
| D.E. Publicado em 12/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do recurso oficial, negar provimento aos recursos interpostos e, de ofício, alterar os critérios de juros de mora e correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0035750-58.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido condenando-o a pagar o benefício assistencial - LOAS, a partir da citação, no valor de um salário mínimo; correção monetária pelos índices estabelecidos pelo CJF; juros de mora de 0,5% ao mês, desde a citação (Súmula 204 do STJ) e honorários advocatícios de 10% do valor da condenação.
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
O INSS, ora recorrente, pede a reforma da sentença, em síntese, ao argumento de que não houve a comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado.
A autora, em seu recurso adesivo, pede a fixação do termo inicial para a data da constatação da sua incapacidade.
Regularmente processado o feito, com contrarrazões oferecidas por ambas as partes, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda, que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: (Relatora): Por primeiro, recebo os recursos interpostos sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
Por sua vez, a sentença recorrida foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, o qual afasta a submissão da sentença proferida contra a União e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ao reexame necessário quando a condenação imposta for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 475, inciso I e parágrafo 2º).
Desta forma, considerando o valor do benefício e o lapso temporal desde a sua concessão, a hipótese dos autos não demanda reexame necessário.
Nesse sentido, precedente desta C. 7ª Turma:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA. DESNECESSIDADE. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA. |
1. Inaplicável a disposição sobre o reexame necessário, considerados o valor do benefício e o lapso temporal de sua implantação, não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 475, § 2º, CPC/1973). |
2. O entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT versa sobre a devolução de valores recebidos a título de benefício previdenciário, e não benefício assistencial, como é o caso doa autos. Ademais, via de regra o benefício assistencial somente é concedido para pessoas de baixa renda, em situação de miserabilidade, razão pela qual não é o caso de se determinar a devolução de valores recebidos a título de antecipada. |
3. Apelação improvida. |
(AC nº 0039185-79.2012.4.03.9999/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, DE 11/10/2017) |
No caso concreto, a parte autora ajuizou a presente ação objetivando a concessão de aposentadoria por idade rural e, sucessivamente, o benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da CF.
Não comprovados os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por idade rural, mas satisfeitos os requisitos do benefício assistencial, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a ação para reconhecer a autora o direito ao benefício de prestação continuada.
Pois bem.
O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
Concebida dentro de uma perspectiva do Estado Social de Direito, a Constituição valoriza e protege os direitos sociais básicos, estabelece normas pragmáticas, enfim, apresenta conteúdo contrário ao de uma Constituição do Estado Liberal, afastando-se do repouso, do formalismo e do divórcio entre Estado e Sociedade.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
A estrutura do Estado brasileiro insculpida no texto constitucional está informada pelos direitos e valores nela declarados, que necessitam de permanente conformação com às demandas sociais. Como destaca Paulo Bonavides, seguindo o norte das constituições democráticas, a Constituição brasileira carrega traços do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do pluralismo, da tensão sempre renovada entre igualdade e a liberdade.
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido.
O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para a perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o § 11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente possam ser comprovadas por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Para efeito da mensuração da renda per capita, o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, instituído pelo Decreto nº 6.214/2017, definiu Grupo Familiar em seu artigo 4º, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supracitado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo, já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (7ª Turma, Ap 2015.03.99.030993-0, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; 7ª Turma, Ap 2014.03.00.013459-1, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; 8ª Turma, ApReeNec2013.61.39.001566-7, Rel. Des. Fed. Tania Marangoni, e-DJF3 04/09/2017).
CASO CONCRETO
Restou demonstrado que a parte autora é pessoa com deficiência, pois o laudo médico de fls. 112/117 demostra que ela sofre de hipertensão arterial sistêmica, gastrite e gonartrose bilateral avançada, impedimentos de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com diversas barreiras, como miséria familiar, baixa instrução e idade avançada, constitui óbice a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A incapacidade total e permanente está comprovada, tendo em conta, não só a conclusão da perícia médica, mas também, a faixa etária, o grau de escolaridade, as condições sócio-econômicas e a natureza das atividades para as quais a autora é qualificada (rural e trabalhos braçais).
Com efeito, considera-se incapaz, total e permanentemente, o trabalhador braçal que, de acordo com o laudo, está impedido de exercer atividades que demandem esforços físicos e que sempre lhe garantiram o sustento.
Por sua vez, a situação de miserabilidade do núcleo familiar foi comprovada nos autos, pois o estudo social de fls. 106/109 demonstra que o núcleo familiar, composto por 05 pessoas (a autora, esposo, sobrinho e mais duas sobrinhas menores), com a aplicação da interpretação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, tem renda familiar per capita de R$120,00 bem abaixo do mínimo legal estabelecido em lei, sendo insuficiente para proporcionar o mínimo existencial a seus integrantes.
A corroborar o expendido, emerge do estudo social de 106/109, realizado em 03/10/2014, que a parte autora reside em imóvel bem simples, composto por 05 cômodos, sem forro, piso de cimento, guarnecido por móveis básico, porém apresenta boas condições de higiene.
O marido da autora trabalha informalmente como balconista em um bar e aufere renda mensal de R$500,00, tem problemas de saúde e faz uso contínuo de medicamentos.
O sobrinho da autora tem 19 anos de idade e não exerce atividade laboral por estar cumprindo medida socioeducativa em regime fechado na Fundação Casa de Ribeirão Preto. A autora possui a guarda dele desde o nascimento.
As duas sobrinhas são menores e estão sob a guarda provisória da autora. Elas não têm a paternidade reconhecida e também não recebem pensão alimentícia da genitora, que é ex-dependente química e não exerce atividade laboral.
A família é acompanhada pelos serviços públicos da assistência social CREAS e CRAS, além de ser supervisionada pelo Conselho Tutelar. Participam do programa federal Bolsa Família e recebem R$ 100,00 por mês. Também são assessorados pelo Serviço de Obras Sociais com o repasse mensal de uma cesta básica. O acompanhamento clínico da família é ofertado pelo SUS através do programa Saúde da Família e do Centro de Atendimento de Saúde Central.
Haure-se do estudo social, ainda, que a autora "reside em casa própria, composta por cinco cômodos sendo: dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A moradia é bastante modesta, os móveis são simples e básicos. A estrutura da moradia é piso alvenaria "cimento queimado", sem forro, as paredes possuem acabamento de reboco e pintura. O ambiente apresenta boas condições de higiene e organização. A renda mensal auferida pelo grupo familiar é oriunda do benefício federal Bolsa Família R$ 100,00 e pela renda mensal de atividade laboral do Sr. Benedito de R$ 500,00, portanto a renda per capita é de R$ 120,00".
Comprovados os requisitos legais necessários, imperiosa a concessão do benefício assistencial.
TERMO INICIAL
Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. STJ, o termo inicial para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, a partir da citação.
Confira-se:
Excepcionalmente, o termo inicial do benefício pode ser fixado na data do laudo, ou até em outra data, desde que comprovados os requisitos legais naquela ocasião.
Contudo, quando a data do início da miserabilidade ou incapacidade não estiverem especificadas pelo estudo social e pela perícia médica, respectivamente, deve se manter o termo inicial do benefício a partir da citação.
No entanto, no caso dos autos o estudo social realizado não abrange período anterior, não sendo possível a aferição da situação de miserabilidade em momento anterior.
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Assim, se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE, pode esta Corte alterá-la, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, não conheço do reexame necessário, nego provimento aos recursos e, de ofício, altero os critérios de juros de mora e correção monetária.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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