Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000087-43.2020.4.03.6334
Relator(a)
Juiz Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR
Órgão Julgador
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
01/09/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 12/09/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA RURAL – COMPROVAÇÃO INSUFICIENTE
BENEFÍCIO INDEVIDO – RECURSO PROVIDO – BENEFÍCIO REVOGADO
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
6ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000087-43.2020.4.03.6334
RELATOR:17º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: CLEUZA AZEVEDO DA SILVA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogado do(a) RECORRIDO: MARIA ROSANGELA DE CAMPOS - SP283780-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000087-43.2020.4.03.6334
RELATOR:17º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: CLEUZA AZEVEDO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRIDO: MARIA ROSANGELA DE CAMPOS - SP283780-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte ré em face de sentença que julgou parcialmente
procedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
É o relatório
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000087-43.2020.4.03.6334
RELATOR:17º Juiz Federal da 6ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: CLEUZA AZEVEDO DA SILVA
Advogado do(a) RECORRIDO: MARIA ROSANGELA DE CAMPOS - SP283780-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A r. decisão atacada foi lavrada nos seguintes termos:
(...)
Pretende a parte autora o reconhecimento do período de labor rural, de 15/10/1974 a
31/05/2002 e de 02/07/2002 a 28/10/2019.
Sustenta que nasceu em Salinas, MG, é filha de agricultores e, desde criança, auxiliava os pais
nas lavouras de algodão (raleação, capina, enfardamento, colheita, etc), amendoim (capina,
arranquio), milho (capina, colheita). Também cultivava lavouras de subsistência: arroz, feijão,
hortaliças, abóbora, quiabo e criavam frangos e porcos. Posteriormente, mudou-se para o
município de Paraguaçu Paulista, onde trabalhava principalmente com lavoura de algodão,
arroz, milho e feijão, desde a formação da cultura até a colheita, principalmente para João
Ricardo – Bairro São Matheus, Nelsinho Bueno – Gardênia e Sebastião Nelico – Bairro
Sapesal, sempre na função de diarista ou meeira. Anteriormente ao casamento, toda a família
mudou-se para a Fazenda Santa Rosa, localizada na cidade de Porecatu, PR, tendo lá
permanecido por um ano, onde todos trabalhavam com lavouras de café e cana-de-açúcar.
Acrescenta que, com 19 anos, casou-se com o lavrador Milton Olímpio da Silva, em 15/10/1974,
no Estado do Paraná e, no dia seguinte após o casamento, retornou para o município de
Paraguaçu Paulista, onde estabeleceu residência, trabalhando como boia-fria para vários
produtores. Em 2002, o esposo da autora passou a trabalhar com tapeçaria. Nesse ano,
afastou-se das lides campesinas e dedicou-se à costura, reformas de roupas e tapeçaria, mas a
empresa não prosperou a autora retornou para as lides campesinas. Em 2003, o esposo da
autora ocupou uma área de terras no Bairro São Matheus – Acampamento São Matheus, em
Paraguaçu Paulista, onde era líder do movimento MST; nesse local, realizou cultivos de
subsistência e diárias na função de boia-fria para alguns arrendatários próximo ao
acampamento (capina, limpeza de pastos, etc). Em 2008, a autora também participou do
Assentamento, em Cardoso de Almeida, município de Paraguaçu Paulista, onde dedicou-se à
agricultura de subsistência, passou a fazer parte do quadro de associados e veio juntamente
com a maioria dos assentados, para uma área localizada na zona de expansão urbana na
cidade de Paraguaçu Paulista, onde cultivavam hortaliças para subsistência, comercializando-
as através da ALAAF – Associação Latino Americana da Agricultura Familiar para o PAA –
Programa de Aquisição de Alimentos e vendas em domicílio.
