
| D.E. Publicado em 28/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento às apelações da parte autora e do INSS, sendo que, nesta última, os Desembargadores Federais Tânia Marangoni, David Dantas e Newton de Lucca o fizeram em menor extensão, para reformar a sentença e limitar o reconhecimento do tempo rural até 31/12/1978, bem como fixar o termo inicial dos juros de mora na data da citação.
Relatora para o acórdão
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 23/08/2018 14:38:43 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0016745-05.2010.4.03.6105/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
A DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI: Cuida-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, após o reconhecimento da atividade rural e dos períodos de labor especial.
A r. sentença julgou extinto o processo, sem análise do mérito, no que tange ao reconhecimento da especialidade do lapso de 01/11/1980 a 03/05/1982. Julgou parcialmente procedente o pedido remanescente para declarar como tempo de serviço rural o período de 01/01/1974 a 30/04/1979; como tempo de serviço especial, o período de 09/09/1985 a 04/03/1997; bem como condenar o INSS a conceder ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo (31/10/2007). Condenou, ainda, a Autarquia ao pagamento dos valores atrasados, determinando que deverão ser corrigidos desde o vencimento de cada prestação, nos termos do Provimento nº 26/2001, da Corregedoria da Justiça Federal da 3ª Região, e acrescentados de juros moratórios de 0,5% ao mês, contados da data do início do benefício, a teor do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97. Sem custas. Condenou, também, o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixou em 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
A decisão foi submetida ao reexame necessário.
Inconformadas, apelaram as partes.
A parte autora, alegando que faz jus ao reconhecimento da atividade rural no período de 01/01/1972 a 31/12/1973. Requer, ainda, a majoração da verba honorária.
O ente previdenciário, sustentando, em síntese, que não restou comprovada a especialidade da atividade, conforme determina a legislação previdenciária, notadamente do período posterior a 28/04/1995. Aduz, também, que deve ser excluído o ano de 1979 da contagem do tempo de serviço rural. Requer, ainda, que o termo inicial dos juros de mora seja fixado na data da citação válida, bem como sejam aplicados os índices previstos na Lei 11.960/09.
Na decisão de fls. 454/462, o Ilustre Relator, Desembargador Federal Luiz Stefanini, não conheceu da remessa necessária, deu parcial provimento ao apelo do autor para reconhecer a atividade rural de 02/09/1972 até 31/12/1973, e deu parcial provimento à apelação do INSS para reformar a sentença quanto ao reconhecimento da atividade especial de 29/04/1995 a 04/03/1997, limitar o reconhecimento do tempo rural a 31/12/1978, bem como fixar o termo inicial dos juros de mora na data da citação.
Peço licença a Sua Excelência para discordar da orientação adotada em relação ao não reconhecimento do labor especial, nos seguintes termos:
Observo, inicialmente, que a hipótese não é de reexame necessário.
O art. 496, § 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil, Lei Federal n.º 13.105/2015, em vigor desde 18/03/2016, dispõe que não se impõe a remessa necessária quando a condenação ou o proveito econômico obtido for de valor certo e líquido inferior 1.000 (mil) salários mínimos para a União, as respectivas autarquias e fundações de direito público.
Em se tratando de reexame necessário, cuja natureza é estritamente processual, o momento no qual foi proferida a decisão recorrida deve ser levado em conta tão somente para aferir o valor da condenação e então apurar se supera o limite legal estabelecido na norma processual em vigor quando de sua apreciação pelo tribunal correspondente.
A propósito, o art. 14 do CPC estabelece que, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
Nessa esteira, a regra estampada no art. 496 § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil vigente tem aplicação imediata nos processos em curso, adotando-se o princípio tempus regit actum.
Esse foi o entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião da edição da Lei 10.352/01, que conferiu nova redação ao art. 475 do CPC anterior, conforme se verifica da ementa que segue:
No caso analisado, o valor da condenação verificado no momento da prolação da sentença não excede a 1000 salários mínimos, de modo que a sentença não será submetida ao reexame necessário, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil, não obstante tenha sido produzida no advento do antigo CPC.
No mérito, a questão em debate consiste na possibilidade de se reconhecer o trabalho especificado na inicial como rurícola, bem como o labor em condições especiais e a sua conversão, para, somados aos demais lapsos de trabalho em regime comum, propiciar a concessão da aposentadoria por tempo de serviço.
