
| D.E. Publicado em 20/03/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005416-65.2016.4.03.6111/SP
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Diva Aparecida Jaloto Pereira diante de sentença de fls. 88/91, que julgou improcedente pedido de concessão de benefício assistencial.
Em suas razões (fls. 103/111), a apelante alega que faz jus ao benefício, por preencher o requisito de miserabilidade. Afirma que, a despeito de morar com seu ex-cônjuge, esse não deve ser considerado na composição de seu núcleo familiar.
Sem contrarrazões.
O Ministério Público Federal se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 118/121).
É o relatório.
LUIZ STEFANINI
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005416-65.2016.4.03.6111/SP
VOTO
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover sua própria manutenção o pagamento de um salário mínimo mensal. Trata-se de benefício de caráter assistencial, que deve ser provido aos que cumprirem tais requisitos, independentemente de contribuição à seguridade social:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: |
[...] |
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." |
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Como se vê, o inciso V ao art. 203 da Constituição Federal é norma de eficácia limitada, isto é, o efetivo pagamento do benefício dependia de edição de lei regulamentadora.
Essa regulamentação foi feita pela Lei n° 8.742/93, a chamada Lei Orgânica da Assistência Social ("LOAS"), que, entre outras coisas, disciplinou os requisitos necessários à implementação do benefício assistencial de prestação continuada.
O art. 20 da referida lei tem a seguinte redação:
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. |
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. |
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. |
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. |
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. |
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. |
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. |
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. |
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. |
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. |
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. |
Para a concessão do benefício assistencial, necessária, então, a conjugação de dois requisitos: alternativamente, a comprovação da idade avançada ou da condição de pessoa com deficiência e, cumulativamente, a miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou de tê-lo provido por alguém da família.
Quanto à miserabilidade, a LOAS prevê que ela existe quando a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ de um salário mínimo (art. 20, §3º), sendo que se considera como "família" para aferição dessa renda "o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto" (art. 20, §1º)
Embora esse requisito tenha sido inicialmente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade n º 1.232-1, ele tem sido flexibilizado pela jurisprudência daquele tribunal. Nesse sentido, com o fundamento de que a situação de miserabilidade não pode ser aferida através de mero cálculo aritmético, o STF declarou, em 18.04.2013, ao julgar a Reclamação 4.374, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, e do art. 20, §3º da LOAS.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), por sua vez, traz a previsão de que benefício assistencial já concedida a idoso membro da família não pode ser computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. |
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas." |
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Também privilegiando a necessidade de critérios mais razoáveis e compatíveis com cada caso concreto para a aferição da situação de miserabilidade, o STF decidiu pela declaração de inconstitucionalidade parcial por omissão do art. 34, p.u. acima reproduzido, determinando que a exclusão por ele prevista também deve se aplicar aos benefícios assistenciais já concedidos a membros da família deficientes e aos benefícios previdenciários de até um salário mínimo recebidos por idosos. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
É de se notar que, diante da consolidação jurisprudencial nesse sentido, já foi inclusive editada a Instrução Normativa nº 02/2014 pela Advocacia Geral da União, autorizando a desistência e a não interposição de recursos de decisões que excluam os benefícios assistenciais recebidos por idosos e deficientes membros da família do requerente de novo benefício:
"Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que, conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes casos: |
I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93: |
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar; |
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar; |
c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar; |
II) quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 o benefício assistencial: |
a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar; |
b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar." |
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No caso dos autos, consta do estudo social realizado em 12/01/2017 (fls. 73/77), que a apelante reside com seu ex-cônjuge.