Afirma a autora, ainda, que arrendou uma pequena área de 600 m2, também na área de
expansão urbana, para cultivo de hortaliças visando a subsistência e comercialização junto ao
programa de Aquisição de Alimentos. Após, juntamente com sua irmã Nilzete e seu cunhado
Norival iniciaram atividades campesinas em uma área de aproximadamente 2.42 hectares, no
Sítio São Matheus. Nesse local, por um período de aproximadamente 04 anos (2014 a 2017)
criavam galinhas (carne e ovos) e porcos e também hortaliças, mandioca, milho, quiabo,
abóbora, feijão de corda, para sobrevivência
Para comprovar o labor rural, junto documentos, dentre os quais destaco:
(i)Certidão de casamento realizado em 15/10/1974, onde consta a profissão do esposo Milton
Olímpio da Silva como lavrador, e a da autora como doméstica (ff. 23, ID nº 64205490);
(ii)Certidão de casamento com averbação de divórcio, em razão da sentença proferida nos
autos nº 004516-54.2015.8.26.0417, transitada em julgado aos 31/07/2015 (ff. 24, ID nº
64205490);
(iii)Controle de entrega de cestas de alimentos MST – São Matheus, em nome de Milton
Olimpio da Silva – Líder do movimento sem Terra desde 2003, esposo da autora, com a
indicação de se tratar da 6ª entrega de 2011 (ff. 25/26, ID nº 64205490);
(iv)Declaração de Aptidão ao Pronaf, em nome da autora, estado civil declarado “outros”,
número de pessoas da família residentes 01, com endereço na Rua Northon Welfort Thimoteo,
em Paraguaçu Paulista, datada de 12/07/2012 (ff. 27, ID nº 64205490);
(v)Contrato de locação, constando como locatário Milton Olímpio da Silva, lavrador, residente
na Chácara Esperança, em Paraguaçu Paulista, período de contrato de 08/11/2013 a
08/11/2014 (ff. 28/29, ID nº 64205490);
(vi)Carteira do Sindicato dos Trabalhadores e Empregados Rurais de Paraguaçu Paulista, em
nome de Milton Olímpio da Silva, admitido em 12/02/2014, como sócio produtor, profissão
produtor rural (ff. 29, ID nº 64205490);
(vii)Lista de presença da ALAAF –Associação Latina Americana da agricultura Familiar (ff.
31/32, ID nº 64205490);
(viii)comandas em nome da autora, datadas de 2015, 2016, 2017 e 2020, indicando a aquisição
de quantidade ínfima de sementes, a nota de maior valor no total de R$7,20, com carimbo da
empresa “Super Útil – Casa de Rações e artigos para Pets” (ff. 33/34, ID nº 64205490);
(ix)comprovante de concessão, à Milton Olímpio da Silva, de aposentadoria por idade, em
25/03/2014.
Em audiência, foram ouvidas a autora e as testemunhas arroladas.
Cleuza Pereira de Azevedo contou que nasceu em Salinas-MG. Aos doze anos idade, morava
no Estado do Paraná, em Porecatu. Morava dentro da lavoura de cana de açúcar. Família toda
trabalhava na lavoura de cana de açúcar de uma usina chamada Rio Vermelho. Estudou por
poucos anos. Plantava cana, cortava cana, milho, algodão.Começou a trabalhar aos sete anos
na companhia do pai dela.Permaneceu nesse lugar até os dezoito anos.Depois, foi morar em
Paraguaçu Paulista, ainda na zona rural. Na companhia do marido, trabalhou em
Gardênia.Eram meeiros de lavoura.Trabalhou mais ou menos um ano em Gardênia por volta de
1974/1975. Não trabalhou mais desde os anos 70. Passou a viver de ajuda. Marido foi produtor
rural empresário.
Maurício Rodrigues, testemunha ouvida, contou que conhece Cleuza desde os anos 80. Ela
trabalhava como diarista (“boia-fria”) em lavouras de algodão e outras. Trabalhava sozinha.