Para demonstrar o labor campesino no período pleiteado, de 01/01/1972 a 31/12/1979, o requerente, nascido em 02/09/1960, trouxe aos autos os seguintes documentos que interessam à solução da lide:
- CTPS, constando primeiro vínculo a partir de 23/01/1980, como auxiliar de armazém (fls. 95/104);
- Ficha de filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Indianópolis-PR, em nome de seu genitor, constando admissão em 02/10/1972 (fls. 114);
- Certidão de casamento de seus pais, em 27/07/1957, qualificando o genitor como lavrador (fls. 115);
- Contrato particular de compromisso de cessão de direitos, datado de 16/11/1979, qualificando seus pais como compromitentes/cedentes de imóvel rural adquirido no ano de 1964 (fls. 117);
- Recibos de pagamentos e carteira de filiação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Indianópolis-PR, em nome de seu genitor (fls. 118/124);
- Certificado de dispensa de incorporação, datado de 25/06/1979, do Ministério do Exército, indicando sua profissão como lavrador (fls. 127);
- Declaração do Delegado da 15ª Delegacia de Serviço Militar, informando que o requerente afirmou, quando de seu alistamento militar, no ano de 1979, que exercia a função de lavrador (fls. 128);
- Documentos escolares (fls. 129/134).
Consta dos autos, a fls. 135/136, termo de entrevista rural para justificação administrativa, informando que o requerente declarou ter laborado no campo desde os 12 anos de idade até meados de janeiro de 1979, época em que se mudou para a cidade de Campinas para exercer atividade urbana.
Foram ouvidas três testemunhas (em 11/10/2011), depoimentos gravados em mídia digital (vídeo e áudio), juntada aos autos a fls. 384, que declararam conhecer o requerente e confirmaram o labor no campo desde a tenra idade.
A convicção de que ocorreu o efetivo exercício da atividade, com vínculo empregatício, ou em regime de economia familiar, durante determinado período, nesses casos, forma-se através do exame minucioso do conjunto probatório, que se resume nos indícios de prova escrita, em consonância com a oitiva de testemunhas.
Nesse sentido, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
Confira-se:
Ressalte-se, por oportuno, que alterei o entendimento anteriormente por mim esposado de não aceitação de documentos em nome dos genitores do demandante. Assim, nos casos em que se pede o reconhecimento de labor campesino, em regime de economia familiar, passo a aceitar tais documentos, desde que contemporâneos aos fatos que pretendem comprovar.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
Bem examinados os autos, portanto, a matéria dispensa maior digressão. É inequívoca a ligação da parte autora com a terra - com o trabalho campesino, sendo certo o exercício da atividade agrícola, com base em prova documental, por determinado período.
Do conjunto probatório, em especial dos depoimentos coerentes, extrai-se que, desde a idade mínima é de ser reconhecido o exercício da atividade, eis que há razoáveis vestígios materiais.
Em suma, é possível reconhecer que o requerente exerceu atividade como rurícola no período de 02/09/1972 a 31/12/1978.
O termo final foi fixado com base nas declarações do autor.
Cabe ressaltar que o tempo de trabalho rural ora reconhecido não está sendo computado para efeito de carência, nos termos do §2º, do artigo 55, da Lei nº 8.213/91.
Nesse contexto, importante destacar o entendimento esposado na Súmula nº 272 do E. STJ:
O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas.
De outro lado, o tema - trabalho desenvolvido em condições especiais e sua conversão, palco de debates infindáveis, está disciplinado pelos arts. 57, 58 e seus §s da Lei nº 8.213/91, para os períodos laborados posteriormente à sua vigência e, para os pretéritos, pelo art. 35 § 2º da antiga CLPS.
Observe-se que a possibilidade dessa conversão não sofreu alteração alguma, desde que foi acrescido o § 4º ao art. 9º, da Lei nº 5.890 de 08/06/1973, até a edição da MP nº 1.663-10/98 que revogava o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, e deu azo à edição das OS 600/98 e 612/98. A partir de então, apenas teriam direito à conversão os trabalhadores que tivessem adquirido direito à aposentadoria até 28/05/1998. Depois de acirradas discussões, a questão pacificou-se através da alteração do art. 70 do Decreto nº 3.048 de 06/05/99, cujo § 2º hoje tem a seguinte redação:" As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período". (Incluído pelo Decreto nº 4.827 de 03/09/2003).
Não obstante o Decreto nº 6.945, de 21 de agosto de 2009, tenha revogado o Decreto nº 4.827/03, que alterou a redação do artigo 70, não foi editada norma alguma que discipline a questão de modo diverso do entendimento aqui adotado.
Por outro lado, o benefício é regido pela lei em vigor no momento em que reunidos os requisitos para sua fruição e mesmo em se tratando de direitos de aquisição complexa, a lei mais gravosa não pode retroagir exigindo outros elementos comprobatórios do exercício da atividade insalubre, antes não exigidos, sob pena de agressão à segurança jurídica.
Fica afastado, ainda, o argumento, segundo o qual, somente em 1980 surgiu a possibilidade de conversão do tempo especial em comum, pois o que interessa é a natureza da atividade exercida em determinado período, sendo que as regras de conversão serão aquelas em vigor à data em que se efetive o respectivo cômputo.
De se observar que, o ente previdenciário já reconheceu na via administrativa a especialidade do labor no período de 01/11/1980 a 03/05/1982, de acordo com os documentos de fls. 267/272, restando, incontroverso.
