Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5006033-57.2018.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
29/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/02/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA.
INEXISTÊNCIA DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
- A Lei Orgânica da Assistência Social (“LOAS”, Lei n° 8.742/93) impõe como requisitos
necessários à implementação do benefício assistencial de prestação continuada a conjugação de
dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa
com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de
condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
- No caso dos autos, é incontroverso o preenchimento do requisito subjetivo pelo agravado,
consistente na idade superior a 65 anos. As partes discordam, entretanto, quando ao
preenchimento do requisito “miserabilidade” no período de 31/07/2009 e 31/08/14.
- O agravante defende, em síntese, que no período em questão o agravado ainda era casado,
sendo a sua renda per capita superior a ¼ do salário mínimo e, consequentemente, indevido o
benefício. Assim haveria necessidade de devolução dos valores recebidos, independentemente
de boa-fé. Contudo, há vedação legal para o acolhimento do pleito.
- O agravado encontra-se separado de fato da Sra. Geni dos Santos Sant’Anna desde 2000,
embora a ação de divórcio tenha sido ajuizada somente em 2014. Assim, não havia divergência
na sua composição familiar, e a renda per capita familiar era inferior a ¼ do salário mínimo.
- Era devido o benefício no período controvertido, de 31/07/2009 e 31/08/14, pois há presunção
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
absoluta de miserabilidade, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de
Justiça.
- Mesmo que a separação não tivesse ocorrido, a renda per capita não pode ser considerada
isoladamente na avaliação da situação social, e os demais elementos de prova constantes do
estudo social demonstram a situação de hipossuficiência econômica do agravado.
- Considerando que o benefício foi devido ao agravado mesmo no período de 31/07/2009 a
31/08/2014, este não recebeu nenhum valor indevidamente, de forma que nada tem a restituir.
Por este motivo, não é sequer relevante à análise do presente caso a discussão a respeito da
possibilidade de restituição dos valores recebidos de boa-fé por erro da Administração.
- Agravo legal a que se nega provimento.
DAP
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006033-57.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: LUIZ COLOSALLE DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: EDVANILSON JOSE RAMOS - SP283725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006033-57.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: LUIZ COLOSALLE DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: EDVANILSON JOSE RAMOS - SP283725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo legal interposto pelo INSS diante de decisão monocrática por mim proferida
(ID 87563534), a qual negou provimento a seu recurso de apelação, nos seguintes termos:
“Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS diante de sentença (ID 8172707, pág.
168/176) que julgou parcialmente procedente pedido de restabelecimento do benefício de
prestação continuada, de caráter assistencial, e de anulação do débito exigido a título de
devolução das parcelas recebidas ente 31/07/2009 e 31/08/14.
Em suas razões (ID 8172707, pág. 189/202), o apelante alega que é devida a devolução, pelo
apelado, dos valores recebidos indevidamente, independentemente de má fé do segurado.
Contrarrazões da parte autora sob ID 8172707, pág. 208/213.
O Ministério Público Federal se manifestou pelo desprovimento do recurso (ID 46640131).
É o relatório.
[...]
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.”
Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é, o
efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social
(“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à implementação do
benefício assistencial de prestação continuada.
[...]
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
DO REQUISITO ETÁRIO
O autor já possuía mais de 65 anos de idade à época do requerimento administrativo
(01/07/2003, conforme ID 8172707, pág. 19), uma vez que nascido aos 15/06/1935, conforme
demonstra a cópia de sua Cédula de Identidade (ID 8172707, pág. 17).
Cumpre, portanto, o requisito da idade para a concessão do benefício assistencial, nos termos do
art. 20, caput da LOAS.
DA SITUAÇÃO SOCIAL DA PARTE AUTORA
A LOAS prevê que há miserabilidade quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ de
um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa
renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto,
os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o
mesmo teto” (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
No caso dos autos, conforme consta do Ofício do INSS/06.001.210/nº 003/2015, datado de
02/02/2015 (ID 8172707, pág. 29), entendeu o INSS que houve recebimento indevido do
benefício de prestação continuada no período de 31/07/2009 a 31/08/2014. Segundo a autarquia,
neste período, o autor ainda estava casado, com alteração da sua renda per capita. Prossegue:
‘Diante da apresentação da Ação de Divórcio direto Consensual datada de 17/10/2014, constata-
se que a partir dessa data a manutenção do benefício em tela é regular’.
