
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003399-26.2015.4.03.6003
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: BRAZ BORGES APARECIDO
Advogado do(a) APELADO: WILLEN SILVA ALVES - MS12795-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003399-26.2015.4.03.6003
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: BRAZ BORGES APARECIDO
Advogado do(a) APELADO: WILLEN SILVA ALVES - MS12795-A
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R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HERBERT DE BRUYN (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão de benefício assistencial ao idoso.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, “para condenar o INSS a implantar em favor da parte autora o benefício assistencial previsto pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de um salário mínimo, a partir da data de entrada do requerimento (05/03/2015 – fl. 12), bem como a pagar as prestações vencidas referentes ao período de 05/03/2015 até 28/11/2017, véspera da concessão administrativa do amparo social NB 703.536.937-7” (ID 265905008 – Pág. 5). As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de correção monetária e juros de mora de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, respeitados os parâmetros do RE nº 870.947/SE e REsp 1495146/MG (Recurso Repetitivo). Condenou, ainda, a autarquia ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, observando-se a Súmula nº 111 do STJ.
O INSS recorre, pleiteando a reforma da r. sentença, tendo em vista o não preenchimento do requisito da miserabilidade, no período de 05/03/15 a 28/11/17, sob o fundamento de que o autor residia com sua filha.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003399-26.2015.4.03.6003
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: BRAZ BORGES APARECIDO
Advogado do(a) APELADO: WILLEN SILVA ALVES - MS12795-A
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V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HERBERT DE BRUYN (RELATOR): O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
O benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, estabelece a garantia de um salário mínimo à “pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Trata-se de norma de eficácia limitada, de aplicação só possível a partir da Lei n. 8.742/93 (STF, RE 315.959-3/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2a Turma, DJU de 05.10.2001), cujo art. 20 previa a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Posteriormente, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete), pelo art. 38 da Lei n. 9.720/98, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, a partir da entrada em vigor do Estatuto do Idoso (art. 34 da Lei n. 10.741/2003), situação reafirmada na Lei n. 12.435/2011.
Na redação original do art. 20, § 1º, da Lei n. 8.742/93, constituía “família” o conjunto de pessoas mencionadas no art. 16 da Lei n. 8.213/91, coabitantes na mesma morada. Com a promulgação da Lei n. 12.435/2011, em 17/7/2011, esclareceu-se comporem essa categoria “o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
Quanto à “pessoa portadora de deficiência”, originalmente a lei definia-a como aquela “incapacitada para a vida independente e para o trabalho” (art. 20, § 2º), o que, a teor do art. 2º, II, do Decreto n. 1.744/95, dela regulamentar, deveria decorrer “de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades diárias e do trabalho”. Posteriormente, a matéria foi regulamentada pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
A partir da nova redação do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/93, ofertada pela Lei n. 12.435/2011, define-se deficiente como a pessoa com “impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”, sendo “impedimentos de longo prazo aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”.
Para semelhante fim, o rol do art. 4º do Decreto n. 3.298/99, que regulamenta a Lei n. 7.853/89, relativa à Política Nacional de Portadora de Deficiência, não é exaustivo, pois cada caso há de ser aferido em concreto, mediante a produção da prova adequada. Imprescindível, apenas, a submissão da pessoa à perícia médica oficial (art. 20, § 6º, da Lei n. 8.742/93).
A esse respeito, não havendo incapacidade total ou de longo prazo, não se trata, portanto, de pessoa “deficiente” nos termos da lei. A esse propósito, saliente-se que, para concessão do benefício assistencial, não basta o preenchimento de requisitos suficientes para o deferimento do auxílio-doença. Deve tratar-se de quadro mais grave, capaz de inviabilizar, total e por longo período, a inserção social da parte carente.
Somente sendo possível inferir a aludida incapacidade mediante prova técnica, não deve o juiz afastar-se da conclusão do laudo, salvo se existirem elementos que o contrariem ou, ainda, aconselhem sua consideração dentro de contexto mais amplo, o que não é o caso.
Noutro giro, “família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa” é aquela com renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93). Declarado constitucional o dispositivo, consoante exposto pelo E. STF na ADIn n. 1.232-1/DF (j. 27/8/1998), isso não impede, todavia, como assinalado pelos Ministros NELSON JOBIM e SEPÚLVEDA PERTENCE, em seus votos vencedores, a concessão do benefício a pessoas com renda superior a esse limite caso comprovada, de outro modo, a miserabilidade do seu propugnador. Desse modo, relativamente a esse requisito, há que se atentar às circunstâncias do caso concreto. Quanto a isso, nada se alterou com edição da Lei n. 12.435/2011, que, ao conferir nova redação ao art. 20 da Lei n. 8.742/93, manteve essa norma.
