Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001203-39.2019.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal DAVID ROCHA LIMA DE MAGALHAES E SILVA
Órgão Julgador
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
03/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 20 DA LEI 8742/93. ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE
DEFICIENTE PELAS LEIS 12.435/2011 E 12.470/2011. DEFICIÊNCIA COMPROVADA.
MISERABILIDADE. CRITÉRIO OBJETIVO. RENDA PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO-
MÍNIMO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTE DO PRETÓRIO
EXCELSO. RE 567985/MT, RE 580963/PR E RCL 4374/PE. MISERABILIDADE COMPROVADA.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001203-39.2019.4.03.6328
RELATOR:9º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: JUVENCIO JESUS DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: ANA MARIA RAMIRES LIMA - SP194164-A
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
Relatório dispensado nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001203-39.2019.4.03.6328
RELATOR:9º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: JUVENCIO JESUS DA SILVA
Advogado do(a) RECORRENTE: ANA MARIA RAMIRES LIMA - SP194164-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
VOTO - EMENTA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 20 DA LEI 8742/93. ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE
DEFICIENTE PELAS LEIS 12.435/2011 E 12.470/2011. DEFICIÊNCIA COMPROVADA.
MISERABILIDADE. CRITÉRIO OBJETIVO. RENDA PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO
SALÁRIO-MÍNIMO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTE DO
PRETÓRIO EXCELSO. RE 567985/MT, RE 580963/PR E RCL 4374/PE. MISERABILIDADE
COMPROVADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE AUTORA
PROVIDO.
1. Ação proposta para obtenção do benefício de assistencial de prestação continuada (amparo
ao deficiente) cujo pedido fora julgado improcedente.
2. Recurso da parte autora no qual alega ter direito ao benefício por estarem caracterizadas nos
autos a deficiência e a miserabilidade.
3. Inicialmente, concedo o benefício da justiça gratuita.
4. Assiste razão à parte recorrente.
5. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal estabelece como parâmetro para a concessão
do benefício assistencial a coexistência de dois pressupostos, de um lado, ser a pessoa idosa
ou com deficiência, e de outro lado, a hipossuficiência econômica. Tais requisitos estão
disciplinados no art. 20 da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS).
6. O conceito de pessoa portadora de deficiência para fins de recebimento do benefício
assistencial foi alterado pelas leis ns. 12.435/2011 e 12.470/2011. Atualmente, pessoa com
deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Nos termos
do art. 20, § 10, da Lei n. 8.742/93, considera-se impedimento de longo prazo aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de dois anos. Assim, não há óbice à concessão do benefício
ao portador de incapacidade parcial, na medida em que sua deficiência pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade.
7. Nos termos da súmula 48 da TNU, alterada em abril de 2019, “para fins de concessão do
benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não
se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração
de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso
concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação”.
8. Em perícia realizada em 17.09.2020, após analisar o histórico clínico e documentos médicos
da parte autora (58 anos), o perito judicial apresentou a seguinte conclusão:
(...) Periciado Juvêncio Jesus Da Silva de 57 anos, faz uso crônico de álcool e tabaco desde a
infância com piora progressiva, em uso de medicação continua sem melhora do quadro,
histórico de 8 internações psiquiátricas por abuso de álcool sem sucesso no tratamento, com
patologias ortopédicas associadas a seu quadro clinico segundo laudos, aguardando cirurgia
ortopédica.
Com mudanças no comportamento, diminuição da produtividade, riscos enfrentados, relações
interpessoais, falta de comprometimento com suas obrigações, absenteísmo, necessidade de
assistência de profissionais da saúde e demais fatores que contribuem negativamente para as
relações pessoais e interpessoais, dificultando atividades laborais.(...) (d.n).
8.1 O perito judicial sugeriu reavaliação em 18 meses a contar da perícia judicial. Assim,
considerando os apontamentos do perito judicial com o histórico clínico do autor, entendo que
restou configurado impedimento de longo prazo de natureza física e mental, as quais, em
interação com diversas barreiras obstrui a participação plena e efetiva do autor na sociedade,
em igualdade de condições com as demais pessoas. Deficiência comprovada. Passo a me
manifestar a respeito da hipossuficiência econômica.
