Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2286078 / SP
0042593-05.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
08/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/04/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO
RURAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. TRABALHO NA LAVOURA DA CANA-DE-
AÇÚCAR. TRATORISTA. EXPOSIÇÃO AOS AGENTES RUÍDO E HIDROCARBONETOS.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO MANTIDA. CRITÉRIO DA CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
- Recebida a apelação interposta pelo INSS, já que manejada tempestivamente, conforme
certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de
Processo Civil/2015.
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- Embora a testemunha arrolada tenha afirmado que o autor trabalha na roça desde criança,
não há quaisquer documentos comprobatórios do período anterior ao seu primeiro registro em
CTPS e casamento (nos anos de 1982 e 1984), em nome próprio ou em nome de seus
familiares, capazes de comprovar a atividade rural dele e/ou de sua família, e assim presumir
que o autor trabalhava em regime de economia familiar. Anteriormetne a esta data, porém,
presume-se que o autor manteve sua condição de lavrador, até 20.08.1980, quando seu pai
ainda mantinha vínculo de lavrador na Fazenda Engenho. Dessa forma, reconhecida a atividade
rural, sem registro, desenvolvida pelo autor, no período de 10/10/1976 a 20/08/1980,
independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, não podendo tal período
ser computado para efeito de carência, nos termos do art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- O laudo técnico/PPP não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- Embora a perícia técnica judicial tenha se pronunciado quanto a períodos não requeridos e
não citados na decisão que deferiu a sua produção, as conclusões do perito quanto aos
períodos remanescentes (01.11.1989 a 04.03.1997, 03.05.2004 a 09.03.2006 e 17.01.2007 a
31.10.2009) não foram consideradas na prolação da sentença, como bem asseverou o Juiz
sentenciante, motivo pelo qual rechaço a alegação autárquica da nulidade do laudo. O laudo
técnico somente será apreciado quanto aos períodos para os quais a perícia foi designada:
02.08.1982 a 15.04.1985 e 27.04.1987 a 14.04.1988. Ademais, não há que se falar na nulidade
da perícia técnica em razão de sua realização indireta, em empresa similar, uma vez que o
segurado não pode ser prejudicado pelo fato da empresa não mais se encontrar ativa.
Precedente.
- Com efeito, até 28.04.1995, o enquadramento como atividade especial poderia ser feito com
base na categoria profissional, não havendo necessidade de produzir provas da exposição ao
agente nocivo, havendo uma presunção da nocividade.
- A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Considerando tal
evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
- Consoante PPP, nos períodos de 17.05.1982 a 25.05.1982 e 10.05.1985 a 24.04.1987, autor
laborava no cultivo da cana-de-açúcar, tanto no plantio, como no corte, da Companhia Agrícola
Quata (Incorporadora da Cia. Agrícola Zillo Lorenzetti).
- O laudo técnico judicial assinala que nos períodos de 02.08.1982 a 15.04.1985 e 27.04.1987 a
14.04.1988 trabalhou na Comercial e Prestadora de Serviço São José e São José Sul Paulista
S/C, na lavoura da cana-de-açúcar. Em razão das empresas se encontrarem inativas, a perícia
foi realizada por similaridade, na empresa Zillo Lorenzetti. Suas atividades consistiam em carpir,
roçar, colher, plantar, matar formigas, aplicar defensivos agrícolas de uso geral, além de se
envolver nos trabalhos gerais da colheita e todos os demais trabalhos no campo. Na safra (8
meses), realizava operações agrícolas manuais do corte de cana queimada. Na entressafra (4
meses), realizava operações agrícolas manuais como aplicação de defensivos agrícolas. Além
das atividades insalubres, estava exposto na entressafra aos agentes químicos fosforados ou
organofosforados (Round Up, Clorpirifós, Coumafós, Diazinon, DDVP, Fenitrotion, Fenthion,
Supona e Metrifonato) e aos clorados e organoclorados (DDT, BHC, Aldrin, Endossulfan). No
período de safra, esteve exposto de forma habitual e permanente a fuligem da palha de caba
queimada, que tem em sua composição química o hidrocarboneto policíclico aromático
prejudicial à saúde.
- Os trabalhadores rurais dedicados ao cultivo e corte de cana-de-açúcar e empregados
agroindustriais exercem atividades ostensivamente insalubres, dada às peculiaridades das
tarefas (grandes esforços físicos, uso em grande escala de defensivos agrícolas, etc.), o que
permite o enquadramento como insalubre no código 2.2.1 do anexo ao Decreto 53.841/64.
Nesse sentido, precedentes desta Corte. Ademais, os agentes químicos a que esteve exposto
também são considerados insalubres, o que também permite o enquadramento nos itens 1.2.6
e 1.2.11 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
- Consoante PPP à fl. 28, no período de 01.11.1989 a 28.04.1995, o autor exerceu a atividade
de tratorista da Açucareira Zillo Lorenzetti, enquadrando-se, assim, como especial no Código
2.4.4 do Decreto 53.831/64 e no Código 2.4.2 do Decreto 83.080/79, por ser esta atividade
equiparada a de motorista.
- Em razão da exposição ao agente nocivo ruído, em intensidades superiores às admitidas
como intolerantes às épocas, devem ser reconhecidos como especiais os períodos de
01.11.1989 a 31.05.1996 (92,1 e 91,4 dB), 01.06.1996 a 05.03.1997 (82,7 dB), 03.05.2004 a
09.03.2006 (88,4 dB) e 17.01.2007 a 31.10.2009 (85,2 dB), com enquadramento nos itens
1.1.5, 1.1.6 e 2.0.1 dos Decretos 53.831/64, 83.030/79, 2.172/97 e 4882/03.
- O período de 17.01.2007 a 31.10.2009, o autor também esteve exposto aos agentes químicos;
defensivo agrícola solupan, óleo lubrificante, graxa e outros agrotóxicos, na atividade de
motorista do transporte de cana-de-açúcar, acondicionando e também descarregando a carga.
Portanto, o período também deve ser averbado como especial, em razão do enquadramento
nos itens 1.0.2, 1.0.17 e 1.0.19 dos Decretos 2.172/97, 3.048/98 e 4.882/03.
- Reconhecidos como especiais os períodos de 17/05/1982 a 25/05/1982, 02/08/1982 a
15/04/1985, 10/05/1985 a 24/04/1987, 27/04/1987 a 14/04/1988, 01/11/1989 a 31/05/1996,
01/06/1996 a 05/03/1997, 03/05/2004 a 09/03/2006 e 17/01/2007 a 31/10/2009.
- Somados os períodos especiais de labor, convertidos em tempo comum pelo fator 1,40,
acrescidos dos períodos comuns e tempo reconhecido de labor rural, perfaz o autor até a data
do requerimento administrativo, 14.07.2016, 43 anos, 6 meses e 15 dias de tempo de serviço,
fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação, à míngua de irresignação
autárquica.
- Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, que devem ser
mantidos no patamar de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença
(Súmula nº 111/STJ), eis que de acordo com a moderada complexidade das questões e
consenso deste Colegiado.
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até
porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de
declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de
eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do
IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o
INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto
com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de
critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do
julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem
observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao
entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral. Assim, para o cálculo dos juros
de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os
índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça
Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009,
considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio
STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice
de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei
9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo
o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL
PROVIMENTO ao recurso de apelação do INSS, apenas para declarar como comuns os
períodos de 19.04.1988 a 01.11.1988 e 06.03.1997 a 26.11.2003 e estabelecer, de ofício, os
critérios de cálculo da correção monetária e juros de mora, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
