Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5027405-42.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
28/09/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 30/09/2021
Ementa
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A deficiência ficou caracterizada na perícia judicial.Assim, comprovado o impedimento de longo
prazo.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência encontra-
se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 31 anos e não
alfabetizado, reside somente com a genitora Doroti Maria Marques Borges, de 61 anos e
divorciada, em imóvel próprio, construído em alvenaria, telhas de cerâmica, piso de cerâmica,
com forro, constituído por cinco cômodos, sendo 2 quartos, cozinha, sala e banheiro, e
guarnecido por mobiliário e eletrodomésticos essenciais. Segundo a assistente social, o
requerente não se adaptou à APAE local, devido ao grau de deficiência e dificuldade de
adaptação, sendo bem restrita sua participação em eventos comunitários. A genitora informou a
impossibilidade de assumir trabalhos com carteira assinada, pela dependência total do filho em
relação a banho/alimentação e demais cuidados básicos. É beneficiária do Programa de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Transferência de Renda Bolsa Família no valor de R$ 179,00. A renda mensal familiar é
proveniente da venda informal de lingeries pela genitora, auferindo R$ 80,00 por semana, renda
esta variável, eventual e incerta, perfazendo o valor mensal de R$ 320,00. O autor não recebe
pensão alimentícia judicialmente, apenas valores por acordo verbal, pois o genitor Pedro Borges
da Silva possui outra família constituída. O pagamento das despesas fixas e variáveis que
ultrapassam a renda mensal são realizadas por meio de subsídios e contribuições do genitor e
dos irmãos maternos da genitora. Os gastos mensais totalizam R$ 450,00, sendo R$ 123,00 em
energia elétrica, R$ 107,00 em água/esgoto, R$ 65,00 em gás, R$ 120,00 em medicamentos
(variável) e R$ 35,00 em telefone fixo. Alguns medicamentos são adquiridos da rede pública de
saúde. A genitora não soube precisar as despesas com alimentação/higiene, por tratar-se de
valores semanais, do que sobra da renda.
IV- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo.
V- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à
correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação
até mesmo de ofício.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos índices
de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos firmados na
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial
Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos relativos
a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VII- Conforme comunicado da Gerência Executiva do INSS de São José do Rio Preto – Unidade
21036, "Informamos que foi CONCEDIDA a antecipação do valor de R$ 600,00 para os
requerentes do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, de que trata o art.
20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, durante o período de até 3 (três) meses, a contar
da publicação da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Após a concessão do Benefício
Assistencial ao Portador de Deficiência, será descontado o valor já recebido e paga a diferença.
Para mais informações, acesse o Meu INSS ou ligue 135" (fls. 206 – id. 151389367 – pág. 44).
VIII- Apelação do INSS improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027405-42.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WESLEY MARQUES BORGES
REPRESENTANTE: DOROTI MARIA MARQUES
Advogado do(a) APELADO: ANDREI RAIA FERRANTI - SP164113-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027405-42.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WESLEY MARQUES BORGES
REPRESENTANTE: DOROTI MARIA MARQUES
Advogado do(a) APELADO: ANDREI RAIA FERRANTI - SP164113-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR):Trata-se de
ação ajuizada em 1º/10/19 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
concessão do benefício previsto no art. 203, inc. V, da Constituição Federal de 1988, sob o
fundamento de serpessoa portadora de deficiênciae não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. Pleiteia a fixação do termo inicial desde a data
do requerimento administrativo em 2/10/18.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízoa quo, em 16/9/20, julgouprocedenteo pedido, concedendo o benefício requerido ao
autor, a partir do protocolo do requerimento administrativo em 2/10/18. Determinou o
pagamento dos valores atrasados, acrescidos de correção monetária pelo INPC, e juros
moratórios de acordo com o índice de remuneração da caderneta de poupança, segundo o
Tema 905 do C. STJ (REsp 1.495.146). Isentou o réu da condenação em taxa judiciária, porém,
devendo restituir à parte vencedora eventuais despesas processuais. Os honorários
advocatícios foram arbitrados em R$ 2.000,00. "Quanto aos juros moratórios e à correção
monetária, devem ser aplicados os mesmos parâmetros estabelecidos para a obrigação
principal, conforme mencionado acima, ressalvando que no caso dos honorários: (a) a correção
monetária incide a partir da data de fixação do valor (ou seja, desta data); (b) os juros somente
são cabíveis se a verba honorária não for paga no prazo estipulado para o pagamento do
precatório ou da requisição de pequeno valor, conforme o caso (vide súmula vinculante nº17 do
STF)." (fls. 152 – id. 151389358 – pág. 7).
