Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2313665 / SP
0022657-57.2018.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO
RURAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. HONORÁRIOS RECURSAIS.
- A aposentadoria por tempo de contribuição integral, antes ou depois da EC/98, necessita da
comprovação de 35 anos de serviço, se homem, e 30 anos, se mulher, além do cumprimento da
carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do advento da
mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de
implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de
meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado art. 25, II. O
art. 4º, por sua vez, estabeleceu que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente deve ser
considerado como tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no regime geral da
previdência social (art. 55 da Lei 8213/91).
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- No caso, pelas provas produzidas, somente é possível reconhecer a atividade rural para o ano
de 1984.
- Embora as testemunhas arroladas tenham afirmado que o autor trabalhou na roça desde
1970, ou 1979 ou 1981, os documentos comprobatórios do período anterior ao primeiro vínculo
anotado em sua CTPS necessitam de complementação. Considerando que o período que se
pretende reconhecer ocorreu quando o autor era ainda criança ou adolescente, deveria ter sido
colacionados outros documentos em nome próprio ou em nome de seus familiares, capazes de
comprovar a atividade rural de sua família, ou pelo menos que viviam na zona rural, e assim
presumir que o autor trabalhava na companhia de seus pais.Assim, diante da escassez de
prova documental, as declarações das testemunhas não são suficientes para comprovar o
tempo pretérito pretendido, podendo as provas serem aproveitadas somente para o ano de
1984.
- Dessa forma, deve ser reconhecida a atividade exercida como trabalhador rural pelo autor,
apenas no período de 01/01/1984 a 30/05/1984 (05 meses), independentemente do
recolhimento de contribuições previdenciárias, devendo ser considerada como tempo de
contribuição, nos termos da sentença, não podendo tal período ser computado para efeito de
carência, nos termos do art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991.
- E para o período não reconhecido, de 01/01/1978 a 31/12/1983, adota-se o entendimento
consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos,
conforme art. 543-C, do CPC/1973, no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz
a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido
do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC ),
propiciando ao autor intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários (REsp
1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL , julgado em
16/12/2015, DJe 28/04/2016).
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- O laudo técnico não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- Constando da perícia que o segurado ficava exposto a agente nocivo, seja pela simples
presença do agente no ambiente , ou porque estava acima do limite de tolerância, deve-se
concluir que tal exposição era, nos termos do artigo 65, do RPS - Regulamento da Previdência
Social, habitual, não ocasional nem intermitente e indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
- A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Considerando tal
evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
- No que diz respeito à oscilação de ruído, vale observar que, nos termos do entendimento
pacificado por esta C. Turma, em se tratando de ruído de intensidade variável, a média não
pode ser aferida aritmeticamente, uma vez que a pressão sonora maior no setor acaba por
encobrir a menor, não sendo de se supor, em detrimento do segurado, que o menor nível de
ruído prevalecia no ambiente, em termos de duração, em relação ao maior (TRF3ª Região; AC
2011.61.83.005763-7/SP; Des. Fed. Paulo Domingues; DJ 24/09/2018; TRF3ª Região, AC
2011.61.04.004900-0/SP, Rel. Des. Federal Toru Yamamoto, DE 09/04/2018; TRF3ª Região,
Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 11/03/2019).
- Observa-se, também, que como não há prova de que uso de EPI porventura eficazmente
fornecido, tenha sido capaz de neutralizar os agentes nocivos em comento, remanesce a
responsabilidade pela fiscalização de tais dados ao INSS, não havendo que se falar em
ausência de fonte de custeio em prejuízo do segurado, pelo fato de o empregador não
reconhecer a especialidade da atividade de seu empregado.
- Por fim, no tocante ao fato de ter sido realiza perícia por similaridade entre duas das empresas
periciadas, observo que, nos termos dos PPP's fornecidos por ambas as empresas, o autor
executava a mesma função, desempenhava a mesma atividade, operava o mesmo tipo de
ferramenta e as empresas possuíam, praticamente, o mesmo endereço, conforme se observa
da CTPS juntada aos autos, sendo dois dos PPP's assinados pelo mesmo responsável, motivo
pelo qual não há porque não aceitar as conclusões do expert.
- Observa-se que para todos os períodos analisados na perícia judicial e reconhecidos na
sentença, o autor trabalhou exposto, de forma habitual e permanente, a ruído acima do limite de
tolerância, e a agentes químicos maléficos à saúde (Hidrocarboneto - óleo e graxa), que por ser
qualitativo, independe da intensidade, o que torna legítimo o reconhecimento como especial,
dos períodos reclamados, nos termos da sentença.
- Em resumo, deve ser reconhecida a natureza especial das atividades desempenhadas pelo
autor nos períodos de 14.11.1985 a 02.12.1988, 12.07.1989 a 05.06.1990, 12.07.1990 a
22.09.1994, 01.06.1995 a 19.12.1995,02.01.1996 a 04.03.2004, 21.06.2004 a 03.01.2005,
04.01.2005 a 30.06.2009 e de 01.03.2010 a 30.01.2012 (23 anos, 09 meses 29 dias), as quais
devem ser convertidas em tempo comum, pelo fator 1,40 (acréscimo de 09 anos, 6 meses e 8
dias), e devem ser averbadas nos registros previdenciários competentes pelo INSS.
- Considerando o tempo de serviço rural doravante reconhecido (05 meses), os acréscimos
decorrentes do tempo especial reconhecido e convertido em tempo comum (09 anos, 06 meses
e 08 dias), e o tempo de serviço reconhecido administrativamente (25 anos, 05 meses e 12
dias), verifica-se que o autor, possuía, na data do requerimento administrativo (13/02/2012), 35
anos, 04 meses e 20 dias de atividade laborativa e mais de 180 meses de carência, fazendo
jus, portanto, ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER.
- Vencido o INSS na maior parte, a ele incumbe o pagamento das verbas de sucumbência,
respeitadas as isenções legais. Fixo os honorários em 12% do valor das prestações vencidas
até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), neste percentual já computado os acréscimos
decorrentes dos honorários recursais instituídos pelo CPC/2015, em seu art. 85, § 11.
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018
pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a
modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à
definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de
liquidação do julgado. E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp
repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária,
não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado. Dessa forma,
se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela
deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los,
inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de
repercussão geral.
- Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada
em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E..
- Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora parcialmente provida. Benefício
concedido.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a
sentença por ofensa ao artigo 492 do CPC/2015, e, conforme o artigo 1.013, § 3º, II, do
CPC/2015, negar provimento ao recurso interposto pelo INSS, dar parcial provimento ao
recurso interposto pelo autor, para reconhecer a atividade rural sem registro no período de
01/01/1984 a 30/05/1984, exceto para efeito de carência, e para lhe conceder o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo,
condenando o réu aos ônus da sucumbência. Ainda de ofício, julgar extinto o processo sem
resolução do mérito, com relação aos períodos de atividade rural não reconhecidos, de
01/01/1978 a 31/12/1983, conforme o art. 485, IV, do CPC/2015, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.