Na espécie, questionam-se os períodos de 09/09/1985 a 28/04/1995 e de 29/04/1995 a 04/03/1997 pelo que ambas as legislações (tanto a antiga CLPS, quanto a Lei nº 8.213/91), com as respectivas alterações, incidem sobre o respectivo cômputo, inclusive quanto às exigências de sua comprovação.
É possível o reconhecimento da atividade especial nos interstícios de:
- 09/09/1985 a 28/04/1995 e de 29/04/1995 a 04/03/1997 - uma vez que, conforme o formulário de fls. 86, o laudo técnico de fls. 89/92 e a CTPS a fls. 97, o demandante exerceu atividades como ajudante de motorista e motorista de caminhão, executando a entrega de sorvetes, exposto ao agente agressivo frio.
O item 2.4.4 do Decreto nº 53.831/64 classifica como penosas, as categorias profissionais: motorneiros e condutores de bondes; motoristas e cobradores de ônibus; motoristas e ajudantes de caminhão.
Ressalte-se que, somente a partir da edição do Decreto de nº 2.172/97 que regulamentou a Medida Provisória nº 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, passou-se a exigir a efetiva comprovação da permanente e habitual exposição do segurado a agentes nocivos à saúde, por laudo técnico (arts. 58, §s 1 e2º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97) para a caracterização da especialidade da atividade.
Observo ainda que, o formulário de fls. 86 e o laudo de fls. 91/92 apontam que o autor trabalhava num caminhão de entrega de sorvetes, equipado com baú isotérmico revestido de placas eutéticas. Seu trabalho consistia em fazer de 15 a 30 entregas diárias (25 entregas em média), sendo que, após o ajudante separar o pedido no interior do baú isotérmico e colocá-lo na porta de acesso, o motorista (ou o ajudante) efetuava o transporte dos produtos do veículo até o cliente, conferia as mercadorias que estavam sendo entregues e pegava o canhoto da nota fiscal. Após, abastecia o freezer do cliente, arrumando o sorvete em seu interior. O laudo pericial aponta a exposição a frio de até -25 ºC, eventual, para uma atividade moderada.
Neste caso, embora o laudo aponte a exposição eventual a frio de até -25ºC verifico que o autor efetuava em média, 25 entregas diárias, sendo que, em cada uma delas tinha que adentrar na câmara fria do caminhão para separar os pedidos.
Assim, considerando uma jornada de trabalho de 8 horas e o grande número de entregas diárias, tenho que o autor estava exposto ao agente agressivo de modo habitual e permanente e não eventual, eis que a exposição ao frio era inerente a sua atividade profissional.
Logo, o autor faz jus ao cômputo da atividade especial, com a respectiva conversão, nos lapsos mencionados.
Nesse sentido, destaco:
É verdade que, a partir de 1978, as empresas passaram a fornecer os equipamentos de Proteção Individual - EPI's, aqueles pessoalmente postos à disposição do trabalhador, como protetor auricular, capacete, óculos especiais e outros, destinado a diminuir ou evitar, em alguns casos, os efeitos danosos provenientes dos agentes agressivos.
Utilizados para atenuar os efeitos prejudiciais da exposição a esses agentes, contudo, não têm o condão de desnaturar atividade prestada, até porque, o ambiente de trabalho permanecia agressivo ao trabalhador, que poderia apenas resguarda-se de um mal maior.
A orientação desta Corte tem sido firme neste sentido.
Confira-se:
Assentados esses aspectos, resta examinar se o requerente preencheu as exigências à sua aposentadoria.
Feitos os cálculos, somando a atividade rurícola e o trabalho especial com a devida conversão aos lapsos de labor comum incontroversos, tendo como certo que, até a data do requerimento administrativo, somou mais de 35 anos de trabalho, faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, eis que respeitando as regras permanentes estatuídas no artigo 201, §7º, da CF/88, deveria cumprir, pelo menos, 35 (trinta e cinco) anos de contribuição.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na DER (31/10/2007), conforme determinado pela sentença.
Com relação aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da execução do julgado. Os juros de mora incidem desde a citação, nos termos da Súmula 204 do Superior Tribunal de Justiça.
No que tange à verba honorária, predomina nesta Colenda Turma a orientação, segundo a qual, nas ações de natureza previdenciária, a verba deve ser fixada em 10% sobre o valor da condenação, até a data da sentença (Súmula nº 111 do STJ).
Pelas razões expostas, não conheço do reexame necessário, dou parcial provimento ao apelo do autor para reconhecer a atividade rural de 02/09/1972 até 31/12/1973 e dou parcial provimento à apelação do INSS, em menor extensão, para reformar a sentença e limitar o reconhecimento do tempo rural até 31/12/1978, bem como fixar o termo inicial dos juros de mora na data da citação.
É o voto.
TÂNIA MARANGONI
Relatora para o acórdão