Em primeiro lugar, destaque-se que este deve ser considerado na composição familiar da apelante para fins de concessão do benefício assistencial, pois ambos residem na mesma casa e há conduta de auxílio recíproco. Neste sentido, colaciono o seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE PARA O TRABAHO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADA. REFILIAÇÃO OPORTUNISTA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MISERABILIDADE AFASTADA. FAMÍLIA. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO PROVIDA. PEDIDOS IMPROCEDENTES. |
[...] |
- Outrossim, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- Quanto ao requisito subjetivo, consta do laudo médico pericial que a autora sofre de insuficiência cardíaca, cardiopatia hipertensiva, asma e dor lombar baixa, males que a incapacitam de forma total e permanente. Ela sobre de falta de ar aos pequenos esforços (f. 70/79). Amolda-se, tal situação, à regra do artigo 20, § 2º, da LOAS, pois há limitações sérias à participação em sociedade. |
- Quanto à hipossuficiência econômica, o estudo social revela que a autora, nascida em 1953, analfabeta, trabalhou como rurícola, empregada doméstica e cuidadora. Ela reside com o ex-marido (que deve ser considerado marido para fins assistenciais, pois vivem na mesma casa e há conduta de auxílio recíproco), que recebe aposentadoria de um salário mínimo. Vivem em casa alugada, no valor de R$ 150,00, em região com infraestrutura adequada (rede de água, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, sarjeta, calçada, iluminação pública). |
- No caso deve ser seguida a orientação do RE n. 580963 (repercussão geral - vide supra), de modo que o critério legal não é "taxativo". Porém, segundo o mesmo precedente, não se aplica a regra do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, pois o ex-marido da autora, nascido em 1955, não tem idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos. |
- Trata-se de renda mensal per capita de meio salário mínimo. Consta ainda que a autora possui um filho, com quem se relaciona bem. "A autora tem o apoio afetivo e protetivo do filho que é satisfatório". |
[...] |
- Em decorrência, forçoso e concluir pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- Remessa oficial não conhecida. Apelação provida. |
(TRF 3º Região, NONA TURMA, AC 0029599-13.2015.4.03.9999, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 12/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2017) |
Assim, pode-se concluir que compõe a família da requerente (sem renda) apenas o seu ex-marido José Galvão de Mendonça, de 67 anos de idade, o qual aufere renda total de R$ 2.196,00, decorrente do recebimento de aposentadoria no valor de um salário mínimo, e de bicos que realiza, com renda estimada em R$ 1.200,00.
Excluído o valor do benefício previdenciário recebido pelo ex-marido da apelante, a renda per capita familiar mensal é, portanto, de R$ 600,00, muito superior a ¼ de um salário mínimo (equivalente a R$234,25).
Ademais, as circunstâncias descritas no estudo social não comprovam a situação de miserabilidade alegada.
A apelante e seu ex-marido residem em imóvel alugado, composto de três quartos, banheiro, lavanderia e outros três cômodos, em bom estado de conservação. As fotos juntadas às fls. 78/80 demonstram que o imóvel encontra-se em condições adequadas de habitação e está devidamente guarnecido com móveis e eletrodomésticos suficientes à sobrevivência confortável da família.
Ainda, verifica-se que os medicamentos de que a apelante necessita são comprados pelo seu ex-cônjuge e que as despesas mensais de subsistência consistem em: aluguel (R$ 750,00), água (R$ 30,00), eletricidade (R$ 130,00), gás (R$ 31,00), medicamentos (R$ 160,00), compras de alimentação (R$ 400,00), no valor total de R$ 1.501,00 - valor inferior à renda familiar.
Finalmente, verifica-se do estudo social que a apelante possui três filhos, maiores e capazes, dois dos quais possuem formação em ensino superior e trabalham como professores de educação física.
Nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, "os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nestes termos, a responsabilidade dos filhos pelos pais é primária, sendo a do Estado subsidiária.
Corroborando este entendimento, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), recentemente fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção" (processo n. 0517397-48.2012.4.05.8300)
No caso dos autos, esta possibilidade restou cabalmente demonstrada, tendo a própria apelante informado à assistente social que o casal possui SkyTV na casa, pago por seu filho Marcelo.
O que se tem, portanto, é pessoa idosa devidamente amparada pela família. Assim, entendo que não restou comprovado nos autos o estado de miserabilidade. Ou seja, a família da apelante tem acesso aos mínimos sociais.
Dessa forma, como o benefício de prestação continuada não serve de complementação de renda e sim para casos de extrema necessidade, é de rigor a manutenção da sentença.
Quanto à alegada deficiência, prejudicada sua análise. Para a concessão do benefício, comprova-se a miserabilidade e cumulativamente o requisito etário ou a condição de pessoa com deficiência.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da parte autora.
É o voto.
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| Data e Hora: | 26/02/2018 14:01:44 |
