regulamentou as
disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória 1.523/96
(convertida na Lei 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de
serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por
meio da apresentação de formulário preenchido pela empresa com base em laudo técnico de
condições ambientais do trabalho (LTCAT) expedido por engenheiro de segurança do trabalho
ou médico do trabalho.
Ainda a título de orientações gerais, cabe registrar que, a partir de 01/2004, o documento que
comprova, em tese, a exposição de agente nocivo, consoante reclamado no § 1.º do art. 58 da
Lei 8.213/1991, é o perfil profissiográfico profissional, o qual dispensa a obrigatoriedade da
apresentação do laudo técnico individual para as demandas da espécie, desde que
regularmente preenchido, uma vez que o PPP é elaborado com base em dados constantes
naquele.
Para ser considerado válido, seu preenchimento deve ser feito por Responsável Técnico
habilitado, amparado em laudo técnico pericial, nos termos do disposto na IN INSS/PRES Nº
77/2015, art. 264, §4º.
Cumpre também consignar que, em relação aos períodos laborados anteriores a 1.º de janeiro
de 2004, o PPP poderá substituir não só os demais formulários exigidos até 11/12/1997, mas
também o laudo técnico a partir desta data.
DOS EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL OU COLETIVA
Vale ressaltar inicialmente que em relação aos equipamentos de proteção, a regulamentação
legal somente pode ser aplicada ao período trabalhado após a entrada em vigor da Lei
9.732/98, de 14/12/1998, que estabeleceu a exigência de informações acerca da eficácia dos
equipamentos no laudo pericial que embasa o PPP. Neste sentido, precedentes do E. TRF 3
(AC 00088654620124036119, Nona Turma, rel. Juiz Federal Convocado Leonardo Safi, e-DJF3
Judicial 1 DATA:29/11/2013).
O E. STF também adotou entendimento de que a eficácia demonstrada do EPI exclui a
nocividade do agente, impossibilitando a consideração do período como especial (RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 664.335/SC, j. 04/12/2014).
No entanto, no referido julgamento, o STF fixou duas teses distintas, que servem para o
reconhecimento de tempo de serviço sob condições prejudiciais à saúde ou a integridade física,
que servem à concessão de aposentadoria especial (aos 25 anos de atividade) ou para a
conversão do tempo especial para tempo comum, a ser utilizada na concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição.
A primeira tese faz referência ao uso de EPI (equipamento de proteção individual) sugerindo
que se comprovadamente houve o uso eficaz do EPI não poderá ser reconhecido o direito ao
reconhecimento do tempo de atividade especial.
Diz o STF: “O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a
agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a
nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.”
No entanto, especificamente em relação ao ruído, entendeu o Supremo Tribunal que, a despeito
do uso de EPI de forma eficaz, “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não
descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”
Em relação ao uso do EPC (Equipamento de Proteção Coletivo) deve ser dispensado o mesmo
tratamento, pois se trata, inclusive, de proteção mais ampla do trabalhador.
Do entendimento acima exposto, extrai-se que de acordo com as normas vigentes, a
declaração do uso de EPI eficaz – exceto no caso do ruído - nos laudos, formulários e PPP
afasta a caracterização da atividade como nociva. Tais documentos e as condições de trabalho
que reproduzem estão sujeitos à fiscalização do Poder Público, principalmente do INSS e MTE.
Por essa razão, gozam de presunção de veracidade, até que se demonstre o contrário.
Vale ressaltar que cabe ao empregador fiscalizar o uso adequado dos EPIs e EPCs, podendo o
trabalhador que tenha laborado em condições diversas das declaradas pelo empregador exigir
deste os documentos que demonstram o cumprimento das exigências de da Norma. Tratando-
se de fatos cujo meio de prova idôneo é documental, tais documentos devem acompanhar a
petição inicial, salvo comprovada recusa do empregador em fornecê-las, sendo o caso de o
autor requerer diligências do Juízo.
DA EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE
Por fim, para o reconhecimento do trabalho como especial, a exposição há que ser habitual e
permanente. Habitual significa exposição diária àquele agente. Permanência significa que
durante toda a jornada o autor esteve exposto aos agentes nocivos. Há quebra de permanência
quando o autor exerce algumas atividades comuns e atividades consideradas especiais em
uma mesma jornada de trabalho.
