Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5035319-60.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
19/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 22/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO RURAL.
CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OPORTUNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVA
TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Caracterizado o cerceamento de defesa, ante a retirada da oportunidade de colheita de
depoimentos das testemunhas, impõe-se de rigor a anulação da sentença.
- Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5035319-60.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELADO: OTAVIO DUARTE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDINEI BARRINHA BRAGATTO - SP339023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5035319-60.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OTAVIO DUARTE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDINEI BARRINHA BRAGATTO - SP339023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o reconhecimento de trabalho rural realizado sem registro em
CTPS para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (Id. 152720421).
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado para averbar o trabalho rural realizado no
período de 21/12/1970 a 27/8/1985 e condenar a autarquia ao pagamento de aposentadoria por
tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo (DER 3/5/2018). Concedeu a
tutela antecipada de urgência (Id. 152720471).
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, a inexistência de
início de prova material do trabalho rural alegado e, consequentemente, a insuficiência de
tempo de serviço para a concessão da aposentadoria (Id. 152720478).
Com contrarrazões (Id. 152720480), subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5035319-60.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OTAVIO DUARTE PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CLAUDINEI BARRINHA BRAGATTO - SP339023-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
O juízo a quo, em virtude da situação de pandemia instalada, assim decidiu:
1) Trata-se de ação previdenciária em fase de instrução processual, sendo que há a
necessidade, ante o pleito da parte autora, de produção de prova testemunhal para a
comprovação da atividade rural.
Com o fito de disciplinar o retorno gradual do trabalho presencial do Poder Judiciário do Estado
de São Paulo em meio à situação de Pandemia pela COVID 19, foi editado o Comunicado CSM
2564/2020.
Assim, conforme orientação a Presidência do TJSP, as audiências deverão continuar a serem
realizadas de forma virtual, mantendo-se vedada a realização de audiência da forma tradicional.
Caso haja comprovada impossibilidade técnica pela parte ou testemunha, esta deverá
comparecer ao prédio do Fórum em dia e horário marcados, onde lhe será disponibilizado local
com acesso à audiência, sempre obedecendo à exigência do uso de máscaras, correta higiene
pessoal e distanciamento mínimo.
2) Contudo, prezando-se por evitar a aglomeração de pessoas que possam estar entre o grupo
de risco de contágio, considerando-se que a prova testemunhal tem como finalidade corroborar
a prova material já contida nos autos, em caráter excepcional, FACULTO À PARTE AUTORA
que junte declarações de no mínimo três testemunhas, com firma reconhecida em cartório,
comprovando o conhecimento do tempo rural que se quer ver reconhecido, atentando-se sobre
as penalidades aplicáveis em caso de falsidade. Prazo para a juntada: 15 dias,
Com efeito, o juízo sentenciante entendeu por bem equiparar a prova oral colhida em audiência,
realizada sob o crivo do contraditório, à declaração reduzida a termo em cartório, e julgou
antecipadamente o pedido, fundamentando-se no art. 355, inciso I, do Código de Processo
Civil, baseando-se exclusivamente na prova documental trazida aos autos.
Conforme preleciona Arruda Alvim, em sua obra Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed.: “O
julgamento antecipado da lide marca-se pela desnecessidade ou irrelevância da audiência para
produção de provas. Este entendimento vem claro na interpretação do novo § 2º do artigo 331
ao se referir à designação da audiência de instrução e julgamento se necessária. Esta
expressão, parece-nos, diz com a necessidade de produção de provas em audiência de
instrução e julgamento. Assim sendo, deve-se ter o julgamento antecipado da lide porque a
questão de mérito se resume na aplicação da lei ao caso concreto, já definido pela ausência de
qualquer controvérsia em torno dos fatos e, então, encontra aplicação a regra de que acerca do
direito não se faz prova, por força da aplicação do princípio iura novit curia (...), ou, então,
porque, apesar da existência de questões de fato que dependam de prova, essa prova não é
oral e nem há prova pericial a ser realizada em audiência de instrução, por ser exclusivamente
documental, por exemplo”.
O caráter alimentar dos benefícios previdenciários imprime ao processo em que são vindicados
a necessidade de serem facultados todos os meios de prova, não só a documental, a fim de
que a parte autora possa devidamente comprovar os fatos por ela alegados, ainda mais, em
casos, como nos autos, em que se sustenta a situação de trabalhador no campo.
A ausência de produção de prova testemunhal, devidamente requerida e necessária para o fim
declarado, acarreta violação ao princípio constitucional do contraditório e do devido processo
legal, tornando a sentença nula.
Nesse sentido tem decidido a 9.ª Turma (ApCiv 5896402-15.2019.4.03.9999 – Des. Fed.
Relatora Daldice Santana – Julgado em 15/12/2019 – Publicado em 19/12/2019; ApCiv
5635875-81.2019.4.03.9999 – Des. Fed. Relatora Vanessa Mello – Julgado em 26/02/2020 –
Intimação via sistema em 28/02/2020), sento também o entendimento majoritário nos demais
órgãos julgadores desta Corte (AC 5125838-52.2019.4.03.9999; Relatora: Des. Fed. INES
VIRGINIA, 7.ª Turma, v.u., DJE: 07/05/2019; AC 5610325-84.2019.4.03.9999, Relator: Des.
