Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5251383-98.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
26/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 31/08/2020
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (71 anos) à época do ajuizamento da ação (em 21/12/17).
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a autora de 73 anos, sem renda,
reside com o marido Francisco Martins Ribeiro Filho, de 71 anos, em casa própria há 14 anos,
erguida com materiais de construção doados por fiéis da Igreja que o casal frequenta, sobre
terreno recebido em doação da Sra. Adeilda Rodrigues de Matos, portadora do RG nº
13.033.547-2. O imóvel em bom estado de conservação é constituído de dois quartos, sala,
cozinha, banheiro e lavanderia, guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos também em
sua maioria obtidos por meio de doações. Casados há 50 anos, possuem 4 filhos, sendo Sueli,
solteira e "do lar", residindo no Município de Paranapanema/SP com as filhas maiores; Roseli,
casada, serviços gerais e salário de R$ 1.175,00, reside em Avaré/SP, com um filho menor;
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Adenilson, casado, motorista de carreta com salário de R$ 2.400,00, dois filhos menores, reside
em Pratânia/SP; e Hildo, casado, auxiliar administrativo em fazenda com salário de R$ 1.600,00,
com duas filhas menores, reside em Itatinga/SP. "A Sr.ª Gildásia justificou que mantém contato
com todos os filhos, mas não recebe ajuda financeira dos mesmos ou de parentes próximos, e
declarou não receber benefício de órgão assistencial" (fls. 124 – id. 132203875 – pág. 2). O
marido é proprietário do veículo modelo Ford Escort ano de 1992. Foi informado pela assistente
social que a requerente possui pressão alta, problemas musculares, enxaqueca, labirintite,
glaucoma, utilizando meias de compressão, e o esposo sofre do mal de Parkinson, pressão alta,
diabetes, úlcera nervosa, e foi submetido em 2019 a cirurgia de hérnia. A renda mensal no valor
de um salário mínimo é proveniente dos proventos de aposentadoria do marido. Os gastos
mensais abrangem aproximadamente R$ 72,00 em energia elétrica, R$ 475,00 em alimentação,
R$ 333,00 em medicamentos, sem despesas com abastecimento de água/esgoto.
IV- Há que se registrar que os filhos economicamente ativos residem em outros municípios,
recebem remunerações razoáveis, com aptidão para prover o sustento de suas próprias famílias,
não devendo ser considerados no cômputo da renda familiar per capita, bem como os proventos
de aposentadoria percebidos pelo marido, no valor de um salário mínimo, concluindo-se ser a
mesma nula. Ademais, impende salientar tratar-se de casal de idosos, com vários problemas de
saúde e gastos em medicamentos.
V- Conforme documento de fls. 36 (id. 132203838 – pág. 19), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 29/8/17, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
No tocante ao termo final dos juros de mora, o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 579.431, em 19/4/17, firmou o seguinte
posicionamento: "Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização
dos cálculos e a da requisição ou do precatório". Dessa forma, devem ser computados os juros
de mora entre a data da conta e a expedição do ofício requisitório (RPV ou precatório).
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à base de cálculo, devem ser
levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos
da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Recurso adesivo da autora parcialmente provido. Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251383-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILDASIA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251383-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILDASIA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 21/12/17 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de ser pessoa idosa (71 anos à época do ajuizamento da ação) e não possuir meios
de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia, ainda, a fixação do
termo inicial do benefício desde o requerimento administrativo indeferido (29/8/17).
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo, em 29/2/20, julgou procedente o pedido, condenando o INSS a implantar o
benefício requerido em favor da autora, "com início no mês de sua citação nestes autos (e não do
indeferimento administrativo)" (fls. 144 – id. 132203882 – pág. 4). Condenou, ainda, o INSS, a
arcar com custas processuais (Súmula 178 do C. STJ), bem como honorários advocatícios
fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, salvo as
isenções legais.
Embargos de declaração opostos pela demandante, alegando omissão no tocante à correção
monetária e juros moratórios, e obscuridade quando ao termo inicial do benefício, foram
improvidos em 9/3/20.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- não haver sido demonstrada a hipossuficiência do núcleo familiar, vez que o marido recebe
aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo, e os 3 (três) filhos trabalham, recebendo
remunerações, a justificar a desnecessidade de intervenção estatal posto que subsidiária, motivo
pelo qual deve ser reformada a R. sentença para julgar improcedente o pedido.
