Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002032-08.2018.4.03.6121
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
28/09/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 30/09/2021
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. PESSOA PORTADORA
DE DEFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. PEDIDO
IMPROCEDENTE. REQUISITOS CUMULATIVOS.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo deprecado, tendo
sido apresentado o respectivo parecer técnico, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido
de realização de nova prova pericial. O laudo encontra-se devidamente fundamentado e com
respostas claras e objetivas, sendo despicienda a realização de novo exame por profissional
especializado em neurologia. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto
probatório, pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo
único do art. 370 do CPC/15.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- Para a comprovação da incapacidade, foi realizada perícia médica. Afirmou o esculápio
encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos
autos, que o autor é portador de transtorno do desenvolvimento de habilidade escolar – CID10
F819, concluindo pela constatação da incapacidade parcial e temporária, suscetível de
recuperação mediante tratamento com especialidade médica específica neurológica e
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
psicológica. Enfatizou categoricamente que a doença não o incapacita para o exercício de
atividade laborativa e o desempenho de funções da vida diária. Assim, não comprovado o
requisito do impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência ficou
demonstrado.
V- Não preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos necessários para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei nº 8.742/93, não há
como possa ser deferido o benefício assistencial.
VI- Rejeitada a matéria preliminar. No mérito, apelação da parte autora improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002032-08.2018.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ITALO LOBO DA SILVA PEREIRA
REPRESENTANTE: VIVIANE APARECIDA LOBO PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA RUBACK ALVES FARIA - SP260585-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002032-08.2018.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ITALO LOBO DA SILVA PEREIRA
REPRESENTANTE: VIVIANE APARECIDA LOBO PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA RUBACK ALVES FARIA - SP260585-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 10/7/12 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia, ainda, que o termo inicial seja fixado
desde a data do requerimento administrativo, bem como a tutela antecipada.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
A parte autora informou ao Juízo da 2ª Vara Federal de Taubaté/SP, a mudança de endereço
para a Comarca de Rolim de Moura, Estado de Rondônia.
Foi determinada a expedição de carta precatória para a Comarca de Rolim de Moura/RO, a fim
de realização das perícias médica e social.
O Juízo a quo, em 31/10/17, julgou improcedente o pedido, sob o fundamento da ausência de
comprovação do requisito da deficiência. Condenou o demandante ao pagamento das
despesas processuais, além de honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor
atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/15.
Sem custas.
Inconformada, apelou a parte autora, alegando em síntese:
a) Preliminarmente:
- a necessidade de anulação do decisum, em razão do cerceamento de defesa, ante o
indeferimento da realização de nova perícia, com especialista em neurologia.
b) No mérito:
- não haver sido levada em consideração a ineficiência do Estado, ao não assegurar tratamento
neurológico e psicológico em instituição adequada, persistindo a incapacidade e
- o estado de vulnerabilidade social atestado pelo assistente social no estudo socioeconômico.
- Requer a reforma da R. sentença, para ser julgado procedente o pedido, concedendo o
benefício assistencial desde a data do requerimento administrativo, em 12/12/11.
Foram apresentadas contrarrazões pelo INSS.
Após a virtualização do processo físico 0002490-23.2012.4.03.6121, subiram os autos a esta E.
Corte.
Os autos foram baixados em diligência à Vara de Origem, a fim de proceder à digitalização das
folhas faltantes, conforme manifestação do Ministério Público Federal.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 254/257 (id. 152085645 – págs. 1/4), opinando pelo
não provimento do recurso.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002032-08.2018.4.03.6121
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ITALO LOBO DA SILVA PEREIRA
REPRESENTANTE: VIVIANE APARECIDA LOBO PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELISANGELA RUBACK ALVES FARIA - SP260585-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
observo que a perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo
deprecado, tendo sido apresentado o respectivo parecer técnico, motivo pelo qual não merece
prosperar o pedido de realização de nova prova pericial. O laudo encontra-se devidamente
fundamentado e com respostas claras e objetivas, sendo despicienda a realização de novo
exame por profissional especializado em neurologia.
Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto probatório, pode concluir pela
dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo único do art. 370 do CPC/15.
Passo à análise do mérito.
Não merece prosperar o recurso interposto.
Dispõe o art. 203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses,
que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização
das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender
como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para
promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade.
Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A
incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a
caracterização da incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V,
da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei).
Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de
concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C.
Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido
formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário
nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar
Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para
aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem
o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos
autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de
um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de
um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples
e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição
desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os
beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria
direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da
Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre
o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
Para a comprovação da alegada deficiência, foi realizada perícia judicial, tendo sido elaborado o
respectivo parecer técnico datado de 22/10/14 e juntado a fls. 249 (id. 146341404 – pág. 5).
Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da
documentação médica dos autos, que o autor é portador de transtorno do desenvolvimento de
habilidade escolar – CID10 F819, concluindo pela constatação da incapacidade parcial e
temporária, suscetível de recuperação mediante tratamento com especialidade médica
específica neurológica e psicológica. Enfatizou categoricamente que a doença não o incapacita
para o exercício de atividade laborativa e o desempenho de funções da vida diária. Assim, não
comprovado o requisito do impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 4/1/16, data em que o salário
mínimo era de R$ 880,00) demonstra que o autor de 15 anos, reside com a genitora Viviane
Aparecida Lobo Pereira, separada, de 37 anos, e os irmãos Guilherme, de 17 anos, Amanda
Alves Lobo Pereira, de 19 anos e o menor Luiz Otávio, de 6 meses. A casa própria em que
residem em Rolim de Moura/RO, é construída em alvenaria, constituída por 7 cômodos, sendo
três quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, paredes sem reboco, parcialmente
forrado, piso no contra piso, e guarnecida por móveis e eletrodomésticos básicos. Recebe cesta
básica da Paróquia Nossa Senhora Aparecida. A renda familiar é proveniente da pensão
alimentícia recebida pela genitora, no valor de R$ 500,00, paga pelo genitor Luiz Carlos Pereira,
pedreiro, auferindo a remuneração de R$ 1.100,00. Os gastos mensais ficam em torno de R$
45,00 em energia elétrica e R$ 60,00 em água.
Não obstante a genitora e os dois filhos maiores estejam em idade produtiva, não justificando a
ausência de exercício de atividade laborativa, as fotografias da residência familiar acostadas ao
estudo socioeconômico retratam a situação de vulnerabilidade social (fls. 139/144 – id.
95654212 – págs. 43/48).
No entanto, em se tratando de requisitos cumulativos, não tendo sido constatada a deficiência,
não há como possa ser deferido o benefício assistencial.
Como bem asseverou a I. Representante do Parquet Federal a fls. 257 (id. 152085645 – pág.
4), "A concessão do benefício assistencial, quando se trata de criança cuja incapacidade para o
trabalho é inerente à própria idade, só é viável quando as limitações impostas pela doença
impliquem ônus econômicos excepcionais à sua família, pela exigência de dispêndios
incompatíveis com seus recursos, como com remédios ou tratamentos médicos não fornecidos
pelo Poder Público, ou pela grave afetação na sua capacidade de angariar renda, limitando ou
impossibilitando os membros produtivos do núcleo de trabalhar, pelos cuidados necessários à
deficiência do menor. A responsabilidade estatal não pode ser ampliada de maneira irrestrita,
sob pena de se frustrarem outras políticas públicas, prejudicando aqueles que realmente
necessitam do auxílio: os deficientes em idade laboral sem qualquer família que os ampare, por
exemplo. De fato, o benefício não deve ser prodigalizado a ponto de reforçar a renda de quem
tem o indispensável amparo da família e dos serviços públicos de saúde, sob pena de sua
descaracterização e da falta recursos para que seja concedido a quem realmente dele precisa
para sobreviver. Desta feita, sem embargo do comprovado problema de saúde atravessado
pelo menor em tenra idade e das supostas dificuldades financeiras vivenciadas atualmente pela
família, não foi verificada a presença dos requisitos legais de forma cumulativa, única maneira
de se fazer jus à concessão do benefício."
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação da parte
autora.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. PESSOA
PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. MISERABILIDADE
DEMONSTRADA. PEDIDO IMPROCEDENTE. REQUISITOS CUMULATIVOS.
I- A perícia médica foi devidamente realizada por Perito nomeado pelo Juízo deprecado, tendo
sido apresentado o respectivo parecer técnico, motivo pelo qual não merece prosperar o pedido
de realização de nova prova pericial. O laudo encontra-se devidamente fundamentado e com
respostas claras e objetivas, sendo despicienda a realização de novo exame por profissional
especializado em neurologia. Cumpre ressaltar que o magistrado, ao analisar o conjunto
probatório, pode concluir pela dispensa de produção de outras provas, nos termos do parágrafo
único do art. 370 do CPC/15.
II- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
III- Para a comprovação da incapacidade, foi realizada perícia médica. Afirmou o esculápio
encarregado do exame, com base no exame clínico e análise da documentação médica dos
autos, que o autor é portador de transtorno do desenvolvimento de habilidade escolar – CID10
F819, concluindo pela constatação da incapacidade parcial e temporária, suscetível de
recuperação mediante tratamento com especialidade médica específica neurológica e
psicológica. Enfatizou categoricamente que a doença não o incapacita para o exercício de
atividade laborativa e o desempenho de funções da vida diária. Assim, não comprovado o
requisito do impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
IV- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência ficou
demonstrado.
V- Não preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos necessários para a concessão do
benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal, consoante dispõe a Lei nº 8.742/93, não
há como possa ser deferido o benefício assistencial.
VI- Rejeitada a matéria preliminar. No mérito, apelação da parte autora improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