No entanto, o enquadramento do tempo de serviço não pode ser afastado de plano apenas com
base na ausência de informações no PPP sobre a habitualidade e permanência da exposição
ao agente nocivo. É preciso aferir caso a caso, com base na descrição da atividade exercida
pelo segurado, se a exposição ao agente nocivo constituía aspecto intrínseco e indissociável do
exercício da referida atividade, hipótese em que o enquadramento deve ser admitido.
DA AUSÊNCIA DE FONTE DE CUSTEIO
No que toca ao fato de não haver recolhimento da contribuição SAT na hipótese de utilização
de EPI, destaco que a norma constitucional (artigo 195, §4º, da CF/88) exige prévia fonte de
custeio para a criação, majoração ou extensão de qualquer benefício da seguridade social. Ou
seja, trata-se de norma direcionada ao legislador, a quem incumbe tais atividades, e não ao
Poder Judiciário, quando apenas reconhece o direito das partes aos benefícios já concedidos
por lei, como no caso concreto.
DA EXPOSIÇÃO A AGENTES BIOLÓGICOS
Em agosto de 2017 o INSS publicou a Resolução INSS/Prev n. 600, atualizada pelo Despacho
decisório nº 479, de 25/09/2018, em que reviu o procedimento administrativo em relação a
aferição da especialidade das atividades para fins de concessão de aposentadoria especial
editando o Manual de Aposentadoria Especial.
Embora o Manual tenha sido elaborado somente em 2017, possui determinações
interpretativas, pelo que as regras ali expostas são declaratórias acerca de situações
preexistentes e, portanto, não seria razoável aplicá-lo somente em relação a prestação de
serviços a partir de sua edição.
Como se sabe, os Decretos 53.831/64, 83.080/79, 2.172/97 e 3.048/99, respectivamente nos
itens 1.3.2, 1.3.4, 3.0.1 e 3.0.1, sempre previram a especialidade dos trabalhos com exposição
permanente ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes (atividades de
assistência médica, odontológica, hospitalar e afins).
No que toca ao reconhecimento da especialidade com base no enquadramento por categoria
profissional, as atividades de atendente, técnico e auxiliar de enfermagem devem ser
equiparadas à atividade de enfermeiro, prevista no código 2.1.3 do Anexo II do Decreto
83.080/79.
A partir de 6 de março de 1997, deve-se aplicar o Decreto n. 2.172, de 1997, até 06 de maio de
1999, e o Decreto n. 3.048/99, a partir de 7 de maio de 1999, unicamente nas atividades
relacionadas ao Anexo IV dos referidos Decretos, código 3.0.0: Exposição aos agentes citados
unicamente nas atividades relacionadas. 3.0.1 a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em
contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de
materiais contaminados; b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo
de soro, vacinas e outros produtos; c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e
anátomo-histologia; d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais
deteriorados; e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto; f) esvaziamento de
biodigestores; g) coleta e industrialização do lixo.
De acordo com o item 3.1.5 (Tecnologia de Proteção), do Manual de Aposentadoria Especial, o
INSS entende que o EPI deve “eliminar totalmente a probabilidade de exposição, evitando a
contaminação por meio do estabelecimento de uma barreira entre o agente infectocontagioso e
a via de absorção”. E prossegue: “caso o EPI não desempenhe adequadamente esta função,
permitindo que haja, ainda que atenuadamente, a absorção de microorganismos pelo
trabalhador, a exposição estará efetivada, podendo-se desencadear a doença infecto-
contagiosa. Neste caso, o EPI não deverá ser considerado eficaz pela perícia médica. Assim,
em se tratando de agentes nocivos biológicos, caberá ao perito médico previdenciário a
constatação da eficácia do EPI, por meio da análise da profissiografia e demais documentos
acostados ao processo, podendo se necessário solicitar mais informações ao empregador ou
realizar inspeção ao local de trabalho”.