Cleuza continuou a trabalhar nessas condições até tempo recente (até 2001). Dentre as
propriedades nas quais ela trabalhou, está a propriedade de Jorge Moreira. Cleuza atuava na
manutenção da horta e criação de animais. Maurício é vizinho da parte autora.Esposo não
prestava assistência a Cleuza, que trabalhava sozinha nas atividades rurais. Dona Cleuza está
separada do marido há trinta anos. Tem três filhos. Filhos também atuavam na roça com a mãe.
Márcio Roberto Conceição da Oliveiraconheceu Cleuza em2003num acampamento montado
em Paraguaçu Paulista. Cleuza morou nesse acampamento. Os participantes do acampamento
cultivavam alimentos à beira da linha do trem e os revendiam. Trabalhavam também para
terceiros em atividades rurais. Em 2010, o acampamento foi desfeito. Cleuza foi associada à
Associação de Produtores Rurais.Dona Cleuza atuou na produção de alimentos por meio da
associação até 2015. Os itens alimentícios incluíram frutas, legumes e verduras diversos.Dona
Cleuza é casada, mas marido nunca a ajudou,nem com ela trabalhou. Mora em Paraguaçu
Paulista e tem união com outra mulher.Quem participava da associação de produtores era dona
Cleuza.
José Norival da Silva José é marido da irmã de Cleuza e foi ouvido como informante. Cleuza
morava em Paraguaçu Paulista quando José a conheceu. Depois, residiu no Paraná e retornou
a Paraguaçu. Cleuza trabalhou para Jorge Moreira, na Fazenda São Mateus. Trabalhou
também em Gardênia-SP. Cleuza foi “boia-fria”. Marido trabalhou com Cleuza na lavoura por
algum tempo.
De início, ressalto que o processo administrativo juntado pelo INSS no ID nº 64205981 diz
respeito a terceiro estranho à lide – Sra. Ildete Alves da Silva.
O benefício buscado pela autor tem por fundamento o princípio constitucional da uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conforme artigo 194, §
único, I, da CF. Essa matriz principiológica veio a reparar uma discriminação que atingia o
trabalhador rural que atuava quer na condição de empregado rural, quer na de segurado
especial, isso porque a condição especial a que estavam submetidos implicava em difíceis
condições financeiras porque, segundo o disposto no artigo 11, § 1º, da Lei 8.213/91, o trabalho
dos membros da família era indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento do
núcleo familiar, daí porque não possuem nem sequer condições para recolherem contribuições
previdenciárias.
Não é por outro motivo que o artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/91 assegura a esse de trabalhador
rural o benefício no patamar de um salário mínimo justamente para lhe permitir condições
mínimas de dignidade na vida, ou seja, o benefício almejado pela autora é um instrumento de
integração social àquele que, vítima de uma sociedade discriminatória e sem proteção
previdenciária até 1991, vem a ser reconhecido como tal e a obter benefício como mecanismo
de sobrevivência.
Esse benefício tem um verdadeiro caráter assistencial, notadamente porque dispensa
contribuição justamente por entender que as pessoas que dele precisam não possuem
condições mínimas de contribuição ao RGPS.
A prova oral foi consistente acerca do labor rural da autora. Contudo, foi contraditória com o
próprio depoimento pessoal da autora, que parecia confusa, pois, apesar de afirmar na inicial
que trabalhou na lida rural desde 1974 até os dias atuais, ouvida em audiência contou que
trabalhou mais ou menos um ano em Gardênia por volta de 1974/1975 e não trabalhou mais
desde os anos 70, época em que passou a viver de ajuda.
A prova documental, em especial a certidão de casamento, contraído em 15/10/1974,
demonstra que seu cônjuge Milton Olímpio da Silva era lavrador à época. De 1975 a 2010 não
há nos autos uma única prova documental em nome da autora, comprobatória do labor rural
pretendido. Trinta e cinco anos sem qualquer documento. A autora não trouxe aos autos as
certidões de nascimento dos filhos, contratos de locação/comodato/arrendamento, CTPS, bloco
de notas de produção rural, entre outros.
