Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000574-59.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/02/2022
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO
INICIAL. DER. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS JUDICIAIS. REEMBOLSO
INDEVIDO.
1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
3. Sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o
quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
4. As circunstâncias descritas no estudo social denotam a situação de miserabilidade alegada,
mesmo nos períodos em que houve renda.
5. O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam presentes
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
os requisitos necessários à concessão do amparo. O laudo pericial somente norteia o livre
convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro
para fixar o termo inicial de aquisição de direitos.
6. Com relação à correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da
execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005, observado o
entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.
7. Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
8. O INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal (art.
8º, da Lei nº 8.620/1993). Não houve prévio recolhimento das custas processuais pela parte
contrária, de forma que o reembolso não é devido.
9. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento.
dearaujo
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000574-59.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: APARECIDO VIEIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA - MS9849-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000574-59.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS diante de sentença (ID 1638564 - Pág.
70/71) que julgou procedente pedido de concessão de benefício de prestação continuada, de
caráter assistencial, formulado por APARECIDO VIEIRA DE SOUZA.
Em suas razões (ID 1638564 - Pág. 77/97), o apelante alega (i) necessidade de conhecimento
de reexame necessário, a despeito da ausência de determinação da sentença neste sentido, (ii)
nulidade da sentença por cerceamento de defesa, por não ter sido determinada a
complementação do estudo social, e (iii) no mérito, que o apelado não faz jus ao benefício
assistencial, por não se encontrar em situação de miserabilidade.
Caso mantida a condenação, requer (iv) a fixação do termo inicial do benefício na data de
realização do estudo social, tendo em vista a ocorrência de alteração substancial na
composição do grupo familiar entre a data do requerimento administrativo e a realização do
laudo, e (v) a aplicação dos critérios de cálculo de juros moratórios e correção monetária
fixados no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09.
Sem contrarrazões.
Intimado, o Ministério Público Federal se manifestou pela sua ausência de interesse em intervir
no caso (ID 44619267 - Pág. 1).
À ID 139451884, determinei a conversão do julgamento em diligência, para realização de
estudo social complementar.
O novo estudo social foi acostado à ID 199467646 - Pág. 17.
É o relatório.
dearaujo
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Advogado do(a) APELADO: ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA - MS9849-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
DO REEXAME NECESSÁRIO
Quanto à alegação do INSS nesse sentido, o novo Código de Processo Civil elevou o valor de
alçada para o reexame oficial "ex officio", de 60 (sessenta) salários mínimos, para 1.000 (mil)
salários-mínimos, " verbis":
"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará
a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-
á.
§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico
obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito
público; [...]" - grifo nosso.
Considerando que o reexame oficial não se trata de recurso, mas de simples condição de
eficácia da sentença, as regras processuais de direito intertemporal a ele não se aplicam, de
sorte que a norma supracitada, estabelecendo que não necessitam ser confirmadas pelo
Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 (um mil) salários mínimos, tem
incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, ainda que para cá remetidos na
vigência do revogado CPC.
Nesse sentido, a lição de Nelson Nery Jr.:
"A remessa necessária não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Sendo figura
processual distinta da do recurso, a ela não se aplicavam as regras do direito intertemporal
processual vigente para os eles: a) cabimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da
prolação da decisão; b) o procedimento do recurso rege-se pela lei vigente à época em que foi
efetivamente interposto o recurso - Nery. Recursos, n. 37, pp. 492/500. Assim, a L 10352/01,
que modificou as causas em que devem ser obrigatoriamente submetidas ao reexame do
tribunal, após a sua entrada em vigor, teve aplicação imediata aos processos em curso.
Consequentemente, havendo processo pendente no tribunal, enviado mediante a remessa
necessária do regime antigo, o tribunal não poderá conhecer da remessa se a causa do envio
não mais existe no rol do CPC 475. É o caso por exemplo, da sentença que anulou o
casamento, que era submetida antigamente ao reexame necessário (ex- CPC 475 I),
circunstância que foi abolida pela nova redação do CPC 475, dada pela L 10352/01. Logo, se
os autos estão no tribunal apenas para o reexame de sentença que anulou o casamento, o
tribunal não pode conhecer da remessa ." Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 11ª edição, pág 744.
Dessa forma, tendo em vista que o valor de alçada no presente feito não supera 1.000 (um mil)
salários mínimos, não conheço do reexame necessário.
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se
de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.”
Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é,
o efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência
Social (“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à
implementação do benefício assistencial de prestação continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência
médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito
do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§7oNa hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.
§8oA renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste
artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
DO REQUISITO ETÁRIO
O autor já possuía mais de 65 anos de idade à época do requerimento administrativo
(13/02/2015 – ID 1638564 - Pág. 14), uma vez que nascido aos 28/01/50, conforme demonstra
a cópia de sua Cédula de Identidade (ID 1638564 - Pág. 7).