9. Critério objetivo da miserabilidade de ¼ do salário mínimo, previsto pelo art. 20, §3º, da Lei
8742/1993, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, conforme RE
567.985/MT, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 17 e
18.4.2013, RE 580.963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 17 e 18.4.2013 e Rcl 4374/PE, rel. Min.
Gilmar Mendes, 18.4.2013 (Fonte: Informativo de Jurisprudência n° 702 – Brasília 15 a 19 de
abril de 2013). O Supremo apontou a utilização do valor de meio salário mínimo como valor
padrão da renda familiar per capita para análise do preenchimento do requisito da
hipossuficiência econômica, que deve ser analisado em conjunto com as peculiaridades do
caso concreto. Nas referidas decisões, também foi declarada a inconstitucionalidade parcial,
sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, ao entender que
não há justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos
idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares
de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.
9.1 Insta mencionar a súmula n. 22 da Turma Regional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais da 3ª Região (TRU): “Apenas os benefícios previdenciários e assistenciais
no valor de um salário mínimo recebidos por qualquer membro do núcleo familiar devem ser
excluídos para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de
benefício de prestação continuada”.
9. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), em decisão
proferida em 09.04.2014, no processo n. 5009459-52.2011.4.04.7001, entendeu que o critério
legal objetivo não deve ser o único na aferição da miserabilidade para a concessão do benefício
assistencial (LOAS). Para a TNU, a miserabilidade não pode ser presumida, muito menos de
forma absoluta, sobretudo quando outros elementos de convicção apontam no sentido da sua
ausência. Fundamenta, ainda, que a adoção da presunção de miserabilidade baseada
exclusivamente na renda formal, retira do juiz o livre convencimento motivado com base na
prova dos autos.
9.1 Nesse passo, recentemente, foi editada a Súmula n. 21 pela Turma Regional de
Uniformização do TRF da 3ª Região, dispondo que “na concessão do benefício assistencial,
deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando
presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em
caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”. (g.n)
10. Com relação ao conceito de núcleo familiar para fins de apuração da renda “per capita” na
aferição da miserabilidade, consolidou-se o entendimento de que na composição da renda, a
noção de grupo familiar deve ser obtida mediante interpretação restritiva das disposições
contidas no § 1°, do art. 20, da Lei n. 8.742/93 e no art. 16, da Lei n. 8213/91, devendo ser
levada em consideração a redação dos dispositivos em vigor na data do requerimento do
benefício. (TNU, PEDILEF 200663010523815, Relator Juiz Federal Alcides Saldanha Lima,
julgado em 16.08.2012, DOU 31.08.2012). No entanto, é fundamental a análise do caso
concreto à luz do princípio da razoabilidade, para considerar a situação econômica dos
ascendentes e descendentes, quando se verificar sinais de riqueza que imponha o dever de
alimentos.
10.1 Por sua vez, cumpre destacar a súmula n. 23 da TRU: “O benefício de prestação
continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever
legal de prestar alimentos previsto no Código Civil".
11. No presente caso, o grupo familiar é composto pelo autor, sua esposa, o filho Rafael (22
anos) e a filha Dayane (25 anos). A subsistência da família é provida pelo bolsa família que a
esposa do autor recebe no valor de R$139,00 e pelos “bicos” que seu filho faz como servente
de pedreiro, de forma que a renda per capita não supera meio salário-mínimo. Verifica-se pela
descrição do laudo social, bem como pelas fotos a ele anexadas, que o imóvel é bem simples e
não traz qualquer objeto que revele renda não declarada. A residência é própria (pagam
prestação) de alvenaria, conta com cinco cômodos (dois quartos, sala, cozinha e banheiro), a
pintura encontra-se desgastada, não possui muro frontal (os muros laterais e do fundo da casa
foram os vizinhos que construíram). Assim, entendo que a miserabilidade restou devidamente
comprovada.