Conforme o estudo social (ID 8172707, pág. 129/131), realizado em 06/06/16, o autor é separado
e reside sozinho, tendo afirmado à assistente social que se encontra separado de fato da Sra.
Geni dos Santos Sant’Anna desde 2000.
Tal informação é corroborada pelas demais provas constantes dos autos.
Consta da petição inicial da ação de divórcio citada pelo INSS que o autor e a Sra. Geni
“encontram-se separados de fato desde junho de 2000” (ID 8172707, pág. 33/36).
Ademais, ainda que a separação não tivesse ocorrido, a renda per capita familiar não pode ser
considerada isoladamente na avaliação da situação social do requerente do benefício de
prestação continuada. Nesse sentido, as demais provas constantes dos autos denotam a situação
de miserabilidade alegada.
Isso porque o autor reside em casa própria, de padrão simples, composta de sala, cozinha e
banheiro, e localizada em bairro distante do centro da cidade. A casa está guarnecida de mobília
básica e pouco conservada.
A renda mensal é de aproximadamente R$ 150,00, decorrente da fabricação e venda de farinha
de mandioca pelo autor. Além disso, para sobreviver, conta com a ajuda de seus filhos, mas
ainda assim relata que não dispõe de recursos suficientes para suprir suas necessidades.
Nesse sentido, a assistente social afirma que “em análise ao estudo realizado, nota-se que o Sr.
Manoel possui um quadro socioeconômico instável, sobrevive da ajuda dos filhos e do pouco que
consegue com as vendas da farinha de mandioca”.
Dessa forma, entendo que o benefício de prestação continuada foi devido ao autor mesmo
durante o período que o INSS alega ter sido irregular, de forma que nada há a restituir.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado pela impossibilidade de se
determinar ressarcimento mesmo em caso de "erro administrativo", desde que presente boa-fé e
especialmente nos casos em que se trata de verba alimentar.
[...]
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS.
Dê-se ciência.
Cumpridas as formalidades legais, baixem os autos à Vara de origem.”
Em suas razões (ID 90446582), o agravante requer o julgamento do recurso pela Turma e alega
que os valores recebidos indevidamente pelo agravado devem ser restituídos,
independentemente de boa-fé, sob pena de enriquecimento ilícito.
É o relatório.
DAP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006033-57.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: LUIZ COLOSALLE DE LIMA
Advogado do(a) APELANTE: EDVANILSON JOSE RAMOS - SP283725-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Lei Orgânica da Assistência Social (“LOAS”, Lei n° 8.742/93) impõe como requisitos
necessários à implementação do benefício assistencial de prestação continuada a conjugação de
dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa
com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de
condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
No caso dos autos, é incontroverso o preenchimento do requisito subjetivo pelo agravado,
consistente na idade superior a 65 anos. As partes discordam, entretanto, quando ao
preenchimento do requisito “miserabilidade” no período de 31/07/2009 e 31/08/14.
O agravante defende, em síntese, que no período em questão o agravado ainda era casado,
sendo a sua renda per capita superior a ¼ do salário mínimo e, consequentemente, indevido o
benefício. Assim haveria necessidade de devolução dos valores recebidos, independentemente
de boa-fé. Contudo, há vedação legal para o acolhimento do pleito.
Na hipótese, conforme sublinhado na decisão monocrática, o agravado encontra-se separado de
fato da Sra. Geni dos Santos Sant’Anna desde 2000, embora a ação de divórcio tenha sido
ajuizada somente em 2014. Assim, não havia divergência na sua composição familiar, e a renda
per capita familiar era inferior a ¼ do salário mínimo. Deste modo, era devido o benefício no
período controvertido, de 31/07/2009 e 31/08/14, pois há presunção absoluta de miserabilidade,
nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, § 3º, DA LEI N. 8.742/93 (LOAS)NECESSIDADE OU
HIPOSSUFICIÊNCIA SÓCIO-ECONÔMICA. CONSTATAÇÃO DA RENDA PER CAPITA
INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO POR INDIVÍDUO ATRAVÉS DE OUTROS MEIOS.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO ASSENTADO NO
RESP N. 1.112.557/MG, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. Segundo decidido no REsp n. 1.112.557/MG, submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C
do CPC, "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única
forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a
necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda
per capita inferior a 1/4 do salário mínimo".
2. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no AREsp 267.781/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)
Cumpre salientar, ainda, que, mesmo que a separação não tivesse ocorrido, a renda per capita
não pode ser considerada isoladamente na avaliação da situação social, e os demais elementos
de prova constantes do estudo social demonstram a situação de hipossuficiência econômica do
agravado:
“Isso porque o autor reside em casa própria, de padrão simples, composta de sala, cozinha e
banheiro, e localizada em bairro distante do centro da cidade. A casa está guarnecida de mobília
básica e pouco conservada.
A renda mensal é de aproximadamente R$ 150,00, decorrente da fabricação e venda de farinha
de mandioca pelo autor. Além disso, para sobreviver, conta com a ajuda de seus filhos, mas
ainda assim relata que não dispõe de recursos suficientes para suprir suas necessidades.
Nesse sentido, a assistente social afirma que ‘em análise ao estudo realizado, nota-se que o Sr.
Manoel possui um quadro socioeconômico instável, sobrevive da ajuda dos filhos e do pouco que
consegue com as vendas da farinha de mandioca’”.
Considerando que o benefício foi devido ao agravado mesmo no período de 31/07/2009 a
31/08/2014, o autor não recebeu nenhum valor indevidamente, de forma que nada tem a restituir.
Por este motivo, não é sequer relevante à análise do presente caso a discussão a respeito da
possibilidade de restituição dos valores recebidos de boa-fé por erro da Administração.
Deve ser mantida, então, a negativa de provimento à apelação do INSS.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo legal do INSS.
É o voto.
DAP
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO. MISERABILIDADE CONFIGURADA.
INEXISTÊNCIA DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
- A Lei Orgânica da Assistência Social (“LOAS”, Lei n° 8.742/93) impõe como requisitos
necessários à implementação do benefício assistencial de prestação continuada a conjugação de
dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa
com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de
condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
- No caso dos autos, é incontroverso o preenchimento do requisito subjetivo pelo agravado,
consistente na idade superior a 65 anos. As partes discordam, entretanto, quando ao
preenchimento do requisito “miserabilidade” no período de 31/07/2009 e 31/08/14.
- O agravante defende, em síntese, que no período em questão o agravado ainda era casado,
sendo a sua renda per capita superior a ¼ do salário mínimo e, consequentemente, indevido o
benefício. Assim haveria necessidade de devolução dos valores recebidos, independentemente
de boa-fé. Contudo, há vedação legal para o acolhimento do pleito.
- O agravado encontra-se separado de fato da Sra. Geni dos Santos Sant’Anna desde 2000,
embora a ação de divórcio tenha sido ajuizada somente em 2014. Assim, não havia divergência
na sua composição familiar, e a renda per capita familiar era inferior a ¼ do salário mínimo.
- Era devido o benefício no período controvertido, de 31/07/2009 e 31/08/14, pois há presunção
absoluta de miserabilidade, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de
Justiça.
- Mesmo que a separação não tivesse ocorrido, a renda per capita não pode ser considerada
isoladamente na avaliação da situação social, e os demais elementos de prova constantes do
estudo social demonstram a situação de hipossuficiência econômica do agravado.
- Considerando que o benefício foi devido ao agravado mesmo no período de 31/07/2009 a
31/08/2014, este não recebeu nenhum valor indevidamente, de forma que nada tem a restituir.
Por este motivo, não é sequer relevante à análise do presente caso a discussão a respeito da
possibilidade de restituição dos valores recebidos de boa-fé por erro da Administração.
- Agravo legal a que se nega provimento.
DAP ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo legal do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
