Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5000817-37.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
30/08/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/09/2018
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS DANOS MORAIS. MULTA DIÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-se
demonstrado no presente feito.
III- No tocante ao pedido de indenização por dano moral requerido pela parte autora, não constitui
ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento ou suspensão de benefício previdenciário pelo
INSS, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que a autarquia atua no seu legítimo
exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua
competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do segurado
acarrete indenização por dano moral.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
IV-Conforme documento juntado aos autos (fls. 120, 202 e 206), a parte autora formulou pedido
de amparo social à pessoa portadora ao idoso em 24/8/09 (com indeferimento na mesma data) e
em 18/2/13 (com indeferimento em 27/2/13). Conforme consulta realizada no Cadastro Nacional
de Informações Sociais – CNIS e Sistema Único de Benefícios – DATAPREV (fls. 204 e 205),
verifica-se que o autor percebe aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo desde
28/4/92 e que não possui vínculos empregatícios desde a referida data. Dessa forma, é possível
concluir que a autora preenchia o requisito da miserabilidade na época do primeiro requerimento
administrativo (24/8/09), motivo pelo qual o termo inicial do benefício deve ser fixado na referida
data, que coincide com a data do indeferimento, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ
(AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13,
DJe 18/9/13).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VI- Com relação aos honorários advocatícios, os mesmos devem ser fixados nos termos do art.
21, caput, do Código de Processo Civil/73, tendo em vista que ambos foram simultaneamente
vencedores e vencidos.
VII- Quanto ao valor da multa, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento "no
sentido de que a multa prevista no art. 461 do CPC, por não fazer coisa julgada material, pode ter
seu valor e periodicidade modificados a qualquer tempo pelo juiz, quando for constatado que se
tornou insuficiente ou excessiva" (REsp nº 708.290/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, j. 26/06/2007, v.u., DJ 06/08/2007). Considerando-se, portanto, a interpretação dada pelo
C. STJ ao então vigente art. 461, §6º, do CPC/73 (atual art. 537, § 1º, do CPC/2015), inócua seria
a apreciação, nesta fase, de qualquer insurgência por parte da autarquia, uma vez que, caso a
parte contrária deseje executar, posteriormente, o valor da multa cominada, poderá o juiz -
segundo o seu entendimento - modificar o seu valor, caso reconheça que se tornou excessiva.
VIII- O valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R.
sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
IX- Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação da parte autora improvida. Remessa oficial
não conhecida.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000817-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: VERONICA ROSA DA COSTA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERONICA ROSA DA
COSTA
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391-A
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000817-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: VERONICA ROSA DA COSTA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERONICA ROSA DA
COSTA
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de idosa e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. Requer, ainda, a condenação da autarquia em danos morais.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo o benefício requerido a
partir do indeferimento administrativo, acrescido de correção monetária nos termos do art. 1º-F da
Lei nº 9.494/97, Súmulas nº 148 do C. STJ e 8 do TRF3 e do Manual de Cálculos da Justiça
Federal. Os juros moratórios foram fixados em 1% ao mês a contar da citação. Houve
sucumbência recíproca, condenando ambas as partes ao pagamento de metade dos honorários
advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas. Concedeu a tutela de
urgência, determinando a expedição de ofício para implantação, sob pena de multa diária.
Inconformada, apelou a parte autora, requerendo em síntese:
- a condenação da autarquia em danos morais arbitrados em R$50.000,00;
- o afastamento da sucumbência recíproca, uma vez que a parte autora decaiu de parte mínima
do pedido;
- que a base de cálculos dos honorários advocatícios inclua os valores já pagos a título de tutela
antecipada e
- a fixação de multa diária à autarquia.
Por sua vez, a autarquia também recorreu, alegando em síntese:
- a não comprovação do requisito da miserabilidade.
- Caso não seja acolhida a alegação acima mencionada, requer que o termo inicial do benefício
seja fixado a partir da juntada do laudo aos autos e a incidência da correção monetária e dos
juros moratórios nos termos da Lei nº 11.960/09.
Com contrarrazões, e submetida a sentença ao duplo grau obrigatório, subiram os autos a esta E.
Corte.
Parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não provimento das apelações e “pugna
pelo suprimento da omissão quanto à fixação do termo inicial do benefício, que deve
corresponder à data do primeiro requerimento administrativo (24/8/2009)”.