Por sua vez, o Plenário do C. STF, em sessão de 18/4/13, apreciando o Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, conforme voto do E. Ministro Gilmar Mendes:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar Mendes, j. em 18/4/13)
Destacou o E. Ministro Relator para o Acórdão, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial."
Ainda, a impedir interpretação literal da regra do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 e ensejar a teleológica, há a do art. 5º da Lei n. 9.533/97, que assegura, no âmbito do PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, garantia mínima a quem aufira renda mensal per capita inferior a meio salário-mínimo, critério mantido no Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação - "Bolsa Escola", criado pela Lei n. 10.219/2001 e regulado pelo Decreto n. 4.313/2002, sem olvidar as normas das Leis n. 10.836/2004, referente ao Bolsa Família, e 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação. Assim como o benefício de assistência continuada (LOAS), todos são benefícios assistenciais, independentes de contribuição.
Além disso, também o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) dispôs não ser o benefício da Lei n. 8.742/93 (LOAS), percebido por outra pessoa da família, impeditivo de sua concessão a outro membro desse grupo se atendidos os demais requisitos da lei. Essa a razão pela qual significativa parcela da jurisprudência entende, por analogia, não se computar, na apuração da renda familiar, outro benefício assistencial ou previdenciário, desde que equivalentes a um salário mínimo, não obstante as ressalvas do § 4º do art. 20 da Lei n. 8.742/93.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição é claro ao definir que, para fins deste benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária, uma vez que deve ser concedido somente àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. O sistema da assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de miséria, e não para incremento de padrão de vida.
Ademais, diante do comando legal, é inviável a concessão do benefício a pessoa que, embora miserável, careça da idade mínima exigida ou não seja portadora de incapacidade total que impeça, pelo prazo mínimo de dois anos, sua inserção social e o exercício de suas atividades laborativa e diária.
Caso dos autos.
No presente caso, os documentos acostados aos autos comprovam a idade avançada da parte autora (66 anos) por ocasião do ajuizamento da ação (em 11/12/15).
Com relação à miserabilidade, observo que o primeiro estudo social (elaborado em 09/12/16, data em que o salário mínimo era de R$880,00 – ID 265904994 – Pág. 79/85), demonstra que o autor, nascido em 14/08/49, reside com sua filha, Sra. Cilene Cristina Borges (nascida em 25/12/69), em casa própria, composta de 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha e 1 banheiro, sem forro, localizada em rua sem asfalto, guarnecida por móveis e utensílios em péssimo estado de conservação. A renda familiar mensal é de R$250,00, proveniente de consertos de costura realizados pela filha do autor. As despesas mensais são de R$300,00 em alimentação, R$45,00 em água, R$ 50,00 em luz, R$ 15,00 em telefone, R$ 60,00 em gás e R$ 250,00 em remédios (quando não possui no SUS). A assistente social concluiu que “Diante dos instrumentais técnicos operativos do Serviço Social utilizados, investigamos o nível de hipossufiiciência econômica do Sr. Braz Borges Aparecído no contexto das suas relações comunitárias e das relações de inserção no mercado de trabalho. A partir dos dados colhidos através do estudo social, constatamos que, no momento, a renda é insuficiente para prover o mínimo necessário para sua sobrevivência. Frente ao estudo social realizado, concluímos como sendo real a condição de hipossuficiência do requerente, objeto desta ação profissional no processo da perícia socioeconômica. Portanto, somos de parecer favorável a concessão do benefício pleiteado, haja vista a sua atual situação de penúria e condição social”.
Por sua vez, no laudo social complementar (ID 265905003 – pág. 1/13), datado de 03/08/20, a assistente social constatou que o autor passou a residir sozinho e que já se encontrava em gozo do benefício assistencial. Por fim, concluiu que o autor “faz jus a continuidade do recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em virtude da sua renda financeira não atender as necessidades básicas vitais da família, conforme preconiza a Constituição Federal”.
Ocorre que, em que pese no primeiro estudo social tenha constado que a filha do autor auferia renda de R$250,00, advinda do conserto de roupas, conforme o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais acostado aos autos (ID 265904994 – Pág. 20/21), observo que ela recolheu contribuições ao RGPS, na condição de contribuinte individual, no valor de um salário mínimo (R$788,00), entre os meses de março a agosto de 2015.