Em relação ao EPC, recomenda o INSS que analise e confira “se confere a proteção adequada
que elimine a presença de agente biológico, tal como cabine de segurança biológica,
segregação de materiais e resíduos, enclausuramento, entre outros”.
O próprio STF, no julgamento do ARE 664.335/SC, firmou a tese de que “o direito à
aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua
saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá
respaldo constitucional à aposentadoria especial” e que, em caso de divergência ou dúvida
sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a
Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria
especial”, porque o uso de EPI, a depender das circunstâncias em que prestado o serviço.
Fixadas essas premissas, passo a analisar o caso concreto.
Para melhor análise das alegações recursais, transcrevo a sentença impugnada:
“Fixadas essas premissas, passo a analisar o caso concreto.
Consigne-se que os períodos de trabalho da requerente anotados em CTPS e constantes do
CNIS são indiscutíveis (evento 002, páginas 16-20, e evento 030).
Pois bem.
Pretende a demandante o reconhecimento da especialidade dos seguintes lapsos de trabalho:
a) para LEADER LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS – 01.03.1996 a 30.11.1997, como
recepcionista e 01.12.1997 a 05.03.1999, como técnica de laboratório;
b) para HOSPITAL E MATERNIDADE SÃO LEOPOLDO S/A – 16.04.1998 a 01.04.1999, como
auxiliar de enfermagem;
c) para CASA DA CRIANÇA DE TUPÃ – 19.03.1999 a 12.01.2001, como auxiliar de
enfermagem;
d) para SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO FRANCISCO DE ASSIS DE TUPÃ – 01.08.1999 a
02.08.2000 e 01.03.2001 a 30.04.2009, como auxiliar de enfermagem; 01.05.2009 a
30.11.2012, como encarregada de limpeza, e 01.12.2012 a 01.10.2016, como enfermeira;
e) para HOME CARE VIDA & SAÚDE LTDA, a partir de 02.07.2018, como enfermeira.
Pois bem.
O intervalo de 01.03.1996 a 05.03.1999 deve ser considerado comum, vez que não há nenhum
documento hábil à comprovação de sua especialidade.
Anoto, por oportuno, que o fato de a autora ter recebido adicional de insalubridade (vantagem
trabalhista) no período não impõe o reconhecimento do direito à sua contagem como tempo de
atividade especial, que impõe a observância às regras previdenciárias de regência da matéria
(STJ, REsp 1.810.794, 2ª Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 15/08/2019).
Comum igualmente o labor desenvolvido a partir de 02.07.2018, pois embora carreado aos
autos pela demandante PPP expedido pela empregadora (evento 002, páginas 31- 32) com
indicação de sua exposição a agentes biológicos agressores, tal documento não possui higidez,
vez que não assinala responsável técnico pelos registros ambientais. Ressalte-se a ausência de
apresentação de LTCAT ou documentação equivalente, ou mesmo registro da existência deste
no campo de observações do documento.
Para o período entre 19.03.1999 e 12.01.2001, existente PPP expedido em 20.03.2019 (evento
002, páginas 24-25), assinalando exposição da autora no desenvolvimento de suas funções aos
agentes biológicos: vírus, bactérias e outros organismos vivos, sem previsão de eficácia de EPI.
Ocorre que indicado responsável técnico pelos registros ambientais apenas a partir de
26.01.2000. E tal PPP não se faz acompanhar de laudo técnico ou documento que a ele
equivalha.
Assim, baseada na recente redação da tese do Tema 208 da TNU, reconheço a nocividade
somente do trabalho realizado de 26.01.2000 a 12.01.2001.
Prosseguindo, entendo que o PPP hígido, datado de 20.03.1999, inserto às páginas 26-27 do
evento 002, expedido pela ex-empregadora SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO FRANCISCO
DE ASSIS DE TUPÃ, se mostra suficiente à análise da especialidade, tanto do lapso de
01.08.1999 a 02.08.2000 nela laborado, quanto do período de 16.04.1998 a 01.04.1999,
trabalhado no HOSPITAL E MATERNIDADE SÃO LEOPOLDO S/A.
Isso porque os dois locais são hospitais e a requerente neles desenvolveu a mesma função
(auxiliar de enfermagem), de modo que é admitida a utilização da prova emprestada.
