Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5029648-61.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
08/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/05/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. JUROS DE MORA
- A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
- Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
- No caso dos autos, conforme o estudo social (id 4605644), compõem a família do autor apenas
ele, pessoa idosa, de 66 anos de idade, com renda variável decorrente de coleta de recicláveis,
no valor estimado de R$400,00 e de Bolsa Família, no valor de R$87,00.
- Por mais que essa renda seja superior a ¼ de salário mínimo, trata-se de valor insuficiente para
a manutenção com dignidade do autor. O estudo social indica que ele tem dificuldade mesmo de
adquirir alimentos, sobretudo alimentos adequados à sua condição de diabético, que vive em área
periférica, dominada pelo tráfico de drogas, que sua casa é coberta apenas por telhas tipo
“Eternit” e que não possui geladeira. Configurada, portanto, a miserabilidade.
- Quanto ao termo inicial do benefício, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
entendimento no sentido de que este deve ser a data do requerimento administrativo e, na sua
ausência, a data da citação, haja vista que o laudo pericial somente norteia o livre convencimento
do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar o termo
inicial de aquisição de direitos.
- Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
- Recurso de apelação a que se dá parcial provimento.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029648-61.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CASSIO BENEDICTO - SP124715-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029648-61.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CASSIO BENEDICTO - SP124715-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS diante de sentença de fls. 81/86 que julgou
procedente pedido de concessão de benefício assistencial.
Em suas razões (id 4605665) o INSS alega que não está configurada a situação de
miserabilidade, pois a renda mensal familiar per capta da parte autora é superior a ¼ de salário
mínimo. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício seja fixado na data da
apresentação do estudo social e que os juros de mora sejam fixados nos termos do art. 1º-F da
Lei 9.494/97.
Contrarrazões (id 4605668).
O Ministério Público Federal se manifestou pelo desprovimento do recurso de apelação (id
7915344).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029648-61.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 29 - DES. FED. LUIZ STEFANINI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CASSIO BENEDICTO - SP124715-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.”
Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é, o
efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social
(“LOAS”), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à implementação do
benefício assistencial de prestação continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família
cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do
idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento
de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§7oNa hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica
assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais
próximo que contar com tal estrutura.
§8oA renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu
representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão
computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste
artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros
elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
DA SITUAÇÃO SOCIAL DA PARTE AUTORA
A LOAS prevê que há miserabilidade quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ de
um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como “família” para aferição dessa
renda “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto,
os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o
mesmo teto” (art. 20, §1º).
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela
jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de
miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em
18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de
nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
Seguindo essa tendência foi incluído em 2015 o §11 ao art. 20 da LOAS com a seguinte redação:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
No caso dos autos, conforme o estudo social (id 4605644), compõem a família do autor apenas
ele, pessoa idosa, de 66 anos de idade, com renda variável decorrente de coleta de recicláveis,
no valor estimado de R$400,00 e de Bolsa Família, no valor de R$87,00.
Por mais que essa renda seja superior a ¼ de salário mínimo, trata-se de valor insuficiente para a
manutenção com dignidade do autor. O estudo social indica que ele tem dificuldade mesmo de
adquirir alimentos, sobretudo alimentos adequados à sua condição de diabético, que vive em área
periférica, dominada pelo tráfico de drogas, que sua casa é coberta apenas por telhas tipo
“Eternit” e que não possui geladeira. Configurada, portanto, a miserabilidade.
DO TERMO INICIAL
Quanto ao termo inicial do benefício, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento no sentido de que este deve ser a data do requerimento administrativo e, na sua
ausência, a data da citação, haja vista que o laudo pericial somente norteia o livre convencimento
do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar o termo
inicial de aquisição de direitos.
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL VITALÍCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
TERMO INICIAL. CITAÇÃO. ART. 219 DO CPC. TAXA SELIC. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A comprovação do requisito da renda familiar per capita não-superior a ¼ do salário mínimo
não exclui outros fatores que possam aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de sua
família, necessária à concessão do benefício assistencial. Precedentes do STJ.
2. É cediço que a citação tem o efeito material de constituir o réu em mora. Assim, o laudo pericial
norteia somente o livre convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, não sendo
parâmetro para fixação de termo inicial de aquisição de direitos.
3. O termo inicial para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada é a data da
citação da autarquia previdenciária, nos termos do art. 219 do CPC.
4. Impossibilidade de aplicação da Taxa Selic para correção dos débitos previdenciários.
5. Agravo regimental parcialmente provido".
(STJ. AgRg no REsp 845743 SP (2006/0095387-2), 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j.
05.05.2009, DJ 15.06.09, v.u. - grifei)
DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA
Com relação à correção monetária, cabe pontuar que o artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com a
redação dada pela Lei nº 11.960/09, foi declarado inconstitucional por arrastamento pelo
Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nos 4.357 e 4.425, mas apenas em relação à
incidência da TR no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo
pagamento.
Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela
EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação,
que se realiza após a conclusão da fase de conhecimento.
Vislumbrando a necessidade de serem uniformizados e consolidados os diversos atos normativos
afetos à Justiça Federal de Primeiro Grau, bem como os Provimentos da Corregedoria desta E.
Corte de Justiça, a Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª
Região (Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005) é expressa ao determinar que, no tocante
aos consectários da condenação, devem ser observados os critérios previstos no Manual de
Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal.
A respeito do tema, insta considerar que, no dia 20/09/2017, no julgamento do RE nº 870.947,
com repercussão geral reconhecida, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade da utilização da TR, também para a atualização da condenação.
No mesmo julgamento, em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não
tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa,
o STF manteve a aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela
Lei 11.960/2009.
"In casu”, como se trata da fase anterior à expedição do precatório, e tendo em vista que a
matéria não está pacificada, há de se concluir que devem ser aplicados os índices previstos pelo
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor por
ocasião da execução do julgado, em respeito ao Provimento COGE nº 64, de 28 de abril 2005
(AC 00056853020144036126, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 -
OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2016), observado o entendimento firmado pelo
STF no RE 870.947.
Diante do exposto, dou PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação apenas para determinar
que os juros de mora sejam calculados conforme o art. 1º-F da Lei 9.494/97.
É o voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. MISERABILIDADE CONFIGURADA. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. JUROS DE MORA
- A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir
meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de
benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos,
independentemente de contribuição à seguridade social.
- Para a concessão do benefício assistencial, necessária a conjugação de dois requisitos:
alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência
e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas
para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
- No caso dos autos, conforme o estudo social (id 4605644), compõem a família do autor apenas
ele, pessoa idosa, de 66 anos de idade, com renda variável decorrente de coleta de recicláveis,
no valor estimado de R$400,00 e de Bolsa Família, no valor de R$87,00.
- Por mais que essa renda seja superior a ¼ de salário mínimo, trata-se de valor insuficiente para
a manutenção com dignidade do autor. O estudo social indica que ele tem dificuldade mesmo de
adquirir alimentos, sobretudo alimentos adequados à sua condição de diabético, que vive em área
periférica, dominada pelo tráfico de drogas, que sua casa é coberta apenas por telhas tipo
“Eternit” e que não possui geladeira. Configurada, portanto, a miserabilidade.
- Quanto ao termo inicial do benefício, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento no sentido de que este deve ser a data do requerimento administrativo e, na sua
ausência, a data da citação, haja vista que o laudo pericial somente norteia o livre convencimento
do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, mas não serve como parâmetro para fixar o termo
inicial de aquisição de direitos.
- Em relação aos juros de mora incidentes sobre débitos de natureza não tributária, como é o
caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa, o STF manteve a
aplicação do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.
- Recurso de apelação a que se dá parcial provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