Inconformada, apelou a autarquia, sustentando, em síntese:
- não se encontrar a família em estado de vulnerabilidade social, vez que o genitor tem a
obrigação de suprir as necessidades de seu filho e
- a supletividade da assistência social.
- Caso não sejam acolhidas as alegações mencionadas, requer a alteração do termo inicial do
benefício para a data da juntada do laudo pericial aos autos, bem como seja determinado os
descontos do auxílio assistencial, por conta de pedido de LOAS em época da pandemia,
conforme processo administrativo.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
Parecer do Ministério Público Federal a fls. 237/242 (id. 152275649 – págs. 1/6), opinando pelo
desprovimento do recurso do INSS.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5027405-42.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: WESLEY MARQUES BORGES
REPRESENTANTE: DOROTI MARIA MARQUES
Advogado do(a) APELADO: ANDREI RAIA FERRANTI - SP164113-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispõe o art.
203, inc. V, da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I -a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II -o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III -a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV -a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei." (grifos meus)
Para regulamentar o dispositivo constitucional retro transcrito, foi editada a Lei nº 8.742 de
7/12/1993.
Cumpre ressaltar, ainda, que em 8/12/95 sobreveio o Decreto nº 1.744 regulamentando a Lei da
Assistência Social supramencionada.
Da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que o benefício previsto no art. 203, inc. V, da
CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou considerada idosa e, em ambas as hipóteses,
que não possua meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.
Com relação ao requisito etário, observo que a idade de 70 (setenta) anos prevista no caput do
art. 20, da Lei nº 8.742/93, foi reduzida para 67 (sessenta e sete), conforme a Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 (sessenta e cinco), nos termos do art. 34 da Lei nº 10.741/2003.
No que concerne à incapacidade para a vida independente, conforme disposto no art. 20, da Lei
nº 8.742/93, não me parece ter sido o intuito do legislador conceituar pessoa portadora de
deficiência como aquela que necessita da assistência permanente de outra para a realização
das atividades básicas do ser humano. Nem seria razoável que o fizesse. Há de se entender
como incapacidade para a vida independente, sim, aquela que não dispõe de recursos para
promover, por seus próprios meios, condições para sobreviver com um mínimo de dignidade.
Cumpre registrar que a Súmula nº 30 da AGU, de 9 de junho de 2008, dispõe que: "A
incapacidade para prover a própria subsistência por meio do trabalho é suficiente para a
caracterização da incapacidade para a vidaindependente, conforme estabelecido no art. 203,V,
da Constituição Federal, e art. 20, II, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993" (grifei).
Ademais, a redação do referido artigo foi alterada pela Lei nº 13.146/15: "Para efeito de
concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
No tocante ao segundo requisito, qual seja, a comprovação de a parte autora não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, o Plenário do C.
Supremo Tribunal Federal, em sessão de 27/8/1998, havia julgado improcedente o pedido
formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, considerando constitucional o
§ 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93.
No entanto, o referido Plenário, em sessão de 18/4/2013, apreciando o Recurso Extraordinário
nº 567.985/MT, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
mencionado § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do E. Ministro Gilmar
Mendes, in verbis:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que 'considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo'.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento."
(STF, Recurso Extraordinário nº 567.985/MT, Plenário, Relator para acórdão Ministro Gilmar
Mendes, j. em 18/4/13)
Asseverou o E. Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, que "o critério de ¼ do salário mínimo
utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para
aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem
o direito ao benefício assistencial."
Quadra mencionar, adicionalmente, que o C. Superior Tribunal de Justiça também analisou a
questão da miserabilidade por ocasião do julgamento proferido no Recurso Especial Repetitivo
Representativo de Controvérsia nº 1.112.557-MG (2009/0040999-9), in verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para
o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(STJ, REsp. nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/09,
v.u., DJ 20/11/09)
Dessa forma, pacificou-se o entendimento no sentido de que a comprovação de a parte autora
possuir (ou não) meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família deve
ser analisada pelo magistrado, em cada caso, de acordo com as provas apresentadas nos
autos.