E, de acordo com aludido PPP (devidamente assinado e assinalando responsáveis pelos
registros ambientais e monitoração biológica), como auxiliar de enfermagem a autora foi
submetida a vírus, fungos e bactérias, sem eficácia do EPI.
Assim, comprovada a nocividade dos aludidos interregnos. Finalmente, entre 01.03.2001 a
01.10.2016, a demandante, nas funções de auxiliar de enfermagem, encarregada de limpeza, e
enfermeira, esteve exposta de modo habitual e permanente a vírus, fungos e bactérias, também
sem eficácia de EPI, motivo pelo qual reconheço a especialidade de tal período.
E para que não restem dúvidas, repise-se que por diversas vezes oportunizou-se à demandante
(eventos 008, 018 e 026) a juntada de LTCATs ou documentação equivalente para períodos
tidos por especiais, após 1997, o que não ocorreu.
Não se há falar, portanto, em ocorrência de cerceamento de defesa no presente caso.
[...]
Destarte, consubstanciada nos argumentos jurídicos aduzidos na fundamentação e com fulcro
no art. 487, inciso I, do CPC, ACOLHO PARCIALMENTE o pedido, tão somente para condenar
o INSS a reconhecer a especialidade dos lapsos de 16.04.1998 a 01.04.1999 (Hospital e
Maternidade São Leopoldo S/A), 01.08.1999 a 02.08.2000 e 01.03.2001 a 01.10.2016
(Sociedade Beneficente São Francisco de Assis de Tupã), e 26.01.2000 a 12.01.2001 (Casa da
Criança de Tupã).” (destaquei)
Quanto ao período de 16.04.1998 a 01.04.1999 (Hospital e Maternidade São Leopoldo S/A),
assiste razão ao INSS. Não foi apresentado PPP e ou LTCAT que comprovam as condições do
labor no período.
O PPP da Beneficente São Francisco de Assis de Tupã não comprova a especialidade da
atividade desempenha no Hospital e Maternidade São Leopoldo S/A, ainda que sejam ambiente
similares e a mesma atividade.
O período em análise não admite o reconhecimento da atividade especial por categoria
profissional.
Assim, afasto o reconhecimento da atividade especial de 16.04.1998 a 01.04.1999 (Hospital e
Maternidade São Leopoldo S/A).
O recurso do INSS apenas impugnou especificamente o período em questão, sendo genérico
no tocante à impugnação restante, razão pela qual deixode analisar os demais períodos
reconhecidos como especiais pela sentença.
Ante o exposto, não conheço do recurso adesivo interposto pela autora e dou parcial
provimento ao recurso do INSS para afastar o reconhecimento da atividade especial no período
de 16/04/1998 a 01/04/1999, no mais fica mantida a sentença, nos termos da fundamentação
supra.
Deixo de fixar honorários advocatícios, devidos apenas pelo recorrente vencido.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO
ESPECIAL. AGENTES BIOLLÓGICOS. PROVA EMPRESTADA/POR SIMILIRIDADE.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA INTERPOSICAO DE RECURSO ADESIVO.
1.Trata-se de recursos de ambas as partes em face da sentença que julgou parcialmente
procedente a ação, mediante reconhecimento de atividade especial por exposição a agentes
biológicos.
2. Ausência de previsão legal para interposição de recurso adesivo no Juizado Especial
Federal.
3. No caso em tela, afastado o reconhecimento da atividade especial no período de 16.04.1998
a 01.04.1999 (Hospital e Maternidade São Leopoldo S/A) por ausência de PPP/LTCAT ou outro
documento hábil a comprovação da atividade nociva. Mantido o reconhecimento da
especialidade dos períodos 01.08.1999 a 02.08.2000 e 01.03.2001 a 01.10.2016 (Sociedade
Beneficente São Francisco de Assis de Tupã), e 26.01.2000 a 12.01.2001 (Casa da Criança de
Tupã), por ausência de impugnação do réu.
4. Recurso adesivo do autor não conhecido e recurso do INSS provido em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
decidiu, por unanimidade, não conhecer do recurso adesivo da parte autora e dar parcial
provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