Cumpre, portanto, o requisito da idade para a concessão do benefício assistencial, nos termos
do art. 20, caput da LOAS.
DA SITUAÇÃO SOCIAL DA PARTE AUTORA
A LOAS prevê que há miserabilidade quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼
de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa
renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto” (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte
redação:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), por sua vez, traz a previsão de que benefício assistencial
já concedida a idoso membro da família não pode ser computado para os fins do cálculo da
renda familiar per capita:
“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal
de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput
não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.”
Também privilegiando a necessidade de critérios mais razoáveis e compatíveis com cada caso
concreto para a aferição da situação de miserabilidade, o STF decidiu pela declaração de
inconstitucionalidade parcial por omissão do art. 34, p.u. acima reproduzido, determinando que
a exclusão por ele prevista também deve se aplicar aos benefícios assistenciais já concedidos a
membros da família deficientes e aos benefícios previdenciários de até um salário mínimo
recebidos por idosos. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225
DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
É de se notar que, diante da consolidação jurisprudencial nesse sentido, já foi inclusive editada
a Instrução Normativa nº 02/2014 pela Advocacia Geral da União, autorizando a desistência e a
não interposição de recursos de decisões que excluam os benefícios assistenciais recebidos
por idosos e deficientes membros da família do requerente de novo benefício:
“Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais
que, conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003,
determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes
casos:
I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na
aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93:
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65
anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência,
que faça parte do mesmo núcleo familiar;
c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por
idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça
parte do mesmo núcleo familiar;
II) quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per
capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 o benefício assistencial:
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou
mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência,
que faça parte do mesmo núcleo familiar.”
No caso dos autos, conforme o estudo social realizado em 03/07/2016 (ID 1638564 - Pág.
49/54), o autor à época residia com outras oito pessoas: sua companheira, Sra. Nair, à época
com 56 anos de idade; seu filho Murilo, de 20 anos de idade; sua filha, Liliana, de 16 anos de
idade; e cinco netos, Emanuelle (6 anos de idade), Janaina (15 anos), Suélen (14 anos),
Tatiane (17 anos) e Sebastião (11 anos).
Conforme esclareceu o autor no segundo estudo social (ID 199467646), os netos residiam com
ele em razão do falecimento de seu pai, que era filho do autor, em 30/01/2016, e do abandono
de suas genitoras. Assim, ao contrário do que sustentou o INSS, devem ser considerados na
composição familiar do autor, por serem menores tutelados, nos termos do art. 20, §1º, da Lei
8.742/93:
“§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.”
A renda da família era composta por benefício de um salário-mínimo recebido pela companheira
do autor, que é segurada especial indígena, por benefício do Programa Vale Renda no valor de
R$ 170,00 e por renda variável em valor indeterminado recebido pelo filho Murilo em razão de
serviços de conserto de eletrônico prestados como autônomo.
Os valores recebidos pela família em razão de programas sociais e de transferência de renda –
como o “Bolsa Família” e o “Vale Renda” – não devem ser computados no cálculo da renda per
capita mensal, conforme disposto no art. 4º, IV, da Lei nº 6.135/2007 e no art. 4º, §2º, incisos I e
II do art. 4º, §2º, do Anexo do Decreto n. 6.214/2007 (Regulamento do Benefício de Prestação
Continuada) e ainda em consonância com o item 16.7 da Orientação Interna INSS / DIRBEN nº
81/2003.
Ademais, nos termos do art. 4º, §2º, V, do Anexo do Regulamento do Benefício de Prestação
Continuada (Decreto n. 6.214/2007), “não serão computados como renda mensal bruta
familiar[...] rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto
do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS”.
De outro lado, o benefício recebido pela companheira do autor não deve ser desconsiderado no
cálculo da renda per capita familiar, por não se tratar de pessoa idosa ou com deficiência.
Assim, excluído o benefício do Programa Vale Renda, a renda per capita familiar é inferior a ¼
do salário-mínimo. Deste modo, é caso de deferimento do benefício, pois há presunção
absoluta de miserabilidade, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de
Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, § 3º, DA LEI N. 8.742/93 (LOAS)NECESSIDADE OU
HIPOSSUFICIÊNCIA SÓCIO-ECONÔMICA. CONSTATAÇÃO DA RENDA PER CAPITA
INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO POR INDIVÍDUO ATRAVÉS DE OUTROS MEIOS.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO ASSENTADO NO
RESP N. 1.112.557/MG, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. Segundo decidido no REsp n. 1.112.557/MG, submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-
C do CPC, "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única
forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se
aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada
a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo".
2. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no AREsp 267.781/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)
No momento de realização do segundo estudo social, em 01/06/2021, o autor residia sozinho e
vinha sobrevivendo mediante benefício do Programa Vale Renda e a realização esporádica de
bicos com capinagem, em valor variável que não soube precisar.
