Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2297165 / SP
0007751-62.2018.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
10/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/06/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO
RURAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CALOR. FONTE NATURAL OU
ARTIFICIAL. HONORÁRIOS.
- A aposentadoria por tempo de contribuição integral, antes ou depois da EC/98, necessita da
comprovação de 35 anos de serviço, se homem, e 30 anos, se mulher, além do cumprimento da
carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do advento da
mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de
implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de
meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado art. 25, II. O
art. 4º, por sua vez, estabeleceu que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente deve ser
considerado como tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no regime geral da
previdência social (art. 55 da Lei 8213/91).
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- No caso, para comprovar sua atividade campesina, o autor trouxe aos autos sua CTPs, na
qual há diversos vínculos como trabalhador rural a partir de 11/11/1973 e até 15/01/2003.
Foram ouvidas duas testemunhas, que confirmaram a atividade ininterrupta como lavrador do
autor, desde criança e até completar 18 anos de idade, quando passou a trabalhar como
motorista.
- Analisando a CTPS do autor, verifica-se diversos vínculos de trabalho como trabalhador rural,
de 14/11/1973 a 15/01/2003. Em que pese a ausência de outros documentos, a quantidade de
vínculos como trabalhador rural, com pequenos intervalos entre eles, a ausência de indícios de
outra fonte de renda, corroborado pelas declarações das testemunhas, levam a crer que o autor
continuava exercendo atividade campesina, como diarista, nos períodos em que não era
registrado.
- Por outro lado, conforme acima fundamentado, para fins de aposentadoria por tempo de
contribuição, não é possível reconhecer a atividade rural sem registro, após o advento da Lei
8.213/1991 (24/07/1991), se não houver a comprovação de recolhimento de contribuições
previdenciárias, como foi o caso.
- Assim, neste caso, fica limitado o reconhecimento das atividades rurais sem registro do autor,
de 11/03/1972 a 24/07/1991 (excluídos os períodos anotados na CTPS e constantes do CNIS),
independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para efeito de
carência.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- O laudo técnico não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- O autor requer sejam reconhecidos como especial as atividade desempenhadas no campo,
mormente como colhedor de laranjas.
- Inicialmente, observa-se que, somente até 28.04.1995, o enquadramento como atividade
especial poderia ser feito com base na categoria profissional, não havendo necessidade de
produzir provas da exposição ao agente nocivo, havendo uma presunção da nocividade.
- Como é sabido, em regra, a atividade rural exercida na lavoura não justifica o enquadramento
na categoria profissional prevista no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64, o qual prevê a
especialidade das atividades desempenhadas pelos trabalhadores na agropecuária , ou seja,
pelos prestadores de serviço da agricultura e da pecuária, de forma simultânea.
- No caso, observa-se da CTPS do autor, que as atividades desempenhadas como trabalhador
rural se davam exclusivamente no setor agrícola, não sendo possível reconhecer sua
especialidade pela categoria.
- Extrai-se dos autos, também, as conclusões do laudo pericial judicial, realizado em empresa
similar, para atestar a especialidade das atividades do colhedor de laranja. A perícia foi
realizada na Fazenda Capim Verde, usada como paradigma, no município de Taquaral, na qual
as condições em que o autor trabalhava eram as mesmas das empresas em que trabalhou, eis
que se refere à mesma região e mesma atividade, sendo possível aproveitá-la para fins de
comprovação dos agentes nocivos que analisa.
- Revela o laudo técnico que na qualidade de trabalhador rural - colhedor de laranja, o autor
esteve exposto de forma habitual e permanente ao agente calor, na intensidade IBUTG de 27,8
a 31,4 ºC, sendo o máximo permitido, 25ºC.
- Com relação ao agente calor , destaca-se que a regulamentação sobre a nocividade do calor
sofreu alterações. O Decreto 53.831/64 (Código 1.1.1 do Quadro Anexo) reputava especial a
atividade desenvolvida em locais com temperatura acima de 28º C, provenientes de fontes
artificiais. Já o Decreto 2.172/97 (05.03.1997) estabelece que são considerados especiais os
"trabalhos com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15, da
Portaria no 3.214/78", sendo indiferente que o calor seja proveniente de fontes artificiais ou
naturais, uma vez não previu qualquer diferença de fonte.
- No caso, consoante laudo pericial judicial, na atividade desenvolvida pelo autor como colhedor
de laranja, havia exposição a calor de 27,8 a 31,4ºC IBUTG, que por ser oriunda de fonte
natural, somente pode ser reconhecida após 06/03/1997.
- Assim, com base na CTPS do autor, único documento comprobatório da função alegada, deve
ser reconhecida a especialidade do período de 15/07/2002 a 15/01/2003 (06 meses e 04 dias),,
devendo tal período especial ser convertido em tempo comum, pelo fator 1,40, proporcionando
um acréscimo na contagem do tempo de contribuição de 02 meses e 14 dias.
- Determina-se que o INSS proceda o enquadramento do período doravante reconhecido como
especial nos registros previdenciários competentes.
- Somando-se os períodos de trabalho reconhecidos administrativamente com os reconhecidos
judicialmente (rural e especial), chega-se a um tempo total de contribuição de 29 anos, 03
meses e 18 dias, em 27/02/2012, insuficientes, portanto, para a concessão do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição.
- Diante do parcial provimento do recurso do autor, com o reconhecimento parcial do trabalho
rural e em condições especiais executados, a hipótese dos autos é de sucumbência recíproca,
motivo pelo qual as despesas processuais devem ser proporcionalmente distribuídas entre as
partes, na forma do artigo 86, do CPC/15, não havendo como se compensar as verbas
honorárias, por se tratar de verbas de titularidade dos advogados e não da parte (artigo 85, §
14, do CPC/15). Por tais razões, com base no artigo 85, §§2° e 3°, do CPC/15, condeno a parte
autora ao pagamento de honorários advocatícios aos patronos do INSS, que fixo em 10% do
valor atualizado da causa, considerando que não se trata de causa de grande complexidade,
mas sim repetitiva, o que facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo
exigido para o seu serviço. Suspendo, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, §
3º, do CPC/2015, por ser a parte autora beneficiária da Justiça Gratuita. Por outro lado, vencido
o INSS no que tange ao reconhecimento de parte do tempo de atividade rural e especial, a ele
incumbe o pagamento de honorários advocatícios no particular, que fixo, da mesma forma, em
10% do valor atualizado da causa.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao
recurso interposto pela parte autora, para reconhecer a atividade rural sem registro exercida no
período de 11/03/1972 a 24/07/1991 (excluídos os períodos anotados na CTPS e constantes do
CNIS), exceto para efeito de carência, bem como a natureza especial da atividade
desempenhada no período de 15/07/2002 a 15/01/2003, e fixar a sucumbência recíproca, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