Fed. NELSON PORFIRIO, 10.ª Turma, v.u., DJE: 27/08/2019).
Com relação à realização de audiências no contexto de pandemia, em virtude da atual situação
excepcional de isolamento social, o Conselho Nacional de Justiça editou as Resoluções n.ºs
313,314 e 318/2020, "considerando:
- a declaração pública de pandemia em relação ao novo Coronavírus pela Organização Mundial
da Saúde – OMS, de 11 de março de 2020, assim como a Declaração de Emergência em
Saúde Pública de Importância Internacional da OMS, de 30 de janeiro de 2020;
- a natureza essencial da atividade jurisdicional e a necessidade de se assegurarem condições
para sua continuidade, compatibilizando-a com a preservação da saúde de magistrados,
agentes públicos, advogados e usuários em geral;
- a persistência da situação de emergência em saúde pública e a consequente necessidade de
prorrogação do Plantão Extraordinário do Judiciário instituído pela Resolução n.º 313, de 19 de
março de 2020;
- a necessidade de se uniformizar, nacionalmente, o funcionamento do Poder Judiciário em face
desse quadro excepcional e emergencial;
- a necessidade da retomada gradativa dos prazos processuais para o pleno atendimento dos
cidadãos, o que se mostra viável tecnicamente apenas para os processos eletrônicos diante da
realidade organizacional atual dos tribunais brasileiros e o regime de isolamento social imposto
pela OMS;
- o decidido pelo Conselho Nacional de Justiça nos autos da Consulta no 0002337-
88.2020.2.00.0000, que dispõe sobre a regulamentação da realização de sessões virtuais no
âmbito dos tribunais, turmas recursais e demais órgãos colegiados de cunho jurisdicional e
administrativo”.
As referidas normas estabeleceram que deverão ser adiados tão somente “os atos processuais
que eventualmente não puderem ser praticados pelo meio eletrônico ou virtual, por absoluta
impossibilidade técnica ou prática a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato,
devidamente justificada nos autos, e certificados pela serventia, após decisão fundamentada do
magistrado.” (§ 2.º do art. 3.º da Resolução-CNJ n.º 314/2020).
Em consonância com o § 2.º do art. 3.º da Resolução-CNJ n.º 314/2020, “para realização de
atos virtuais por meio de videoconferência está assegurada a utilização por todos juízos e
tribunais da ferramenta Cisco Webex, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça por
meio de seu sítio eletrônico na internet (www.cnj.jus.br/plataformavideoconfencia-nacional/), nos
termos do Termo de Cooperação Técnica n.º 007/2020, ou outra ferramenta equivalente, e
cujos arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados no andamento processual, com
acesso às partes e procuradores habilitados.”
Assim, o CNJ determinou que “as audiências em primeiro grau de jurisdição por meio de
videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas,
realizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de
responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de
partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para
participação em atos virtuais.” (§ 3.º do art. 3.º da Resolução-CNJ n.º 314/2020).
À luz das disposições normativas de regência, não se vislumbra óbice algum na realização da
audiência, eis que há expressa recomendação do Conselho Nacional de Justiça para que as
audiências de instrução sejam realizadas em ambiente virtual, nas plataformas disponíveis, sob
pena da paralisação desnecessária de inúmeros processos judiciais enquanto perdurarem as
políticas de isolamento social e não for possível realizar o ato presencialmente.
Ademais, audiências de instrução por videoconferência são realizadas com sucesso,
diuturnamente, durante a pandemia, pelos juízos das diversas áreas e segmentos do Poder
Judiciário, não tendo sido apontado,in casu, motivo de ordem objetiva impeditivo da sua
consecução.
Deve ser mantida, contudo, a tutela provisória de urgência, nos termos dos arts. 300, caput,
302, inciso I, 536, caput, e 537, todos do Código de Processo Civil, observando-se os efeitos do
decidido no âmbito do Recurso Especial n.° 1.734.685 – SP (2018/0082173-0), tendo em vista a
idade avançada da parte autora e o caráter alimentar do benefício.
Posto isso, de ofício, anulo a sentença proferida e determino o retorno dos autos à vara de
origem, para seu regular processamento, com a produção de prova testemunhal, julgando
prejudicada a apelação do INSS, mantida, contudo, a tutela provisória de urgência concedida.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO
RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OPORTUNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVA
TESTEMUNHAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Caracterizado o cerceamento de defesa, ante a retirada da oportunidade de colheita de
depoimentos das testemunhas, impõe-se de rigor a anulação da sentença.
- Apelação do INSS prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, anular a sentença proferida e determinar o retorno dos autos à
vara de origem, para seu regular processamento, com a produção de prova testemunhal,
julgando prejudicada a apelação do INSS, mantida, contudo, a tutela provisória de urgência
concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