Dessa forma, verifica-se que a renda per capita familiar continuava a ser inferior a ¼ do salário-
mínimo, mantida a condição de vulnerabilidade.
DA AUSÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA
Em seu recurso, o INSS alega que a sentença é nula, por ter sido cerceado o seu direito de
defesa, por não ter sido realizada a complementação do estudo social que recebeu na
manifestação de ID 1638564 - Pág. 62 e ss.
Entendo que a preliminar não deve ser acolhida. O primeiro estudo social foi suficientemente
claro no esclarecimento da situação social do autor, contendo elementos aptos à comprovação
da miserabilidade independentemente da renda per capita familiar. Ademais, a conversão do
julgamento em diligência em segunda instância acabou por atender ao requerimento do INSS.
DO TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam
presentes os requisitos necessários à concessão do amparo.
Neste sentido, colaciono os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO
FAMILIAR. IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
[...] XI - O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento
administrativo (06.11.2007), momento no qual a autarquia previdenciária tomou ciência da
pretensão deduzida em Juízo. Não há falar-se em prescrição, tendo em vista que entre a data
do indeferimento do pedido administrativo (14.11.2007) e a data do ajuizamento da ação
subjacente (17.03.2009). [...]”
(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR 0015567-03.2010.4.03.0000, Rel.
DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, julgado em 25/06/2015, e-DJF3
Judicial 1 DATA:15/07/2015)
“AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. ART.
557, CAPUT DO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO.
[...] 3. O termo inicial do benefício deve ser mantido conforme decisão monocrática à data do
requerimento administrativo mais recente (06/05/2010), uma vez que a parte autora demonstrou
ter preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então.
4. Agravo legal desprovido.”
(TRF 3ª Região, DÉCIMA TURMA, APELREEX 0003353-70.2011.4.03.6102, Rel. JUIZ
CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS, julgado em 14/04/2015, e-DJF3 Judicial 1
DATA:22/04/2015)
Destaque-se que o laudo pericial somente norteia o livre convencimento do juiz quanto aos
fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar o termo inicial de
aquisição de direitos.
DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA
Com relação à correção monetária, cabe pontuar que o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, foi declarado inconstitucional por arrastamento pelo
Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, mas apenas em relação à
incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo
pagamento.
Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela
EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação,
que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento.
Vislumbrando a necessidade de serem uniformizados e consolidados os diversos atos
normativos afetos à Justiça Federal de Primeiro Grau, bem como os Provimentos da
Corregedoria desta E. Corte de Justiça, a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da
Justiça Federal da 3ª Região (Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005) é expressa ao
determinar que, no tocante aos consectários da condenação, devem ser observados os critérios
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal.
A respeito do tema, insta considerar que, no dia 20/09/2017, no julgamento do RE nº 870.947,
com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade da utilização da TR, também para a atualização da condenação.
No mesmo julgamento, em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não
tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em
causa, o STF manteve a aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação
dada pela Lei 11.960/2009.
"In casu”, como se trata da fase anterior à expedição do precatório, e tendo em vista que a
matéria não está pacificada, há de se concluir que devem ser aplicados os índices previstos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por
ocasião da execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005
(AC 00056853020144036126, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 -
OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2016), observado o entendimento firmado pelo
STF no RE 870.947.
Diante do exposto, AFASTO a preliminar e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS.
Tratando-se de sentença proferida após a vigência do Novo Código de Processo Civil, devem
ser arbitrados honorários recursais (Enunciado Administrativo nº 7, STJ). Deste modo, com
fundamento no artigo 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários a 12%. No que tange à
base de cálculo e considerando a questão submetida a julgamento no Tema n. 1.105 do C. STJ
(definição acerca da incidência, ou não, da Súmula 111/STJ, ou mesmo quanto à necessidade
de seu cancelamento, após a vigência do CPC/2015 (art. 85), no que tange à fixação de
honorários advocatícios nas ações previdenciárias), postergo sua fixação para a ocasião do
cumprimento de sentença.
É o voto.
dearaujo
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO
INICIAL. DER. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS JUDICIAIS. REEMBOLSO
INDEVIDO.
1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não
possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal.
Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais
requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
3. Sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o
quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
4. As circunstâncias descritas no estudo social denotam a situação de miserabilidade alegada,
mesmo nos períodos em que houve renda.
5. O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam
presentes os requisitos necessários à concessão do amparo. O laudo pericial somente norteia o
livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como
parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos.
6. Com relação à correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da
execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005, observado o
entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.
7. Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
8. O INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal
(art. 8º, da Lei nº 8.620/1993). Não houve prévio recolhimento das custas processuais pela
parte contrária, de forma que o reembolso não é devido.
9. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento.
dearaujo ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu AFASTAR a preliminar e NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