É o breve relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5000817-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: VERONICA ROSA DA COSTA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERONICA ROSA DA
COSTA
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: JAIR DOS SANTOS PELICIONI - MS2391
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do requisito etário porquanto os
documentos acostados aos autos comprovam inequivocamente a idade avançada da parte autora
(87 anos) à época do ajuizamento da ação (em 15/8/13).
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 30/9/13, data em que o
salário mínimo era de R$678,00 reais), demonstra que a autora reside com seu marido, de 82
anos, em casa própria, construída em alvenaria, antiga, coberta por telhas de barro, forrada com
“pinus”, janelas e portas de esquadrias metálicas, piso de cerâmica, composta por varanda na
frente, sala, 2 quartos, pequena sala, cozinha, banheiro com chuveiro elétrico e varanda nos
fundos. A casa é guarnecida com poucos móveis e simples, mas em bom estado de conservação
e é localizada em rua sem pavimentação asfáltica, rede de esgoto, hospital e transporte público.
A renda familiar mensal é de um salário mínimo, proveniente da aposentadoria de seu marido. As
despesas mensais são de R$350,00 em alimentação, R$38,00 em energia elétrica, R$27,00 em
água e R$45,00 em gás.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, observo que o requisito da
miserabilidade encontra-se demonstrado no presente feito.
Cumpre ressaltar que o benefício deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica,
nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de execução do
julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
No tocante ao pedido de indenização por dano moral requerido pela parte autora, não constitui
ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento ou suspensão de benefício previdenciário pelo
INSS, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que a autarquia atua no seu legítimo
exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua
competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do segurado
acarrete indenização por dano moral.
Nesse sentido, já decidiu esta E. Corte, in verbis:
"ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS.
CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE.
NEXO CAUSAL AFASTADO. PREJUÍZOS EXTRAPATRIMONIAIS NÃO DEMONSTRADOS.
INDENIZAÇÃO DESCABIDA.
1. Eventual rejeição de pedido de concessão de benefício previdenciário insere-se no âmbito das
atribuições do INSS, não havendo ilicitude nesse comportamento.
2. Meros dissabores não podem ser elevados à condição de danos morais. Precedentes do C.
STJ.
3. Não comprovado o nexo causal entre os supostos prejuízos sofridos e o ato administrativo da
autarquia, bem assim a ocorrência de abalo psíquico anormal para a hipótese, não se há falar em
indenização por danos materiais ou morais."
(TRF - 3ª Região, AC 2007.61.16.000637-1, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal Mairan
Maia, j. 31/7/2014, v.u., DE de 8/8/2014)
Conforme documento juntado aos autos (fls. 120, 202 e 206), a parte autora formulou pedido de
amparo social à pessoa portadora ao idoso em 24/8/09 (com indeferimento na mesma data) e em
18/2/13 (com indeferimento em 27/2/13). Conforme consulta realizada no Cadastro Nacional de
Informações Sociais – CNIS e Sistema Único de Benefícios – DATAPREV (fls. 204 e 205),
verifica-se que o autor percebe aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo desde
28/4/92 e que não possui vínculos empregatícios desde a referida data. Dessa forma, é possível
concluir que a autora preenchia o requisito da miserabilidade na época do primeiro requerimento
administrativo (24/8/09), motivo pelo qual o termo inicial do benefício deve ser fixado na referida
data, que coincide com a data do indeferimento, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ
(AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13,
DJe 18/9/13).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o
julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso
Extraordinário nº 870.947.
Com relação aos honorários advocatícios, os mesmos devem ser fixados nos termos do art. 21,
caput, do Código de Processo Civil/73, tendo em vista que ambos foram simultaneamente
vencedores e vencidos.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, fica prejudicada a análise da base de cálculos dos
honorários nos termos requeridos.
Quanto ao valor da multa, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento "no sentido de
que a multa prevista no art. 461 do CPC, por não fazer coisa julgada material, pode ter seu valor
e periodicidade modificados a qualquer tempo pelo juiz, quando for constatado que se tornou
insuficiente ou excessiva" (REsp nº 708.290/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j.
26/06/2007, v.u., DJ 06/08/2007).
Considerando-se, portanto, a interpretação dada pelo C. STJ ao então vigente art. 461, §6º, do
CPC/73 (atual art. 537, § 1º, do CPC/2015), inócua seria a apreciação, nesta fase, de qualquer
insurgência por parte da autarquia, uma vez que, caso a parte contrária deseje executar,
posteriormente, o valor da multa cominada, poderá o juiz - segundo o seu entendimento -
modificar o seu valor, caso reconheça que se tornou excessiva.
