Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001513-05.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/02/2022
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO
INICIAL. DER. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS JUDICIAIS. REEMBOLSO
INDEVIDO.
1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
3. Sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o
quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
4. As circunstâncias descritas no estudo social denotam a situação de miserabilidade alegada,
mesmo nos períodos em que houve renda.
5. O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam presentes
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
os requisitos necessários à concessão do amparo. O laudo pericial somente norteia o livre
convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro
para fixar o termo inicial de aquisição de direitos.
6. Com relação à correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da
execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005, observado o
entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.
7. Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
8. O INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal (art.
8º, da Lei nº 8.620/1993). Não houve prévio recolhimento das custas processuais pela parte
contrária, de forma que o reembolso não é devido.
9. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento.
dearaujo
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001513-05.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: JOAO DE SOUZA BRANDAO
Advogados do(a) APELADO: LUCIMARI KOSINSKI - MS19779-A, TIAGO ARMOND VICENTE -
MS19459-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001513-05.2019.4.03.9999
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MS19459-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS diante de sentença de ID 46233099, p.
76/79, que julgou procedente pedido de concessão de benefício de prestação continuada, de
caráter assistencial.
Em suas razões (ID 46233099, p. 86/109), o apelante alega que o apelado não faz jus ao
benefício assistencial, por não se encontrar em situação de miserabilidade e não se enquadrar
no conceito legal de pessoa com deficiência. Caso mantida a condenação, requer a fixação do
termo inicial do benefício na data de juntada do último laudo pericial, a aplicação dos critérios
de cálculo de juros moratórios e correção monetária fixados no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a
redação dada pela Lei n. 11.960/09, a redução dos honorários advocatícios, e a exclusão da
condenação ao pagamento de custas processuais.
Contrarrazões à ID 46233099, p. 111/132.
O Ministério Público Federal se manifestou pela manutenção da sentença (ID 128820043).
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001513-05.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: JOAO DE SOUZA BRANDAO
Advogados do(a) APELADO: LUCIMARI KOSINSKI - MS19779-A, TIAGO ARMOND VICENTE -
MS19459-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
DO REEXAME NECESSÁRIO
O novo Código de Processo Civil elevou o valor de alçada para o reexame oficial "ex officio", de
60 (sessenta) salários mínimos, para 1.000 (mil) salários-mínimos, " verbis":
"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará
a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-
á.
§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico
obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito
público; [...]" - grifo nosso.
Considerando que o reexame oficial não se trata de recurso, mas de simples condição de
eficácia da sentença, as regras processuais de direito intertemporal a ele não se aplicam, de
sorte que a norma supracitada, estabelecendo que não necessitam ser confirmadas pelo
Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1000 (um mil) salários mínimos, tem
incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, ainda que para cá remetidos na
vigência do revogado CPC.
Nesse sentido, a lição de Nelson Nery Jr.:
"A remessa necessária não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Sendo figura
processual distinta da do recurso, a ela não se aplicavam as regras do direito intertemporal
processual vigente para os eles: a) cabimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da
prolação da decisão; b) o procedimento do recurso rege-se pela lei vigente à época em que foi
efetivamente interposto o recurso - Nery. Recursos, n. 37, pp. 492/500. Assim, a L 10352/01,
que modificou as causas em que devem ser obrigatoriamente submetidas ao reexame do
tribunal, após a sua entrada em vigor, teve aplicação imediata aos processos em curso.
Consequentemente, havendo processo pendente no tribunal, enviado mediante a remessa
necessária do regime antigo, o tribunal não poderá conhecer da remessa se a causa do envio
não mais existe no rol do CPC 475. É o caso por exemplo, da sentença que anulou o
casamento, que era submetida antigamente ao reexame necessário (ex- CPC 475 I),
circunstância que foi abolida pela nova redação do CPC 475, dada pela L 10352/01. Logo, se
os autos estão no tribunal apenas para o reexame de sentença que anulou o casamento, o
tribunal não pode conhecer da remessa ." Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 11ª edição, pág 744.