Portanto, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos e não me restringindo exclusivamente ao critério da renda mensal per capita, verifico que o requisito da hipossuficiência se encontra demonstrado apenas a partir de 01/09/15. Dessa forma, limito a concessão do benefício ao interregno de 01/09/15 a 28/11/17.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, tendo em vista o disposto no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Destaco, outrossim, ser vedada a acumulação do benefício assistencial com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos realizados pela autarquia na seara administrativa.
Consoante entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, devendo ser adotado o seguinte entendimento:
1) Até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947/SE; Tema 810; DJE 216, de 22/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
2) A partir do mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito dar-se-á unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência dessa Taxa com qualquer outro critério de juros e correção monetária.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para limitar a concessão do benefício ao interregno de 01/09/15 a 28/11/17, bem como para determinar a incidência da correção monetária e dos juros moratórios conforme acima indicado.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MISERABILIDADE COMPROVADA EM PARTE DO PERÍODO PLEITEADO.
I- O benefício de prestação continuada, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal, estabelece a garantia de um salário mínimo à “pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
II- Com relação à miserabilidade, observa-se que o primeiro estudo social (elaborado em 09/12/16, data em que o salário mínimo era de R$880,00 – ID 265904994 – Pág. 79/85), demonstra que o autor, nascido em 14/08/49, reside com sua filha, Sra. Cilene Cristina Borges (nascida em 25/12/69), em casa própria, composta de 2 quartos, 1 sala, 1 cozinha e 1 banheiro, sem forro, localizada em rua sem asfalto, guarnecida por móveis e utensílios em péssimo estado de conservação. A renda familiar mensal é de R$250,00, proveniente de consertos de costura realizados pela filha do autor. As despesas mensais são de R$300,00 em alimentação, R$45,00 em água, R$ 50,00 em luz, R$ 15,00 em telefone, R$ 60,00 em gás e R$ 250,00 em remédios (quando não possui no SUS). A assistente social concluiu que “Diante dos instrumentais técnicos operativos do Serviço Social utilizados, investigamos o nível de hipossufiiciência econômica do Sr. Braz Borges Aparecído no contexto das suas relações comunitárias e das relações de inserção no mercado de trabalho. A partir dos dados colhidos através do estudo social, constatamos que, no momento, a renda é insuficiente para prover o mínimo necessário para sua sobrevivência. Frente ao estudo social realizado, concluímos como sendo real a condição de hipossuficiência do requerente, objeto desta ação profissional no processo da perícia socioeconômica. Portanto, somos de parecer favorável a concessão do benefício pleiteado, haja vista a sua atual situação de penúria e condição social”.
III- Por sua vez, no laudo social complementar (ID 265905003 – pág. 1/13), datado de 03/08/20, a assistente social constatou que o autor passou a residir sozinho e que já se encontrava em gozo do benefício assistencial. Por fim, concluiu que o autor “faz jus a continuidade do recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em virtude da sua renda financeira não atender as necessidades básicas vitais da família, conforme preconiza a Constituição Federal”.
IV- Ocorre que, em que pese no primeiro estudo social tenha constado que a filha do autor auferia renda de R$250,00, advinda do conserto de roupas, conforme o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais acostado aos autos (ID 265904994 – Pág. 20/21), observa-se que a mesma efetuou recolhimentos ao RGPS, na condição de contribuinte individual, no valor de um salário mínimo (R$788,00), entre os meses de março a agosto de 2015.
V- Portanto, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos e não se restringindo exclusivamente ao critério da renda mensal per capita, verifica-se que o requisito da hipossuficiência se encontra demonstrado apenas a partir de 01/09/15. Dessa forma, a concessão do benefício deve ser limitada ao interregno de 01/09/15 a 28/11/17.
VI- Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, tendo em vista o disposto no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
VII- Destaca-se, outrossim, ser vedada a acumulação do benefício assistencial com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do julgado os pagamentos realizados pela autarquia na seara administrativa.
VIII- Consoante entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, devendo ser adotado o seguinte entendimento: 1) Até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021: (i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947/SE; Tema 810; DJE 216, de 22/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431. 2). A partir do mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito dar-se-á unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência dessa Taxa com qualquer outro critério de juros e correção monetária.
IX- Apelação do INSS parcialmente provida.