Conforme averbação na certidão de casamento, por sentença transitada em julgado em
31/07/2015, a autora divorciou-se de seu cônjuge Milton Olímpio da Silva. Nos termos da oitiva
da testemunha Maurício Rodrigues, a autora estava separada do marido havia 30 anos (e no
mesmo sentido o depoimento de Márcio Roberto Conceição, ao afirmar que a autora nunca
recebeu ajuda da cônjuge, que ela participava sozinha da associação de produtores), de modo
que os documentos em nome do cônjuge não são extensíveis à autora.
Por oportuno, o extrato previdenciário de Milton Olímpio, que segue anexo a presente,
demonstra o exercício de atividade urbanadesde 11/05/1976, para diversos empregadores, com
a concessão da aposentadoria por idade em 25/03/2014; o CNIS da autora, por sua vez,
demonstra que em 01/06/2002 ela fora contratadapor Milton Olímpio da Silva Paraguaçu
Paulista, CNPJ nº 00.606.499/0001-85, na condição de empregada, sem data fim do contrato
de trabalho.
As faturas comprovando a aquisição de sementes na Casa de Rações e artigos para Pets
“Super Útil”, datadas de 2015, 2016, 2017 e 2020, apenas evidenciam a aquisição de
quantidade ínfima de sementes (nos valores de R$2,00, R$1,50, R$4,00, etc), mas não servem
de prova do efetivo labor rural da autora.
A Declaração de Aptidão ao Pronaf, em nome da autora, datada de 12/07/2012; a lista de
presença da ALAAF – Associação Latino Americana de Agricultura Familiar para o PAA –
Programa de Aquisição de Alimentos e vendas em domicílio, datada de 13/06/2014; e a lista de
controle de entrega de cestas de alimentos – programa CONAB, datada de 2011, constando o
nome da autora entre as famílias beneficiadas, constituem início de prova documental
contemporânea do labor rural da autora, documentos que, aliados à prova oral produzida,
permitem concluir pelo labor rural da autora no período de 01/01/2011 (documento relativo à
entrega de cestas de alimentos para os assentados do acampamento São Matheus) até
31/12/2014 (último dia do ano do documento juntado em nome da autora, datado de
13/06/2014, confirmando a participação na Associação de Produtores Rurais).
Dessa forma, as provas produzidas nos autos permitem concluir pela exercício do labor rural no
período de 15/10/1974 a 31/12/1974 e de 01/01/2011 a 31/12/2014.
Na via administrativa, somente foi reconhecido o labor urbano pelo período de um mês. O
tempo reconhecido nesta sentença, aliado ao período constante do CNIS não perfaz tempo
suficiente à aposentadoria, seja por tempo de contribuição, seja por idade híbrida. Cabe, tão
somente, a averbação do período rural de 15/10/1974 a 31/12/1974 e de 01/01/2011 a
31/12/2014.
3. DISPOSITIVO
Ante do exposto,conhecidos os pedidos formulados por Cleuza Azevedo da Silva [Cleuza
Pereira de Azevedo (nome que voltou a usar após o divórcio) – CPF nº 346.047.988-42] em
face do INSS,julgo-os parcialmente procedentese extingo o feito com resolução do mérito, nos
termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS aaverbar,
como tempo comum, o período de labor rural de 15/10/1974 a 31/12/1974 e de 01/01/2011 a
31/12/2014, o qual deverá ser computado para todos os fins, exceto contagem recíproca e
carência para benefício por tempo de contribuição. Julgo improcedente o pedido de jubilação.
Sem custas processuais nem honorários advocatícios (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95, c/c art.
1º da Lei nº 10.259/01).
(...)
Desse modo, discute-se o atendimento aos requisitos exigidos para a contagem de tempo de
atividade rurícola para fins de concessão de aposentadoria por idade/tempo de contribuição.