12. Diante do exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para reformar a sentença e
julgar procedente o pedido, condenando o INSS a conceder o benefício assistencial a partir do
requerimento administrativo (07/05/2018), pois nesta data o requisito da deficiência já estava
presente e considerando que não há nos autos provas de que a situação socioeconômica da
parte autora era outra.
13. Ressalvado meu entendimento pessoal, prevaleceu o entendimento nesta Turma de que o
valor da causa, para fins de definição da competência dos Juizados Especiais Federais, deve
corresponder, na data do ajuizamento da demanda, à soma das parcelas vencidas e das doze
parcelas vincendas, devendo ser facultada à parte autora a possibilidade de renúncia expressa
ao excedente.
14. A elaboração dos cálculos ficará a cargo de quem o Juízo de origem determinar segundo a
legislação vigente à época da execução e os valores devidos a título de atrasados deverão ser
pagos, após o trânsito em julgado, descontados os valores pagos administrativamente e
observado o lustro prescricional do artigo 103, parágrafo único da Lei 8.213/1991.
14.1 Desde logo consigno que não há qualquer ilegalidade na eventual determinação de
elaboração dos cálculos pelo réu. Isto porque, em se tratando de obrigação de fazer, a aferição
do quantum devido pela autarquia ré em nada influenciará na prestação jurisdicional que ora
decide o mérito desta demanda. Por outro lado, não se pode ignorar o dado da realidade de que
o Instituto Previdenciário possui aparelhamento e recursos técnicos muito mais adequados à
realização dos cálculos necessários ao cumprimento desta condenação judicial, tendo em vista
sua atribuição ordinária de proceder à manutenção de todos os benefícios previdenciários e
assistenciais e respectivos banco de dados, disponíveis no sistema informatizado, bem como
aplicar as revisões e reajustamentos devidos. A realização dos cálculos pelo setor responsável
do Poder Judiciário, compreensivelmente mais reduzido, certamente comprometeria a
celeridade da prestação jurisdicional, além de implicar dispêndio muito maior de recursos
humanos e econômicos.
15. Quanto a atualização monetária e juros de mora, devem ser aplicados os critérios regulados
no vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução 658/2020 do CJF) e eventuais
subsequentes alterações por ocasião da execução. O referido Manual está em consonância
com a jurisprudência do STF (tema 810) e do STJ (tema 905).
16. Antecipada a tutela para implementação imediata do benefício haja vista preenchidos os
requisitos da verossimilhança das alegações conforme acima afirmado, bem como o risco de
dano em virtude do caráter alimentar da verba.
16.1. Oficie-se, com urgência, ao INSS para cumprimento da presente decisão, no prazo de 45
(quarenta e cinco) dias, implantando o benefício objeto desta demanda.
16.2. Caso ocorra descumprimento injustificado, caberá ao Juízo da execução fixar as medidas
que entenda cabíveis.
17. Por fim, consigno que o acórdão que contenha os parâmetros para a elaboração dos
cálculos de liquidação atende ao disposto no artigo 38, parágrafo único da Lei 9.099/1995 nos
termos do Enunciado 32 do FONAJEF e da Súmula 318, do Superior Tribunal de Justiça.
18. No que toca aos honorários de advogado, como a Lei 9.099/1995 é norma especial (que
derroga a norma geral do CPC/2015, segundo o princípio lex specialis derogat generali), deixo
de condenar quaisquer das partes a esse título, com fulcro no artigo 55 da Lei em comento c/c
artigo 1° da Lei 10.259/2001, em face de não haver recorrente integralmente vencido.
É como voto.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2022 (data do julgamento).
JUIZ FEDERAL RELATOR
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 20 DA LEI 8742/93. ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE
DEFICIENTE PELAS LEIS 12.435/2011 E 12.470/2011. DEFICIÊNCIA COMPROVADA.
MISERABILIDADE. CRITÉRIO OBJETIVO. RENDA PER CAPITA INFERIOR A ¼ DO
SALÁRIO-MÍNIMO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PRECEDENTE DO
PRETÓRIO EXCELSO. RE 567985/MT, RE 580963/PR E RCL 4374/PE. MISERABILIDADE
COMPROVADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE AUTORA
PROVIDO. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso da parte autora., nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