Dessa forma, tendo em vista que o valor de alçada no presente feito não supera 1.000 (um mil)
salários mínimos, não conheço do reexame necessário.
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se
de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.”
Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é,
o efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência
Social (“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à
implementação do benefício assistencial de prestação continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência
médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito
do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§7oNa hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.
§8oA renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste
artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
DA DEFICIENCIA ALEGADA PELA PARTE AUTORA
No caso dos autos, o autor afirma ser portador de deficiência.
A Lei Orgânica da Assistência Social prevê que "[p]ara efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas" (art. 20, §2º) e que se considera impedimento de longo
prazo "aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos" (art. 20, §10).
O laudo médico pericial (ID 46233099, p. 23 e ss.), realizado em 19/08/2017, indica que o autor,
à época com 58 anos de idade, é portador de dorsalgia crônica e lombociatalgia, ou seja,
apresenta dores crônicas em coluna lombar e perna direita, decorrentes de lesões
degenerativas da coluna que lhe conferem dificuldade para a realização de atividades como
pegar peso, movimentar o tronco e caminhar em ritmo acelerado.
Nesse sentido, o perito que o autor apresenta incapacidade parcial e permanente, estando
impossibilitado de realizar atividades que exijam esforço físico, ainda que apenas moderado.
Neste sentido, verifica-se nos autos que as limitações do autor o impedem de exercer a sua
atividade habitual de trabalhador rural. Esta situação, em conjunto com a idade já avançada
(atualmente, 62 anos), a sua baixa escolaridade (3º ano do ensino fundamental, lê e escreve
com dificuldade) e ausência de experiência profissional em qualquer outra atividade além do
trabalho na lavoura, obstruem sua participação na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas.
O quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos
do artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
Note-se, ainda, que os tribunais brasileiros vêm entendendo que o conceito de "pessoa com
deficiência", deve ser analisado no caso concreto, considerando as condições pessoais da
parte:
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REMESSA OFICIAL TIDA
POR INTERPOSTA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. INCAPACIDADE PARCIAL. LEI
8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E.
STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS. JUROS.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MULTA. CUSTAS
[...]
III - A incapacidade parcial não obsta a concessão do benefício, ante a análise em conjunto com
as condições pessoais da parte autora, idade e atividade desempenhada.
[...] (Ap 00117502320184039999, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO,
TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/07/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, §1º, DA LEI N. 8.742/93. COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO
FAMILIAR. IRMÃ DO AUTOR, CUNHADO E SOBRINHO. NÚCLEOS FAMILIARES DIVERSOS.
INTERPRETAÇÃO INCONTROVERSA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DE LEI. OCORRÊNCIA.
INCAPACIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...]
III - O conceito de 'deficiência' atualmente albergado (art. 20, §2º, da Lei n. 8.742/93, com
redação alterada pela Lei n. 12.470/2011) é mais extenso do que aquele outrora estabelecido,
vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive de natureza sensorial, que tenha
potencialidade para a obstrução da participação social do indivíduo em condições de igualdade.
IV - O laudo médico acostado aos autos, realizado em 14.09.2009, atestou que o autor
apresenta deficiência auditiva bilateral, que teria se iniciado na infância. Assinala, outrossim,
que houve "...Perda auditiva neurossensorial de grau profundo bilateral..." , apresentando
incapacidade parcial e permanente para o exercício de atividade laborativa. Consigna, por fim,
que o autor "...não é alfabetizado, nunca realizou nenhum tipo de atividade laboral, situações
que determinam desvantagens e que o impossibilita de pleitear uma vaga no mercado de
trabalho..."
V - Com fundamento na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que se
incorporou no ordenamento jurídico com status constitucional, e em face do disposto no art. 462
do CPC, que impinge ao julgador considerar fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito
ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação (no caso, da ação subjacente), é de se
reconhecer a deficiência do autor, tendo em vista que possui impedimentos de longo prazo de
natureza física. Notadamente, tal condição obstruiu sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
[...] X - Comprovado que o autor era portador de deficiência, bem como não possuía meios para
prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, faz jus a concessão do benefício
assistencial. [...]"