A Lei 8.213, de 24/07/1991 classifica os trabalhadores rurais em três categorias, a saber:
empregados rurais, aqueles que prestam serviços de natureza rural a empresa ou pessoa
física, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante a remuneração (art. 11,
inciso I, alínea “a”)
contribuintes individuais (art. 11, inciso V, alínea “g”), aqueles que prestam serviço em caráter
eventual, a uma ou mais empresas ou pessoas sem relação de emprego, mediante
remuneração específica, por dia ou por tarefa, e também a pessoa física, proprietária ou não,
que explora atividade agropecuária em área superior a quatro módulos fiscais ou em área
menor com auxílio de empregados ou através de prepostos (produtor/empregador rural);
c) segurados especiais (art. 11, inciso VII), aqueles que exercem atividade rural em regime de
economia familiar. Nos termos do artigo 11, parágrafo 1º da lei 8.213/91, entende-se como
regime rurícola de economia familiar “a atividade em que o trabalho dos membros da família é
indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e
é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
empregados permanentes”.
Acerca dessa classificação, vale lembrar que, ao firmar a Súmula 578, o Superior Tribunal de
Justiça entendeu que os empregados que laboram no cultivo da cana-de-açúcar para empresa
agroindustrial ligada ao setor sucroalcooleiro detêm a qualidade de rurícola (Súmula 578,
Primeira Sessão, julgado em 22/06/2016, DJe 27/06/2016).
Quanto à comprovação da atividade rural, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ser
imprescindível o início de prova material, não sendo possível fazê-lo exclusivamente mediante
prova testemunhal. A esse respeito, confira-se a Súmula 149:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade de rurícola, para
efeito de obtenção de benefício previdenciário”.
A prova documental tem o condão de oferecer suporte ao alegado pelo autor, bem como
corroborar os depoimentos orais. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização (TNU)
entende que, “para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de
prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício” (Súmula 14),
muito embora deva ser contemporâneo à época dos fatos a provar (Súmula 34). Acerca da
mesma questão, o Superior Tribunal de Justiça entende que é possível reconhecer o tempo de
serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em
convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório. (Súmula 577, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 22/06/2016, DJe 27/06/2016)
Assim, ainda que a prova material não necessite se referir, especificamente, a cada um dos
autos do trabalho rural, ela deve ser contemporânea aos fatos. Logo, declarações de antigos
empregadores, sindicatos, proprietários de fazenda e outros, atestando o trabalho rural em
época não contemporânea ao período em questão, não se caracterizam como início de prova
material, mas, no máximo, simples prova testemunhal.
Admite-se, também, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro. Nesse
sentido, confira-se:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO.APOSENTADORIAPOR IDADE. RURÍCOLA.
DOCUMENTO NOVO RELATIVO AOCÔNJUGE.ATIVIDADE LUCRATIVA ORGANIZADA.
PRODUTORRURAL.NÃO ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE SEGURADO ESPECIAL
DADO PELO ART. 11, VII, DA LEI 8.213/91. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A Terceira Seção
deste Superior Tribunal já se manifestou, em diversos julgados sobre a matéria, no sentido de
abrandar o rigorismo legal na reapreciação de documentos novos, em virtude das
peculiaridades dos trabalhadoresrurais.Assim, já se aceitou como início suficiente de prova
material a certidão de casamento da parte em que o seucônjugefigura comolavrador,uma vez
que a condição de rurícola da mulher funciona como extensão da qualidade de segurado
especial do marido. Se o marido desempenhava trabalho no meiorural,em regime de economia
domiciliar, há a presunção de que a mulher também o fez, em razão das características da
atividade - trabalho em família, em prol de sua subsistência 2. No entanto, se tais documentos
comprovam que o marido da autora exerceu atividade lucrativa organizada, resta
descaracterizado o regime de subsistência dos segurados especiais. 3. À falta de outro
documento relativo às atividades da autora, inexiste o início de prova material a corroborar a
prova testemunhal, devendo subsistir a observância do disposto na Súmula 147 do STJ. 4.
