Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5206491-41.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
09/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/08/2019
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A perícia judicial realizada constatou que a autora de 1 (um) ano e 11 (onze) meses, é
portadora de fibrose cística, "doença genética recessiva, que causa prejuízo especialmente no
pulmão e tubo digestivo. Também é conhecida como mucoviscidose. Ela requer atenção estreita
da mãe, em nível superior ao de outra criança da mesma idade, e requer acompanhamento
intensivo dos meios de saúde, com medicações especiais, estímulo para desenvolvimento
neuropsicomotor adequado e redução das infecções. Sendo bem tratada, pode vir a ter vida
adulta produtiva, embora ainda com expectativa de vida bem menor que a população geral.
Considero, por estes motivos, haver deficiência." (fls. 96 – doc. 30006482 – pág. 7). Assim
comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado. O estudo social revela que a autora reside com os genitores Barbara Suelen
Lopes da Silva, de 29 anos e Reginaldo Sanches, de 33 anos, e seu irmão Bryan de 8 anos. Há
aproximadamente dois meses, passaram a residir na casa cedida pelo sogro, em razão das
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
dificuldades enfrentadas no pagamento de aluguel. O lar é simples, composto por seis cômodos,
sendo três quartos, sala, cozinha e banheiro. Por apresentar fibrose cística, a requerente faz
tratamento de saúde na UNICAMP, utiliza medicamentos controlados e realiza inalação
periodicamente. Ao nascer realizou cirurgia no intestino e com 4 meses realizou outras duas. Há
um gasto elevado em fraldas em razão dos problemas intestinais. Por meio de rifa comunitária
conseguiu um aparelho no valor de R$ 150,00 que a auxilia no tratamento fisioterápico. O irmão
também está realizando acompanhamento para investigação, considerando ser a doença
genética. A renda mensal é proveniente somente da remuneração do genitor, como tratorista, no
valor de R$ 1.706,10. As despesas mensais totalizam R$ 1.524,00, sendo R$ 400,00 em
alimentação, R$ 150,00 em energia elétrica, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 69,00 em gás de
cozinha, R$ 200,00 em farmácia, R$ 45,00 em IPTU, R$ 150,00 em van escolar do filho, R$
200,00 em fraldas e R$ 270,00 referente ao pagamento de pensão alimentícia à filha de 11 anos
do genitor de outro relacionamento.
IV- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 16 (doc. 55166442 – pág.
11), "(...) o contexto socioeconômico da apelada, demonstrado no estudo social, aliado ao fato de
se tratar de criança com deficiência, a quem o Estado tem, por expressa disposição
constitucional, convencional e legal, o dever de assegurar e garantir condições de vida
minimamente dignas, com absoluta prioridade, torna plenamente legítima a concessão do
benefício de prestação continuada na espécie".
V- Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5206491-41.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA SANCHES
REPRESENTANTE: BARBARA SUELEN LOPES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO BENETTI FILHO - SP243589-N,
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5206491-41.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA SANCHES
REPRESENTANTE: BARBARA SUELEN LOPES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO BENETTI FILHO - SP243589-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão do
benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser
pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. Pleiteia, ainda, a fixação do termo inicial na data do pedido administrativo,
bem como a tutela de urgência.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a
antecipação dos efeitos da tutela.
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo o benefício assistencial requerido em
favor da parte autora, no valor de um salário mínimo mensal, a partir da data do requerimento
administrativo em 2/3/18 (fls. 153 – doc. 30006353 – pág. 1). Determinou o pagamento dos
valores atrasados, acrescidos de correção monetária pela variação do IPCA-E, e juros moratórios
conforme o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Isentou o réu da condenação em custas processuais. Os honorários advocatícios foram
arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 3º, do CPC/15). Deferiu a tutela de
urgência.
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando em síntese:
- a constatação, na perícia judicial, da deficiência física da demandante, porém, conforme
tratamento poderá vir a ter vida adulta produtiva, não caracterizando deficiência de longo prazo.
- o não preenchimento do requisito da hipossuficiência, vez que a renda familiar per capita é
superior ao critério de ¼ do salário mínimo;
- ser subsidiária a assistência social pública, recaindo a obrigação do sustento primeiramente ao
seu núcleo familiar, e não à sociedade como um todo, não podendo o benefício assistencial servir
como complemento de renda.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 6/18 (doc. 55166442 – págs. 1/13), opinando pelo
desprovimento do recurso do INSS.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5206491-41.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: HELENA SANCHES
REPRESENTANTE: BARBARA SUELEN LOPES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO BENETTI FILHO - SP243589-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF
é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que
não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização das
atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender como
incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para promover,
por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade. Cumpre
registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A incapacidade para
prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a caracterização da
incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V, da Constituição
Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei). Ademais, a redação do
referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de concessão do benefício de
prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C. Supremo
Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido formulado na
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o § 3º, do art. 20,
da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário nº
567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do mencionado
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4
(um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que
criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro
a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações
socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir
a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o
direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um
salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser
humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples e
faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse
benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários,
além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria direito a parte
autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da Lei
nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre o
rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a avaliação da alegada deficiência, foi realizada perícia judicial em 5/9/18, tendo
sido elaborado o respectivo parecer técnico pelo Perito a fls. 90/97 (doc. 30006482 – págs. 1/8).
Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame físico e análise da
documentação médica dos autos, que a autora de 1 (um) ano e 11 (onze) meses, é portadora de
fibrose cística, "doença genética recessiva, que causa prejuízo especialmente no pulmão e tubo
digestivo. Também é conhecida como mucoviscidose. Ela requer atenção estreita da mãe, em
nível superior ao de outra criança da mesma idade, e requer acompanhamento intensivo dos
meios de saúde, com medicações especiais, estímulo para desenvolvimento neuropsicomotor
adequado e redução das infecções. Sendo bem tratada, pode vir a ter vida adulta produtiva,
embora ainda com expectativa de vida bem menor que a população geral. Considero, por estes
motivos, haver deficiência." (fls. 96 – doc. 30006482 – pág. 7). Assim, encontra-se comprovado o
impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho.
Com relação à miserabilidade, observo que o estudo social (elaborado em 27/8/18, data em que o
salário mínimo era de R$ 954,00) demonstra que a autora reside com os genitores Barbara
Suelen Lopes da Silva, de 29 anos e Reginaldo Sanches, de 33 anos, e seu irmão Bryan de 8
anos. Há aproximadamente dois meses, passaram a residir na casa cedida pelo sogro, em razão
das dificuldades enfrentadas no pagamento de aluguel. O lar é simples, composto por seis
cômodos, sendo três quartos, sala, cozinha e banheiro. Por apresentar fibrose cística, a
requerente faz tratamento de saúde na UNICAMP, utiliza medicamentos controlados e realiza
inalação periodicamente. Ao nascer realizou cirurgia no intestino e com 4 meses realizou outras
duas. Há um gasto elevado em fraldas em razão dos problemas intestinais. Por meio de rifa
comunitária conseguiu um aparelho no valor de R$ 150,00 que a auxilia no tratamento
fisioterápico. O irmão também está realizando acompanhamento para investigação, considerando
ser a doença genética. A renda mensal é proveniente somente da remuneração do genitor, como
tratorista, no valor de R$ 1.706,10. As despesas mensais totalizam R$ 1.524,00, sendo R$ 400,00
em alimentação, R$ 150,00 em energia elétrica, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 69,00 em gás de
cozinha, R$ 200,00 em farmácia, R$ 45,00 em IPTU, R$ 150,00 em van escolar do filho, R$
200,00 em fraldas e R$ 270,00 referente ao pagamento de pensão alimentícia à filha de 11 anos
do genitor de outro relacionamento.
Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 16 (doc. 55166442 – pág. 11),
"(...) o contexto socioeconômico da apelada, demonstrado no estudo social, aliado ao fato de se
tratar de criança com deficiência, a quem o Estado tem, por expressa disposição constitucional,
convencional e legal, o dever de assegurar e garantir condições de vida minimamente dignas,
com absoluta prioridade, torna plenamente legítima a concessão do benefício de prestação
continuada na espécie".
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se demonstrado.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A perícia judicial realizada constatou que a autora de 1 (um) ano e 11 (onze) meses, é
portadora de fibrose cística, "doença genética recessiva, que causa prejuízo especialmente no
pulmão e tubo digestivo. Também é conhecida como mucoviscidose. Ela requer atenção estreita
da mãe, em nível superior ao de outra criança da mesma idade, e requer acompanhamento
intensivo dos meios de saúde, com medicações especiais, estímulo para desenvolvimento
neuropsicomotor adequado e redução das infecções. Sendo bem tratada, pode vir a ter vida
adulta produtiva, embora ainda com expectativa de vida bem menor que a população geral.
Considero, por estes motivos, haver deficiência." (fls. 96 – doc. 30006482 – pág. 7). Assim
comprovado o impedimento de longo prazo para a vida independente e para o trabalho.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da miserabilidade encontra-
se demonstrado. O estudo social revela que a autora reside com os genitores Barbara Suelen
Lopes da Silva, de 29 anos e Reginaldo Sanches, de 33 anos, e seu irmão Bryan de 8 anos. Há
aproximadamente dois meses, passaram a residir na casa cedida pelo sogro, em razão das
dificuldades enfrentadas no pagamento de aluguel. O lar é simples, composto por seis cômodos,
sendo três quartos, sala, cozinha e banheiro. Por apresentar fibrose cística, a requerente faz
tratamento de saúde na UNICAMP, utiliza medicamentos controlados e realiza inalação
periodicamente. Ao nascer realizou cirurgia no intestino e com 4 meses realizou outras duas. Há
um gasto elevado em fraldas em razão dos problemas intestinais. Por meio de rifa comunitária
conseguiu um aparelho no valor de R$ 150,00 que a auxilia no tratamento fisioterápico. O irmão
também está realizando acompanhamento para investigação, considerando ser a doença
genética. A renda mensal é proveniente somente da remuneração do genitor, como tratorista, no
valor de R$ 1.706,10. As despesas mensais totalizam R$ 1.524,00, sendo R$ 400,00 em
alimentação, R$ 150,00 em energia elétrica, R$ 40,00 em água/esgoto, R$ 69,00 em gás de
cozinha, R$ 200,00 em farmácia, R$ 45,00 em IPTU, R$ 150,00 em van escolar do filho, R$
200,00 em fraldas e R$ 270,00 referente ao pagamento de pensão alimentícia à filha de 11 anos
do genitor de outro relacionamento.
IV- Como bem asseverou o I. Representante do Parquet Federal a fls. 16 (doc. 55166442 – pág.
11), "(...) o contexto socioeconômico da apelada, demonstrado no estudo social, aliado ao fato de
se tratar de criança com deficiência, a quem o Estado tem, por expressa disposição
constitucional, convencional e legal, o dever de assegurar e garantir condições de vida
minimamente dignas, com absoluta prioridade, torna plenamente legítima a concessão do
benefício de prestação continuada na espécie".
V- Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