(AR 00155670320104030000, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3 -
TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PREENCHIDOS OS
REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO FUNDAMENTADA. I - Preenchidos os requisitos necessários
para concessão do benefício assistencial, à luz do inciso V, do art. 203 da Constituição Federal,
c.c. o art. 20 da Lei nº 8.742/93, [...] VIII - Apesar de resultado do laudo pericial indicar que a
requerente não está incapacitada, executando normalmente as tarefas doméstica s, verifico que
a moléstia que a acomete impede e/ou dificulta o exercício de atividade profissional e, ainda,
considerando sua faixa etária e o baixo grau de escolaridade (2ª Série do Ensino Fundamental),
dificilmente conseguirá inserir-se no mercado de trabalho para exercer labor que lhe garanta
subsistência". (AC 00427955520124039999, JUIZA CONVOCADA RAQUEL PERRINI, TRF3 -
OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
DA SITUAÇÃO SOCIAL DA PARTE AUTORA
A LOAS prevê que há miserabilidade quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼
de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa
renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto” (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte
redação:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
No caso dos autos, conforme o estudo social (ID 46233099, p. 43), realizado em 28/05/2018, o
autor (sem renda desde 2015) reside somente com sua esposa, Sra. Nelma.
De fato, como alega o INSS, à época do requerimento administrativo, em 13/09/2016, a Sra.
Nelma estava trabalhando na empresa Limmppe – Prestadora de Serviços de Limpeza e
Conservação Ltda., recebendo remuneração em torno de R$ 1.200,00, conforme CNIS à ID
46233099, p. 63 e ss.
Contudo, as demais circunstâncias descritas no estudo social denotam a situação de
miserabilidade alegada.
Isso porque as despesas mensais de subsistência da família já superavam a renda da Sra.
Nelma, consistindo em R$ 16,00 com energia elétrica, R$ 123,00 com água, R$ 520,00 com
alimentação, produtos de limpeza e de higiene, R$ 250,00 com medicamentos, R$ 125,00 com
a prestação do terreno, R$ 80,00 com gás de cozinha, R$ 57,00 com a conta de celular e R$
310,00 com a prestação de veículo ano 1993. Ademais, o autor necessita de consultas médicas
frequentes para lidar com suas condições de saúde, e quando não consegue realiza-las pelo
SUS, precisa passar em médico particular, cuja consulta possui o valor de R$ 200,00.
A família reside em terreno financiado, em casa construída em alvenaria, sem forro, reboco ou
pavimentação asfáltica. O imóvel é organizado e guarnecido de móveis e utensílios adequados
e suficientes à subsistência familiar. A despeito disso, as fotografias anexas ao estudo social
demonstram que a residência é extremamente simples,
Ademais, em maio de 2018, a Sra. Nelma pediu demissão, em razão de problemas de saúde e
da impossibilidade de obtenção de benefício previdenciário. A partir de então, a renda per
capita familiar passou a ser zero – inferior, portanto, a ¼ do salário mínimo. Deste modo, é caso
de deferimento do benefício, pois há presunção absoluta de miserabilidade, nos termos da
jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20, § 3º, DA LEI N. 8.742/93 (LOAS)NECESSIDADE OU
HIPOSSUFICIÊNCIA SÓCIO-ECONÔMICA. CONSTATAÇÃO DA RENDA PER CAPITA
INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO POR INDIVÍDUO ATRAVÉS DE OUTROS MEIOS.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO ASSENTADO NO
RESP N. 1.112.557/MG, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. Segundo decidido no REsp n. 1.112.557/MG, submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-
C do CPC, "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única
forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se
aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada
a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo".
2. Agravo regimental não provido.”
(AgRg no AREsp 267.781/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)
DO TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam
presentes os requisitos necessários à concessão do amparo. Destaco que o laudo pericial
somente norteia o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não
serve como parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos.