Por sua vez, adesivamente recorreu a parte autora, requerendo, em síntese:
- a alteração do termo inicial para a data da entrada do requerimento administrativo em 29/8/17;
- a incidência da correção monetária desde o vencimento de cada prestação nos termos das
Súmulas 8 e 148 do C. STJ, e dos juros moratórios a contar da citação válida até a data da
expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, conforme o decidido no RE nº
579.431/SP, de acordo com a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança e
- a majoração da verba honorária para 20% sobre o valor da condenação.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
O Ministério Público Federal, a fls. 198/202 (id. 133636847 – págs. 1/5), pugnou pelo regular
prosseguimento e julgamento do feito, inexistindo interesse público a justificar a intervenção
ministerial, tratando-se de pretensão formulada por pessoa capaz e devidamente representada.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5251383-98.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GILDASIA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA
MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto os
documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte autora
(71 anos) à época do ajuizamento da ação (em 21/12/17).
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 7/11/19, data em que o
salário mínimo era de R$ 998,00), demonstra que a autora de 73 anos, sem renda, reside com o
marido Francisco Martins Ribeiro Filho, de 71 anos, em casa própria há 14 anos, erguida com
materiais de construção doados por fiéis da Igreja que o casal frequenta, sobre terreno recebido
em doação da Sra. Adeilda Rodrigues de Matos, portadora do RG nº 13.033.547-2. O imóvel em
bom estado de conservação é constituído de dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavanderia,
guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos também em sua maioria obtidos por meio de
doações. Casados há 50 anos, possuem 4 filhos, sendo Sueli, solteira e "do lar", residindo no
Município de Paranapanema/SP com as filhas maiores; Roseli, casada, serviços gerais e salário
de R$ 1.175,00, reside em Avaré/SP, com um filho menor; Adenilson, casado, motorista de
carreta com salário de R$ 2.400,00, dois filhos menores, reside em Pratânia/SP; e Hildo, casado,
auxiliar administrativo em fazenda com salário de R$ 1.600,00, com duas filhas menores, reside
em Itatinga/SP. "A Sr.ª Gildásia justificou que mantém contato com todos os filhos, mas não
recebe ajuda financeira dos mesmos ou de parentes próximos, e declarou não receber benefício
de órgão assistencial" (fls. 124 – id. 132203875 – pág. 2). O marido é proprietário do veículo
modelo Ford Escort ano de 1992. Foi informado pela assistente social que a requerente possui
pressão alta, problemas musculares, enxaqueca, labirintite, glaucoma, utilizando meias de
compressão, e o esposo sofre do mal de Parkinson, pressão alta, diabetes, úlcera nervosa, e foi
submetido em 2019 a cirurgia de hérnia. A renda mensal no valor de um salário mínimo é
proveniente dos proventos de aposentadoria do marido. Os gastos mensais abrangem
aproximadamente R$ 72,00 em energia elétrica, R$ 475,00 em alimentação, R$ 333,00 em
medicamentos, sem despesas com abastecimento de água/esgoto.
Há que se registrar que os filhos economicamente ativos residem em outros municípios, recebem
remunerações razoáveis, com aptidão para prover o sustento de suas próprias famílias, não
devendo ser considerados no cômputo da renda familiar per capita, bem como os proventos de
aposentadoria percebidos pelo marido, no valor de um salário mínimo, concluindo-se ser a
mesma nula. Ademais, impende salientar tratar-se de casal de idosos, com vários problemas de
saúde e gastos em medicamentos.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observa-se que o requisito da
hipossuficiência está demonstrado no presente feito.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento de fls. 36 (id. 132203838 – pág. 19), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 29/8/17, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro
Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13, DJe 18/9/13).
Importante deixar consignado que os pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela
autarquia na esfera administrativa devem ser deduzidos na fase de execução do julgado.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os
posicionamentos firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema
810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o
IPCA-E nos processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
Quadra ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do
INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do
IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se
trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir
que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos
benefícios de natureza previdenciária." Outrossim, como bem observou o E. Desembargador
Federal João Batista Pinto Silveira: "Importante ter presente, para a adequada compreensão do
eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-
E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a
TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo
STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões
judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação." (TRF-
4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
A taxa de juros deve incidir de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905). No tocante ao termo final dos juros de mora, o C. Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 579.431, em
19/4/17, firmou o seguinte posicionamento: "Incidem os juros da mora no período compreendido
entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório". Dessa forma, devem
ser computados os juros de mora entre a data da conta e a expedição do ofício requisitório (RPV
ou precatório).