Outrossim, nos termos do art. 34, do Estatuto do Idoso, deve-se descontar outro benefício no
valor de um salário mínimo já concedido a qualquer membro da família, para fins de cálculo da
renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
Embora a lei refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei
atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se
tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente
econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de
um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de
um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa E. Terceira Seção conforme ementa abaixo transcrita, in
verbis:
"EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INVÁLIDA. CUMPRIMENTO
DOS REQUISITOS LEGAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR.
I - A extensão dos embargos é adstrita aos limites da divergência que, no caso dos autos, recai
unicamente sobre a verificação da hipossuficiência econômica da parte autora.
II - É de se manter a concessão do benefício assistencial à autora, hoje com 61 anos, total e
definitivamente incapaz para o trabalho, que vive com uma filha e o marido, já idoso, o qual
percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo.
III - As testemunhas ouvidas afirmam enfaticamente que a autora reside em casa muito simples
e faz uso diário de medicamentos.
IV - O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição
desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os
beneficiários, além do que, faz-se necessário descontar o benefício de valor mínimo, a que teria
direito a parte autora, para o cálculo da renda mensal per capita.
V - O conceito de unidade familiar foi esclarecido com a nova redação do § 1º do artigo 21 da
Lei nº 9.720/98, que remete ao art. 16 da Lei nº 8.213/91.
VI - Há no conjunto probatório, elementos que induzem à convicção de que a autora está entre
o rol dos beneficiários descritos na legislação.
VII - Embargos infringentes não providos."
(EAC nº 2002.03.099.026301-6, Rel. Des. Federal Marianina Galante, j. em 22/9/04, DJU de
05/10/04, grifos meus)
Passo à análise do caso concreto.
In casu, para a comprovação da deficiência, foi realizada perícia médica judicial, em 16/6/20,
tendo sido elaborado o respectivo parecer técnico pelo Perito e acostado a fls. 111/115 (id.
151389342 – págs. 1/5). Afirmou o esculápio encarregado do exame, com base no exame
clínico e análise da documentação médica dos autos, que o autor de 31 anos, sem grau de
instrução e sem formação profissional, é portador de retardo mental grave (CID10 F72.1), com
comprometimento significativo de comportando, demandando vigilância ou tratamento,
incapacitando-o de tomar decisões conscientes. Concluiu o expert que o periciado possui
incapacidade total e permanente para o exercício de atividades laborativas, com perda de
autonomia para a realização das atividades da vida diária. Assim, comprovado o impedimento
de longo prazo.
Com relação à miserabilidade, o estudo social (elaborado em 15/7/20, data em que o salário
mínimo era de R$ 1.045,00) demonstra, que o autor de 31 anos e não alfabetizado, reside
somente com a genitora Doroti Maria Marques Borges, de 61 anos e divorciada, em imóvel
próprio, construído em alvenaria, telhas de cerâmica, piso de cerâmica, com forro, constituído
por cinco cômodos, sendo 2 quartos, cozinha, sala e banheiro, e guarnecido por mobiliário e
eletrodomésticos essenciais, além de TV de 42” tela plana, telefone sem fio, celular, aparelho
de som, micro-ondas e tanquinho. Segundo a assistente social, o requerente não se adaptou à
APAE local, devido ao grau de deficiência e dificuldade de adaptação, sendo bem restrita sua
participação em eventos comunitários. A genitora informou a impossibilidade de assumir
trabalhos com carteira assinada, pela dependência total do filho em relação a
banho/alimentação e demais cuidados básicos. É beneficiária do Programa de Transferência de
Renda Bolsa Família no valor de R$ 179,00. A renda mensal familiar é proveniente da venda
informal de lingeries pela genitora, auferindo R$ 80,00 por semana, renda esta variável,
eventual e incerta, perfazendo o valor mensal de R$ 320,00. O autor não recebe pensão
alimentícia judicialmente, apenas valores por acordo verbal, pois o genitor Pedro Borges da
Silva possui outra família constituída. O pagamento das despesas fixas e variáveis que
ultrapassam a renda mensal são realizadas por meio de subsídios e contribuições do genitor e
dos irmãos maternos da genitora. Os gastos mensais totalizam R$ 450,00, sendo R$ 123,00 em
energia elétrica, R$ 107,00 em água/esgoto, R$ 65,00 em gás, R$ 120,00 em medicamentos
(variável) e R$ 35,00 em telefone fixo. Alguns medicamentos são adquiridos da rede pública de
saúde. A genitora não soube precisar as despesas com alimentação/higiene, por tratar-se de
valores semanais, do que sobra da renda.