Por fim, o § 3º do art. 496 do CPC, de 2015, dispõe não ser aplicável a remessa necessária
"quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido
inferior a: I) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de
direito público".
No tocante à aplicação imediata do referido dispositivo, peço vênia para transcrever os
ensinamentos do Professor Humberto Theodoro Júnior, na obra "Curso de Direito Processual
Civil", Vol. III, 47ª ed., Editora Forense, in verbis:
"A extinção da remessa necessária faz desaparecer a competência do tribunal de segundo grau
para o reexame da sentença. Incide imediatamente, impedindo o julgamento dos casos
pendentes. É o que se passa com as sentenças condenatórias dentro dos valores ampliados pelo
§ 3º do art. 496 do NCPC para supressão do duplo grau obrigatório. Os processos que versem
sobre valores inferiores aos novos limites serão simplesmente devolvidos ao juízo de primeiro
grau, cuja sentença terá se tornado definitiva pelo sistema do novo Código, ainda que proferida
anteriormente à sua vigência." (grifos meus)
Observo que o valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo
qual a R. sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS para fixar a correção monetária e
juros moratórios e explicitar o termo inicial do benefício na forma acima indicada, nego provimento
à apelação da parte autora e não conheço da remessa oficial.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS DANOS MORAIS. MULTA DIÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-se
demonstrado no presente feito.
III- No tocante ao pedido de indenização por dano moral requerido pela parte autora, não constitui
ato ilícito, por si só, o indeferimento, cancelamento ou suspensão de benefício previdenciário pelo
INSS, a ponto de ensejar reparação moral, uma vez que a autarquia atua no seu legítimo
exercício de direito, possuindo o poder e o dever de deliberar sobre os assuntos de sua
competência, sem que a negativa de pedido ou a opção por entendimento diverso do segurado
acarrete indenização por dano moral.
IV-Conforme documento juntado aos autos (fls. 120, 202 e 206), a parte autora formulou pedido
de amparo social à pessoa portadora ao idoso em 24/8/09 (com indeferimento na mesma data) e
em 18/2/13 (com indeferimento em 27/2/13). Conforme consulta realizada no Cadastro Nacional
de Informações Sociais – CNIS e Sistema Único de Benefícios – DATAPREV (fls. 204 e 205),
verifica-se que o autor percebe aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo desde
28/4/92 e que não possui vínculos empregatícios desde a referida data. Dessa forma, é possível
concluir que a autora preenchia o requisito da miserabilidade na época do primeiro requerimento
administrativo (24/8/09), motivo pelo qual o termo inicial do benefício deve ser fixado na referida
data, que coincide com a data do indeferimento, conforme jurisprudência pacífica do C. STJ
(AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j. 10/9/13,
DJe 18/9/13).
V- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, deve ser observado o julgamento proferido pelo C.
Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947.
VI- Com relação aos honorários advocatícios, os mesmos devem ser fixados nos termos do art.
21, caput, do Código de Processo Civil/73, tendo em vista que ambos foram simultaneamente
vencedores e vencidos.
VII- Quanto ao valor da multa, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento "no
sentido de que a multa prevista no art. 461 do CPC, por não fazer coisa julgada material, pode ter
seu valor e periodicidade modificados a qualquer tempo pelo juiz, quando for constatado que se
tornou insuficiente ou excessiva" (REsp nº 708.290/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, j. 26/06/2007, v.u., DJ 06/08/2007). Considerando-se, portanto, a interpretação dada pelo
C. STJ ao então vigente art. 461, §6º, do CPC/73 (atual art. 537, § 1º, do CPC/2015), inócua seria
a apreciação, nesta fase, de qualquer insurgência por parte da autarquia, uma vez que, caso a
parte contrária deseje executar, posteriormente, o valor da multa cominada, poderá o juiz -
segundo o seu entendimento - modificar o seu valor, caso reconheça que se tornou excessiva.
VIII- O valor da condenação não excede a 1.000 (um mil) salários mínimos, motivo pelo qual a R.
sentença não está sujeita ao duplo grau obrigatório.
IX- Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação da parte autora improvida. Remessa oficial
não conhecida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, negar provimento à apelação
da parte autora e não conhecer da remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