A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente
o serviço profissional prestado, nos termos do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava
Turma.
No que se refere à base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas
até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Por fim, no que tange ao prequestionamento da matéria, para fins de interposição de recursos
aos tribunais superiores, não merece prosperar a alegação da autarquia de ofensa aos
dispositivos legais e constitucionais, considerando que houve análise da apelação em todos os
seus aspectos.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso adesivo da autora para fixar o termo inicial do
benefício na data do requerimento administrativo em 29/8/17, e determinar a incidência da
correção monetária e juros moratórios na forma acima indicada, e nego provimento à apelação do
INSS.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto
os documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte
autora (71 anos) à época do ajuizamento da ação (em 21/12/17).
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que a autora de 73 anos, sem renda,
reside com o marido Francisco Martins Ribeiro Filho, de 71 anos, em casa própria há 14 anos,
erguida com materiais de construção doados por fiéis da Igreja que o casal frequenta, sobre
terreno recebido em doação da Sra. Adeilda Rodrigues de Matos, portadora do RG nº
13.033.547-2. O imóvel em bom estado de conservação é constituído de dois quartos, sala,
cozinha, banheiro e lavanderia, guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos também em
sua maioria obtidos por meio de doações. Casados há 50 anos, possuem 4 filhos, sendo Sueli,
solteira e "do lar", residindo no Município de Paranapanema/SP com as filhas maiores; Roseli,
casada, serviços gerais e salário de R$ 1.175,00, reside em Avaré/SP, com um filho menor;
Adenilson, casado, motorista de carreta com salário de R$ 2.400,00, dois filhos menores, reside
em Pratânia/SP; e Hildo, casado, auxiliar administrativo em fazenda com salário de R$ 1.600,00,
com duas filhas menores, reside em Itatinga/SP. "A Sr.ª Gildásia justificou que mantém contato
com todos os filhos, mas não recebe ajuda financeira dos mesmos ou de parentes próximos, e
declarou não receber benefício de órgão assistencial" (fls. 124 – id. 132203875 – pág. 2). O
marido é proprietário do veículo modelo Ford Escort ano de 1992. Foi informado pela assistente
social que a requerente possui pressão alta, problemas musculares, enxaqueca, labirintite,
glaucoma, utilizando meias de compressão, e o esposo sofre do mal de Parkinson, pressão alta,
diabetes, úlcera nervosa, e foi submetido em 2019 a cirurgia de hérnia. A renda mensal no valor
de um salário mínimo é proveniente dos proventos de aposentadoria do marido. Os gastos
mensais abrangem aproximadamente R$ 72,00 em energia elétrica, R$ 475,00 em alimentação,
R$ 333,00 em medicamentos, sem despesas com abastecimento de água/esgoto.
IV- Há que se registrar que os filhos economicamente ativos residem em outros municípios,
recebem remunerações razoáveis, com aptidão para prover o sustento de suas próprias famílias,
não devendo ser considerados no cômputo da renda familiar per capita, bem como os proventos
de aposentadoria percebidos pelo marido, no valor de um salário mínimo, concluindo-se ser a
mesma nula. Ademais, impende salientar tratar-se de casal de idosos, com vários problemas de
saúde e gastos em medicamentos.
V- Conforme documento de fls. 36 (id. 132203838 – pág. 19), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora de deficiência em 29/8/17, motivo pelo qual o termo inicial de
concessão do benefício deve ser fixado na data do pedido na esfera administrativa, conforme
jurisprudência pacífica do C. STJ.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. A taxa de juros deve incidir de acordo
com a remuneração das cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09), conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).
No tocante ao termo final dos juros de mora, o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 579.431, em 19/4/17, firmou o seguinte
posicionamento: "Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização
dos cálculos e a da requisição ou do precatório". Dessa forma, devem ser computados os juros
de mora entre a data da conta e a expedição do ofício requisitório (RPV ou precatório).
VII- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera
condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à base de cálculo, devem ser
levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos
da Súmula nº 111, do C. STJ.
VIII- Recurso adesivo da autora parcialmente provido. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso adesivo da autora e negar provimento à
apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