Dessa forma, pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da
hipossuficiência encontra-se comprovado.
Cumpre salientar que o amparo social deve ser revisto a cada dois anos, haja vista a expressa
disposição legal prevista no art. 21 da Lei nº 8.742/93.
Ressalto, ainda, ser vedada a acumulação do benefício assistencial de prestação continuada
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência
médica, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93, devendo ser deduzidos na fase de
execução do julgado os pagamentos feitos pela autarquia na esfera administrativa.
Conforme documento de fls. 16, a parte autora formulou pedido de amparo social à pessoa
portadora de deficiência em 2/10/18, motivo pelo qual o termo inicial de concessão do benefício
deve ser mantido na data do pedido na esfera administrativa, conforme jurisprudência pacífica
do C. STJ (AgRg no AREsp nº 377.118/CE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, v.u., j.
10/9/13, DJe 18/9/13).
Importante deixar consignado que os pagamentos das diferenças pleiteadas já realizadas pela
autarquia na esfera administrativa devem ser deduzidos na fase de execução do julgado.
Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes à
correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de apreciação
até mesmo de ofício, nos termos dos precedentes in verbis:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO JUDICIAL.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. OMISSÃO QUANTO AO VALOR DA DEDUÇÃO, TERMO
INICIAL E FINAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E TAXA DE JUROS MORATÓRIOS.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE
ORIGEM. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante a firme orientação jurisprudencial desta Corte Superior, a correção monetária e os
juros de mora incidem sobre o objeto da condenação judicial e não se prendem a pedido feito
em primeira instância ou a recurso voluntário dirigido ao Tribunal de origem. Por se tratar de
matéria de ordem pública, cognoscível até mesmo de ofício, não está sujeita à preclusão, salvo
na hipótese de já ter sido objeto de decisão anterior. Precedentes.
3. A questão de ordem pública e, como tal, cognoscível de ofício pelas instâncias ordinárias, é
matéria que pode ali ser veiculada pela parte em embargos de declaração, ainda que após a
interposição de seu recurso de agravo de instrumento, tal como se deu na hipótese.
4. Enquanto não instaurada esta instância especial, a questão afeta aos juros moratórios, em
todos os seus contornos, não se submete à preclusão, tampouco se limita à extensão da
matéria devolvida em agravo de instrumento.
5. No caso, o Tribunal de origem não se pronunciou sobre a alegação, deduzida pelo Banco em
embargos de declaração, sobre o termo inicial e final dos juros moratórios, justificando-se,
portanto, o reconhecimento de ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973.
6. Agravo interno a que se nega provimento."
(STJ, AgInt. no AREsp. nº 937.652/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma,
julgado em 26/08/2019, DJe 30/08/2019, grifos meus)
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
INOCORRÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. QUESTÕES DE ORDEM
PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o órgão julgador, de forma clara e
coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado.
2. As questões relativas à correção monetária e aos juros de mora são de ordem pública e, por
isso, devem ser conhecidas ou modificadas de ofício em sede de remessa necessária, sem
importar em ofensa ao princípio da congruência e, por conseguinte, da non reformatio in pejus.
3. Agravo interno não provido."
(STJ, AgInt. no REsp. nº 1.555.776/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado
em 23/9/2019, DJe 25/9/2019, grifos meus).
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora.
Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no
Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos
processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra
ressaltar haver constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que "a adoção do INPC
não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação
do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual
se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso
concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção
monetária dos benefícios de natureza previdenciária." Outrossim, como bem observou o E.
Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira: "Importante ter presente, para a adequada
compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em
referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data
em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de
declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de
um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas
sobre o valor da condenação." (TRF-4ª Região, AI nº 5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª
Turma, v.u., j. 16/10/19).