Ação rescisória improcedente. (STJ, AR 200001191705; AR - AÇÃO RESCISÓRIA – 1411, Rel.
Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA: 22/03/2010).
Essa extensão, entretanto, não abrange casos em que se pretenda utilizar a CTPS de um
cônjuge para comprovar labor rurícola do outro. Isso porque a carteira trabalhista registra um
vínculo personalíssimo, e não se presta a indicar a ocorrência de trabalho em regime de
economia familiar, em prol da subsistência.
Por sua vez, para a aposentaria por idade rural é preciso que, no momento em que segurado
especial requeira este benefício, ele esteja laborando no campo, ressalvada a hipótese de
direito adquirido, quando, embora sem ter requerido a citada aposentadoria,o requerente
preencheu, de forma concomitante ambos os requisitos, o da carência e o da idade (REsp
1354908/SP, Rel. Mauro Campbell Marques, DJE 10/02/2016).
Por fim, relativamente ao trabalho dos menores de 16 anos, a Súmula 5 da Turma Nacional de
Uniformização (TNU) firmou o entendimento que “a prestação de serviço rural por menor de 12
a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode
ser reconhecida para fins previdenciários”.
No caso em apreço, o INSS alega que “o período de 2011 a 2014 não pode ser computado
como trabalho rural da autora, eis que o marido da autora era empresário no período, no ramo
de comércio varejista de móveis”. Aduz, também, que “o marido da autora sempre foi do ramo
empresarial e não rural” e que “no ano de 1995 abriu a empresa de móveis, permanecendo
ativa até 2018”. Juntou documentos da Receita Federal a comprovar tais alegações.
A esse respeito, consoante a súmula 41 da TNU, “a circunstância de um dos integrantes do
núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do
trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto”.
Todavia, a realização de trabalho urbano pelo cônjuge contamina a extensão da prova material
em seu nome – assim, a documentação em nome de um integrante do núcleo familiar não se
estende a outro se há desempenho de trabalho incompatível com o labor rurícola, como é o de
natureza urbana (STJ, REsp 1304479 / SP, DJE 19/12/2012).
Nesse contexto, excluídos os documentos em nome do cônjuge, restariam à autora os
seguintes: a) Lista de presença da ALAAF – Associação Latina Americana da agricultura
Familiar (fls. 31/32, anexos da inicial); (b) comandas em nome da autora, datadas de 2015,
2016, 2017 e 2020, indicando a aquisição de sementes (fls. 33/34, idem); e c) Declaração de
Aptidão ao Pronaf, em nome da autora, datada de 12/07/2012 (fls. 27, idem).
Ora, conforme a sentença já havia indicado, as comandas de compras de sementes informam
quantidades pequenas, que não parecem indicar um plantio de subsistência familiar. Essa
conclusão não foi contestada pela parte autora.
No mais, a declaração de aptidão ao Pronaf indica o endereço da autora à Rua Northon Welfort
Thimoteo, bairro Distrito Industrial, Paraguaçu Paulista, e a lista de presença em reunião da
ALAAF igualmente não indica que ela exercesse atividade rurícola em regime de economia
familiar.
Destarte, a documentação apresentada é insuficiente para afastar a questão levantada pelo
INSS acerca da atividade urbana do núcleo familiar.
A esse respeito, a parte autora não se desincumbiu do ônus que lhe competia, nos termos do
art. 373, I, do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), de, com a inicial, carrear prova
documental descritiva das condições que alega.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, do INSS para julgar improcedente o pedido
inicial.
Deixo de condenar em honorários, nos termos do artigo 55 da lei 9.099/95.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA RURAL – COMPROVAÇÃO INSUFICIENTE
BENEFÍCIO INDEVIDO – RECURSO PROVIDO – BENEFÍCIO REVOGADO ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, vistos e relatados estes
autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma Recursal dos Juizados
Especiais Federais da Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar provimento ao
recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