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL VITALÍCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. ART. 219 DO CPC. TAXA SELIC. IMPOSSIBILIDADE.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ do salário mínimo
não exclui outros fatores que possam aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de
sua família, necessária à concessão do benefício assistencial. Precedentes do STJ.
2. É cediço que a citação tem o efeito material de constituir o réu em mora. Assim, o laudo
pericial norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes,
não sendo parâmetro para fixação de termo inicial de aquisição de direitos.
3. O termo inicial para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada é a data
da citação da autarquia previdenciária, nos termos do art. 219 do CPC.
4. Impossibilidade de aplicação da Taxa Selic para correção dos débitos previdenciários.
5. Agravo regimental parcialmente provido".
(STJ. AgRg no REsp 845743 SP (2006/0095387-2), 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j.
05.05.2009, DJ 15.06.09, v.u. - grifei)
DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA
Com relação à correção monetária, cabe pontuar que o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, foi declarado inconstitucional por arrastamento pelo
Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, mas apenas em relação à
incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo
pagamento.
Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela
EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação,
que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento.
Vislumbrando a necessidade de serem uniformizados e consolidados os diversos atos
normativos afetos à Justiça Federal de Primeiro Grau, bem como os Provimentos da
Corregedoria desta E. Corte de Justiça, a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da
Justiça Federal da 3ª Região (Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005) é expressa ao
determinar que, no tocante aos consectários da condenação, devem ser observados os critérios
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal.
A respeito do tema, insta considerar que, no dia 20/09/2017, no julgamento do RE nº 870.947,
com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade da utilização da TR, também para a atualização da condenação.
No mesmo julgamento, em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não
tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em
causa, o STF manteve a aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação
dada pela Lei 11.960/2009.
"In casu”, como se trata da fase anterior à expedição do precatório, e tendo em vista que a
matéria não está pacificada, há de se concluir que devem ser aplicados os índices previstos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por
ocasião da execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005
(AC 00056853020144036126, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 -
OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2016), observado o entendimento firmado pelo
STF no RE 870.947.
DAS CUSTAS JUDICIAIS
O STJ entende que o INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a
Justiça Federal (art. 8º, da Lei nº 8.620/1993). Contudo, a Colenda 5ª Turma desta Corte tem
decidido que, não obstante a isenção da autarquia federal, se ocorreu o prévio recolhimento das
custas processuais pela parte contrária, o reembolso é devido, a teor do artigo 14, § 4º, da Lei
9.289/96, salvo se esta estiver amparada pela gratuidade da Justiça.
Na hipótese, a parte autora é beneficiária da justiça gratuita, não sendo devido, desse modo, o
reembolso das custas processuais pelo INSS.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, apenas para
reconhecer que não é devido o reembolso de custas judiciais.
É o voto.
dearaujo
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. DEFICIÊNCIA CONFIGURADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO
INICIAL. DER. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUSTAS JUDICIAIS. REEMBOLSO
INDEVIDO.
1. A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não
possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal.
Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais
requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social.
2. Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
3. Sendo possível extrair do conjunto probatório a existência de impedimentos de longo prazo, o
quadro apresentado se ajusta, portanto, ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do
artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei 12.435/2011.
4. As circunstâncias descritas no estudo social denotam a situação de miserabilidade alegada,
mesmo nos períodos em que houve renda.
5. O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, sendo
possível concluir pelos elementos constantes dos autos que neste momento já estavam
presentes os requisitos necessários à concessão do amparo. O laudo pericial somente norteia o
livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como
parâmetro para fixar o termo inicial de aquisição de direitos.
6. Com relação à correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos pelo Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por ocasião da
execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005, observado o
entendimento firmado pelo STF no RE 870.947.
7. Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
8. O INSS goza de isenção no recolhimento de custas processuais, perante a Justiça Federal
(art. 8º, da Lei nº 8.620/1993). Não houve prévio recolhimento das custas processuais pela
parte contrária, de forma que o reembolso não é devido.
9. Apelação do INSS a que se dá parcial provimento.
dearaujo ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