Ademais, conforme comunicado da Gerência Executiva do INSS de São José do Rio Preto –
Unidade 21036, "Informamos que foi CONCEDIDA a antecipação do valor de R$ 600,00 para
os requerentes do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, de que trata o
art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, durante o período de até 3 (três) meses, a
contar da publicação da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Após a concessão do Benefício
Assistencial ao Portador de Deficiência, será descontado o valor já recebido e paga a diferença.
Para mais informações, acesse o Meu INSS ou ligue 135" (fls. 206 – id. 151389367 – pág. 44).
Por fim, no tocante ao prequestionamento da matéria, para fins de interposição de recursos aos
tribunais superiores, não merece prosperar a alegação do INSS de eventual ofensa aos
dispositivos legais e constitucionais, tendo em vista que houve análise da apelação em todos os
seus aspectos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, devendo a correção monetária ser fixada
na forma acima indicada.
É o meu voto.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, INC. V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. COMPROVADO IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO. MISERABILIDADE DEMONSTRADA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA.
I- O benefício previsto no art. 203, inc. V, da CF é devido à pessoa portadora de deficiência ou
considerada idosa e, em ambas as hipóteses, que não possua meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida por sua família.
II- A deficiência ficou caracterizada na perícia judicial.Assim, comprovado o impedimento de
longo prazo.
III- Pela análise de todo o conjunto probatório dos autos, o requisito da hipossuficiência
encontra-se demonstrado no presente feito. O estudo social revela que o autor de 31 anos e
não alfabetizado, reside somente com a genitora Doroti Maria Marques Borges, de 61 anos e
divorciada, em imóvel próprio, construído em alvenaria, telhas de cerâmica, piso de cerâmica,
com forro, constituído por cinco cômodos, sendo 2 quartos, cozinha, sala e banheiro, e
guarnecido por mobiliário e eletrodomésticos essenciais. Segundo a assistente social, o
requerente não se adaptou à APAE local, devido ao grau de deficiência e dificuldade de
adaptação, sendo bem restrita sua participação em eventos comunitários. A genitora informou a
impossibilidade de assumir trabalhos com carteira assinada, pela dependência total do filho em
relação a banho/alimentação e demais cuidados básicos. É beneficiária do Programa de
Transferência de Renda Bolsa Família no valor de R$ 179,00. A renda mensal familiar é
proveniente da venda informal de lingeries pela genitora, auferindo R$ 80,00 por semana, renda
esta variável, eventual e incerta, perfazendo o valor mensal de R$ 320,00. O autor não recebe
pensão alimentícia judicialmente, apenas valores por acordo verbal, pois o genitor Pedro
Borges da Silva possui outra família constituída. O pagamento das despesas fixas e variáveis
que ultrapassam a renda mensal são realizadas por meio de subsídios e contribuições do
genitor e dos irmãos maternos da genitora. Os gastos mensais totalizam R$ 450,00, sendo R$
123,00 em energia elétrica, R$ 107,00 em água/esgoto, R$ 65,00 em gás, R$ 120,00 em
medicamentos (variável) e R$ 35,00 em telefone fixo. Alguns medicamentos são adquiridos da
rede pública de saúde. A genitora não soube precisar as despesas com alimentação/higiene,
por tratar-se de valores semanais, do que sobra da renda.
IV- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo.
V- Consoante jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, as questões referentes
à correção monetária e juros moratórios são matérias de ordem pública, passíveis de
apreciação até mesmo de ofício.
VI- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação e os juros
moratórios a partir da citação, momento da constituição do réu em mora. Com relação aos
índices de atualização monetária e taxa de juros, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no
Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos
processos relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
VII- Conforme comunicado da Gerência Executiva do INSS de São José do Rio Preto – Unidade
21036, "Informamos que foi CONCEDIDA a antecipação do valor de R$ 600,00 para os
requerentes do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, de que trata o art.
20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, durante o período de até 3 (três) meses, a
contar da publicação da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Após a concessão do Benefício
Assistencial ao Portador de Deficiência, será descontado o valor já recebido e paga a diferença.
Para mais informações, acesse o Meu INSS ou ligue 135" (fls. 206 – id. 151389367 – pág. 44).
VIII- Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
